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Cidão: por Robespierre Amarante

CIDAO - COMPANHIA INDUSTRIAL DE ALGODÃO E ÓLEOS

O escritório apresentava móveis em madeira, pé direito de boa altura, arquivos metálicos, caixa gaiola, ventiladores de boa potência, janelas basculantes, dois acessos: rua e ao interior da fábrica.
Uma austeridade herdada de uma Inglaterra vitoriana.
O birô principal, na minha lembrança, foi ocupado pelos gerentes comerciais: Eduardo Fiúza Pequeno, Luciano Leite Campos e José de Almeida Brandão Filho.
Ao lado, o birô do gerente do escritório, Raimundo Amarante de Oliveira: gerência exercida durante as gestões dos três gerentes comerciais citados.
Sua aposentadoria veio ao mesmo tempo do ocaso da CIDAO.
Lembro da grande transformação por qual passou esta empresa industrial no início dos anos 60; ampliação do parque fabril, construção de uma nova vila para os funcionários, canalização dos rejeitos, construção do Grupo Escolar Dr, Thomé da Frota, à cuja inauguração estiveram presentes figuras de proa da vida iguatuense: Dom José Mauro Ramalho de Alarcón e Santiago, Dr, Manoel Carlos de Gouvea, Dr. Ary Brazil, e representando a Direção da empresa, o Sr. Otão Câmara de Albuquerque.
Não esquecer aqui, a construção de um refeitório, ao qual fiz referência em uma outra publicação.
Uma foto histórica mostra os citados, e um bom número de funcionários da CIDAO, do mais representativo, o gerente Luciano Campos até ao mais humilde operário, além de pessoas da comunidade ao redor, e que teriam os filhos beneficiados com a educação, nas figuras das professoras Maria do Carmo Holanda e Zélia Campos, posteriormente a professora Ivonete Fernandes.
CIDAO - Companhia Industrial de Algodão e Óleos, beneficiava três riquezas: algodão, oiticica e mamona, com exportações para os EUA e União Soviética, citando os dois principais importadores.
Sempre que escrever-se ou aludir-se à economia de Iguatu e também do Ceará, a CIDAO terá capítulo em destaque.
Empresa criada pelo capitão de indústria Trajano de Medeiros, depois negociada com o iguatuense José Moreira Cavalcante, que ao lado dos irmãos deu continuidade ao longo do tempo, ao projeto industrial do já citado Trajano de Medeiros.
Robespierre Amarante

Geração chata, por Cleber Procknow

“Cresci vendo uma negra como âncora do programa Fantástico (Glória Maria). Cresci vendo um nordestino, um negro, um galã de circo e um caipirinha (Didi, Mussum, Dedé e Zacarias) formando um dos maiores grupos de humor do Brasil, os trapalhões, fazendo piadas e críticas ao sistema que hoje jamais seriam aceitas pela sociedade, como homossexualidade e problemas de dependência química com o álcool.

Também vi um Grupo heterogêneo como o Casseta e Planeta, que tinha negro, branco e homossexual, fazendo piadas de mesmas temáticas que os trapalhões, serem referência de humor, detalhe, ambos na Globo.

Cresci vendo o melhor humorista do Brasil, Chico Anysio e seus personagens negros, brancos, Pai de Santo, gays etc, entrando em nossas casas um dia por semana para nos trazer alegria.

Cresci vendo um travesti participando de todos os programas da família Brasileira, sem nenhum tipo de problema (Rogéria).

Cresci vendo um negro Gay (Jorge Lafond) ser um dos grandes nomes do humor nacional.

Cresci vendo uma transexual ser padrão de beleza feminina e capa de revista masculina (Roberta Close). 

Cresci vendo um Gay, com roupas não ortodoxas, ser um dos maiores cantores e voz do Brasil (Ney Matogrosso).

Aliás, por falar em música, cresci tendo ídolos gays na música, como Cazuza e Renato Russo, Bethania, Marina  e muitos outros.

Quase todos meus ídolos do esporte são negros. Cresci vendo um negro como maior ídolo deste país (Pelé) e uma das figuras mais populares do Mundo.

