Crônica dominical de Luis Fernando Veríssimo

Progressão
A senhora, quem é?
— A esposa, doutor.
— Muito bem. Conte-nos o que houve.
— Não sei, doutor. Ele chegou em casa, depois de esperar horas na fila de um banco, ser assaltado no ônibus, passar pelo supermercado sem poder comprar nada e começado a ver o “Jornal Nacional”.
— E foi ficando vermelho. Entendi. Ele está cheio. Ou, para usar o termo científico, pê da cara.
— É grave, doutor?
— Se conseguirmos controlar a tempo, não. O perigo é ele passar para uma fase mais aguda, quando em vez de vermelho ficará fulo.
— Fulo?
— Uma cor indefinida, entre o vermelho e o roxo. Nesta fase, o importante é ele ficar em isolamento, sem receber notícia de espécie alguma, principalmente do Brasil.
— O que eu posso fazer, doutor?
— Fale com ele sobre a seleção, sobre como o Felipão parece estar acertando e como faremos bonito na Copa. E outras coisas boas. Só cuidando com a dosagem, para não parecer gozação. Os efeitos colaterais podem ser sérios.
— O que pode acontecer?
— O paciente ficar uma arara.
— Uma arara?
— É um fenômeno interessante. Botamos ele numa gaiola, até que passem os efeitos.
— Ele parece estar ficando cor-de-rosa.
— Ainda bem. Senão teríamos problemas. Nestes casos, a pessoa segue uma progressão. Fica em alas, depois vermelho ou pê da cara, depois fulo, depois uma arara e finalmente entra na fase terminal.
— Qual é?
— Fica tiririca.
— Meu Deus!
— No Brasil, milhares de pessoas ficam tiririca todos os dias.
— Doutor, acho que ele esta tendo uma recaída!
— Enfermeira, uma injeção de otimismo, rápido.
— O otimismo acabou, doutor.
— O quê? Maldito corte de verbas!
— Doutor, o senhor está ficando vermelho!

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