Testemunhei um cantor gago, ex garçom, se tornar a voz romântica mais famosa desse país (Nelson Gonçalves).

Por falar em Nelson, vi um outro, anão, fazer tanto sucesso quanto (Nelson Ned).

Eu cresci vendo dois homens gordos, zoando suas próprias gorduras e se tornando dois dos maiores apresentadores e mais bem pagos do país (Faustão e Jô Soares).

Cresci vendo um homossexual extremamente requintado, inteligente, com programas para a família brasileira ser amado por muitos e ainda ter virado um dos políticos mais bem votados deste país (Clodovil), explicando que a sexualidade é um direito de cada um, e que isso não tem nada a ver com o seu valor enquanto Ser humano. 

CRESCI OUVINDO MÚSICAS COMO A DO CHACRINHA QUE DIZIA: MARIA SAPATÃO E DE CHICO BUARQUE: JOGA PEDRA NA GENI. 

Cresci vendo que a melhor maneira de defender seus direitos é abertamente, expressando-os de forma educada e inteligente.

Eu cresci entendendo que preconceitos significam estupidez, pois toda a minha formação se deu com bons exemplos de representantes, de todas as classes, em um país que normalizou a presença de todos em programas de televisão, onde tudo era discutido sem qualquer pudor.

Cresci entendendo de verdade o que era *liberdade de expressão*.

Infelizmente, hoje, com esse mimimi chato pra caramba, não temos mais liberdade de expressão.

Tudo que citei, antes normal, hoje seria execrado por essa nova sociedade chata para caramba!!

Essa dita “resistência” do politicamente correto luta contra “monstros” e "rótulos" que ela mesma criou.

Tudo vem sendo conotado como proibido e preconceituoso, ou politicamente incorreto.

*Geração chata !!!*

*Queremos o nosso bom Brasil de volta.*”

Autor: Todos com mais de 50 anos que realmente viveram livres e felizes!

A anta e o tigre

A antaburro disse ao tigre: 
"A grama é azul."

O tigre retrucou: 
"A grama é verde."

A discussão acirrou e os dois decidiram submetê-la à arbitragem do leão, o Rei da Selva.

Antes mesmo de chegar à clareira onde o leão estava sentado em seu trono, a anta gritou: 
"Vossa Alteza, não é verdade que a grama é azul?

O leão respondeu: 
"É verdade, a grama é azul!”

A anta prosseguiu:
"O tigre discorda de mim e isso me incomoda. Por favor, castigue-o."

O rei então disse:
“O tigre será punido com quatro anos de silêncio”.

A anta, saltitante e  feliz, continuou repetindo: "A grama é azul, a grama é azul, a grama é azul"...

O tigre acatou a punição, mas questionou o leão:
"Sua Majestade, por que fui punido? Afinal todos sabemos que a grama é verde."

O leão respondeu:
"Sim, na verdade, a grama é verde!”

-"Então por que está me punindo?"

-"Isso não tem nada a ver com a questão de se a grama é azul ou verde. 
O castigo é devido ao fato de que não é possível para uma criatura corajosa e inteligente como você perder tempo discutindo com uma anta, e ainda por cima me incomodar com essa picuinha."  
                        
Moral da fábula:
𝐍𝐚̃𝐨 perca tempo 𝐝𝐢𝐬𝐜𝐮𝐭indo 𝐜𝐨𝐦 Bolsonaristas! 
😹🙉🙉🙉🙉🙊🙊🙊

Meu "passado" em Fortaleza...

Ah, quanta saudade dessa Fortaleza! 

Fortaleza onde se vendia "chegadinha" na calçada (o "homi" passava tocando o triângulo). 
Vendia-se algodão doce na rua, feito no carrinho com a forma de metal aquecida com lamparina.
E o verdureiro ia de porta em porta montado no jumentinho e vendendo verduras frescas...
Era chique ir na LOBRÁS subir e descer na "primeira" escada rolante da cidade... 
Tempo da MESBLA na Senador Pompeu, das PErNAMBUCANAS... Fazer compras na SAMASA, na ESMERALDA... Passear no CENTER UM (o primeiro shopping da cidade) e comprar no JUMBO... Ir à ESQUISITA ou sapataria BELÉM experimentar o "kichute", o tênis ou o sapato "carinha de bebê" para a volta às aulas (os alunos "pequenos" estudavam EDUCAÇÃO MORAL E CÍVICA e os "grandes", OSPB)... E o ROMCY tinha "barato do dia"...
Moda era calça cocota e blusa frente única... Ou touquinha brilhosa da Miss Lene, o vestido tomara-que-caia, blusa de "elastex", ou as meias "Dancin'Days"... Um tempo de "batom roll-on" sabor morango da Avon, de perfumes RASTRO, TOQUE DE AMOR, CHARISMA e CONTOURÉ... Usar tamanco DR. SCHOLL'S era chique.
Fortaleza do tempo dos "mingaus pops" da TATARANA e da SANTA ESMERALDA... Do barzinho CARBONO 14...
Da velha Ponte Metálica, em tempo de cair (mas não caia!)...
Ir ao RECREIO CLUBE DE CAMPO era uma viagem, com muito verde e salinas pelo caminho... Passar férias na colônia de férias do SESC em Iparana e na COFECO era tudo de bom...

Ex-apaixonada


Não bloqueei, não deletei
Não exclui conversas nem mandei indiretas
Não publiquei no Facebook ou o ironizei noTwitter
Não precisei revelar minhas indignações no Isntagram 
Nem fiz fofocas  e correntes virtuais no Whatsapp contra ele
Quando decidi que não faria mais parte da minha vida, apenas ignorei
Fui me permitindo, saindo, me conhecendo, reconhecendo
E em meio a mesma calçada ele já teria passado frente a mim, sem que eu percebesse
Em meio a passos se distanciando já teria mais que certeza, deixei de ser a mesma
Eu já não era uma mulher apaixonada.


por Russo Antissocial


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A profunda crise de consciência da pequena burguesia brasileira

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Aqui em Lisboa chegam todos os dias brasileiros da dita “classe média ” que decidiram emigrar . São antigos apoiantes de Temer ou de Aécio Neves mas agora já não querem viver no Brasil. Procuram um posto de trabalho na Europa. Converso muito com eles no café perto da Loja do Cidadão onde tratam os papéis burocráticos. Vivem uma crise de consciência pequeno-burguesa .Ainda se colocam em bicos de pés orgulhosos de serem jovens da “classe média ” com um curso superior. Mas já não querem viver no Brasil actual. Incapazes de observarem como positivas as medidas sociais do Tempo de Lula vem viver para um país governado pelo Partido Socialista ,um partido irmão do PT na Internacional Socialista . Em Portugal o governo PS é apoiado no Parlamento pelo Partido Comunista ,Verdes e Bloco de Esquerda . Ficam chocados e não entendem. Para mim é interessante notar a profunda crise de consciência da pequena burguesia brasileira ,muito nacionalista ,muito brasileira mas que depois foge para Portugal ou Europa em busca de mais comodidade.
Texto do escritor português José João Louro que viralizou

Não sei quem é o autor dessa “coisa” mas que é legal é



A palavra "coisa" é um bombril do idioma. Tem mil e uma utilidades. É aquele tipo de termo-muleta ao qual a gente recorre sempre que nos faltam palavras para exprimir uma ideia"Coisas" do português.

Gramaticalmente, "coisa" pode ser substantivo, adjetivo, advérbio. Também pode ser verbo: o Houaiss registra a forma "coisificar".
E no Nordeste há "coisar": Ô, seu "coisinha", você já "coisou" aquela coisa que eu mandei você "coisar"?
Na Paraíba, Rio G. do Norte e em Pernambuco, "coisa" também é cigarro de maconha.
Em Olinda, o bloco carnavalesco Segura a Coisa tem um baseado como símbolo em seu estandarte. Alceu Valença canta: Segura a "coisa" com muito cuidado / Que eu chego já."
Já em Minas Gerais , todas as coisas são chamadas de trem. (menos o trem, que lá é chamado de "coisa"). A mãe está com a filha na estação, o trem se aproxima e ela diz: "Minha filha, pega os trem que lá vem a "coisa"!.

E, no Rio de Janeiro?
Olha que "coisa" mais linda, mais cheia de graça...
A garota de Ipanema era coisa de fechar o trânsito!
Mas se ela voltar, se ela voltar, que "coisa" linda, que "coisa" louca.
Coisas de Jobim e de Vinicius, que sabiam das coisas.
Coisa não tem sexo: pode ser masculino ou feminino.
Coisa-ruim é o capeta. Coisa boa é a Juliana Paes. Nunca vi coisa assim!
Coisa também não tem tamanho.
Na boca dos exagerados, "coisa nenhuma" vira um monte de coisas...

Mas a "coisa" tem história mesmo é na MPB. No II Festival da Música Popular Brasileira, em 1966, a coisa estava na letra das duas vencedoras: Disparada, de Geraldo Vandré: Prepare seu coração pras "coisas" que eu vou contar..., e A Banda, de Chico Buarque: pra ver a banda passar, cantando "coisas" de amor...Naquele ano do festival, no entanto, a coisa tava preta (ou melhor, verde-oliva).
E a turma da Jovem Guarda não tava nem aí com as coisas:
"coisa" linda, "coisa" que eu adoro!
Para Maria Bethânia, o diminutivo de coisa é uma questão de quantidade
afinal, são tantas "coisinhas" miúdas.
E esse papo já tá qualquer "coisa". Já qualquer "coisa" doida dentro mexe...
Essa coisa doida é um trecho da música "Qualquer Coisa", de Caetano,
que também canta: alguma "coisa" está fora da ordem! e o famoso hino a São Paulo: "alguma coisa acontece no meu coração"!
Por essas e por outras, é preciso colocar cada coisa no devido lugar.
Uma coisa de cada vez, é claro, afinal, uma coisa é uma coisa; outra coisa é outra coisa.
E tal e coisa, e coisa e tal.
Um cara cheio de coisas é o indivíduo chato, pleno de não-me-toques.
Já uma cara cheio das coisas, vive dando risada. Gente fina é outra coisa.
Para o pobre, a coisa está sempre feia: o salário-mínimo não dá pra coisa nenhuma.
A coisa pública não funciona no Brasil. Político, quando está na oposição, é uma coisa,
mas, quando assume o poder, a coisa muda de figura.
Quando elege seu candidato de confiança, o eleitor pensa: Agora a "coisa" vai...
Coisa nenhuma! A coisa fica na mesma.
Uma coisa é falar; outra é fazer. Coisa feia! O eleitor já está cheio dessas coisas!
Se as pessoas foram feitas para ser amadas e as coisas, para serem usadas,
por que então nós amamos tanto as coisas e usamos tanto as pessoas?
Bote uma coisa na cabeça: as melhores coisas da vida não são coisas.
Há coisas que o dinheiro não compra: paz, saúde, alegria e outras cositas más.
Mas, deixemos de "coisa", cuidemos da vida, senão chega a morte, ou "coisa"
parecida... Por isso, faça a coisa certa e não esqueça o grande mandamento:
"AMARÁS A DEUS SOBRE TODAS AS "COISAS".
Entendeu o espírito da coisa?


O Brasil explicado em galinhas, por Luis Fernando Verissimo

Dedico esta crônica aos FHCs ( Farsantes, Hipócritas, Canalhas ) do Brasil e do Mundo inteiro que agem exatamente como o delegado em questão mas adoram posar de honestos, paladinos da moral e ética. São sim Onestos e praticam a moral e etitica de galinha.
Mude o delegado por Moro, Janot, Gilmar ou qualquer outro tucano do MPF e do Judiciário e dá no mesmo. Caso o "ladrão de galinha" seja um tucano graúdo, tipo: Fhc, Serra, Alckmin, Aécio Neves.
Corja!!!

Pegaram um cara em flagrante roubando galinhas de um galinheiro e o levaram para a delegacia.

D - Delegado
L - Ladrão
D - Que vida mansa, heim, vagabundo? Roubando galinha para ter o que comer sem precisar trabalhar. Vai para a cadeia!
L - Não era para mim não. Era para vender.
D - Pior, venda de artigo roubado. Concorrência desleal com o comércio estabelecido. Sem-vergonha!
L - Mas eu vendia mais caro.
D - Mais caro?
L - Espalhei o boato que as galinhas do galinheiro eram bichadas e as minhas galinhas não. E que as do galinheiro botavam ovos brancos enquanto as minhas botavam ovos marrons.
D - Mas eram as mesmas galinhas, safado.
L - Os ovos das minhas eu pintava.
D - Que grande pilantra... (mas já havia um certo respeito no tom do delegado...)
D - Ainda bem que tu vai preso. Se o dono do galinheiro te pega...
L - Já me pegou. Fiz um acerto com ele. Me comprometi a não espalhar mais boato sobre as galinhas dele, e ele se comprometeu a aumentar os preços dos produtos dele para ficarem iguais aos meus. Convidamos outros donos de galinheiros a entrar no nosso esquema. Formamos um oligopólio. Ou, no caso, um ovigopólio..
D - E o que você faz com o lucro do seu negócio?
L - Especulo com dólar. Invisto alguma coisa no tráfico de drogas. Comprei alguns deputados. Dois ou três ministros. Consegui exclusividade no suprimento de galinhas e ovos para programas de alimentação do governo e superfaturo os preços.
O delegado mandou pedir um cafezinho para o preso e perguntou se a cadeira estava confortável, se ele não queria uma almofada. Depois perguntou:
D - Doutor, não me leve a mal, mas com tudo isso, o senhor não está milionário?
L - Trilionário. Sem contar o que eu sonego de Imposto de Renda e o que tenho depositado ilegalmente no Ducado de Liechentenstein.
D - E, com tudo isso, o senhor continua roubando galinhas?
L - Às vezes. Sabe como é.
D - Não sei não, excelência. Me explique.
L - É que, em todas essas minhas atividades, eu sinto falta de uma coisa. O risco, entende? Daquela sensação de perigo, de estar fazendo uma coisa proibida, da iminência do castigo. Só roubando galinhas eu me sinto realmente um ladrão, e isso é excitante. Como agora fui preso, finalmente vou para a cadeia. É uma experiência nova.
D - O que é isso, excelência? O senhor não vai ser preso não.
L - Mas fui pego em flagrante pulando a cerca do galinheiro!
D - Sim. Mas primário, e com esses antecedentes...



Crônica

de A. Capibaribe Neto 

Um lugar para pagar promessas

Na agonia das culpas que arrastam arrependimentos impossíveis de reparar, a falta de uma luz nos faz andar em círculos e nos apegar à paciência de quem elegemos para chamar de amigo. E fazemos dessas pessoas o confessionário para os pecados, as histórias repetidas desses sofrimentos particulares e nem nos damos conta de que abusamos desses ouvidos compreensivos. Nas buscas vãs para expiar as falhas que não nos perdoamos, fazemos promessas de absurdos com as tentativas ridículas de apressar um fim ou desafiar o que já está escrito. E nem nos damos conta de que nos colocamos, voluntariamente, no meio de um picadeiro com a máscara de um palhaço triste a contar a mesma história com palavras diferentes. E não adianta fingir que as vaias são aplausos e que os comentários debochativos são demonstrações de simpatia. Em algum momento é preciso não apenas aparentar que se é sério, mas ser realmente sério e assumir que a cama de fama que se preparou ao longo da vida é a que nos espera para o incômodo repouso definitivo. Não adianta demonstrar coragem, mas ser corajoso. E coragem não é escalar a montanha mais alta, desafiar curvas perigosas, partir de peito aberto para mares revoltos ou gritar ao vento frio e cortante de lugares distantes de silêncio pesado. Isso é tolice. Na verdade, ninguém pode prometer que vai morrer, só por dizer, por que essa promessa já vem incluída no pacote, quando recebemos, ingenuamente, a responsabilidade e assumimos os riscos dessa experiência incrível que é a vida. Viver pode até não ser uma escolha, mas o modo de viver a vida, seguramente, é. Morrer sem que tenha chegado a hora pode até ser uma atitude radical e dramática, mas morrer mesmo não pode ser uma opção. A gente pode até cansar da vida que leva, cansar de carregar as malas cheias de lembranças difíceis de esquecer, daqueles arrependimentos que acompanharam as atitudes impensadas e as ações que podiam ter sido evitadas cinco segundos antes de se assinar o papel com as letras miúdas das consequências que sempre advêm. Em um certo momento da vida, somos surpreendidos pelos ecos das reflexões que incomodam dentro da consciência, sentimos as cobranças imperdoáveis dos nossos débitos e nos damos conta de que os nossos créditos não valem absolutamente nada. É de pouca valia argumentar que talvez não sejamos melhores ou piores, assumindo que somos diferentes. Diferentes do quê? Nossas diferenças poderiam ter ficado só pra nós se tivéssemos assimilado as lições básicas de que em boca fechada não entra mosca e que o silêncio é a melhor resposta para as indagações que somente a nós dizem respeito. De que adianta argumentar que a juventude é passageira só por que não somos mais? É melhor assumir a culpa da velhice que criticar a felicidade passageira da juventude. O único remédio para um erro é reconhecê-lo, assumir a culpa por suas consequências e fazer o possível para não repeti-lo. Um erro é diferente de um arrependimento. Um erro até pode ser reparado e o pagamento por ele é à vista, mas o arrependimento é sempre em prestações que arrastamos dentro de malas que não conseguimos deixar ao longo do caminho ou em qualquer estação de trem pelos trajetos que escolhamos para empreender nossas fugas. O espetáculo de monólogos assim geralmente perde a graça, entedia a plateia pouca, o circo vai saindo de fininho, e quando menos esperamos, estamos sós em pleno picadeiro de um circo de lona surrada, sem mais leões, elefantes e as bailarinas lindas que um dia fizeram a festa do palhaço.



Sem ressentimentos, por Luis Fernando Verissimo

A melhor piada sobre a paixão dos franceses pelo Woody Allen foi feita pelo próprio Woody Allen. Naquele filme em que ele é um diretor que fica cego no meio das filmagens, continua a filmar mesmo sem enxergar nada e, claro, faz um filme que ninguém entende — a não ser os franceses, que descobrem significados ocultos no caos.

O filme termina com o diretor, ridicularizado pela crítica americana, embarcando para a França, onde será homenageado pela sua obra-prima.
Depois desta estocada satírica era de se esperar que os franceses ficassem magoados com Woody. Mas a paixão continua, sem ressentimentos. Ele foi convidado a apresentar seu último filme na inauguração do Festival de Cannes, fora de concurso, e os franceses o adoraram.
O filme, "Meia-noite em Paris", é uma louvação a tudo que Paris representou para os americanos de uma certa época, a "geração perdida" de Hemingway, Fitzgerald e etc., que fizeram da cidade o palco da sua afirmação artística e pessoal.
Allen já tinha homenageado outra Paris, a que Gene Kelly e Fred Astaire haviam usado como cenário das suas fantasias musicais, no filme "Everybody says I love you", culminando com uma dança à beira do Sena em que Woody e Goldie Hawn parodiavam Gene Kelly e Leslie Caron em "Um americano em Paris" e resumia todo o romantismo que a cidade inspirava.
Sem querer estragar o filme para quem ainda não viu, em "Meia-noite em Paris" Woody acompanha seu personagem principal numa viagem ao passado, a Paris pré-Segunda Guerra Mundial, em que ele encontra e convive com seus ídolos intelectuais, não apenas os americanos que giravam em torno de Gertrude Stein, mas gente como Picasso, Buñuel e até Salvador Dalí, numa ótima ponta de Adrien Brody.
O visitante do presente chega a interferir na vida destas personalidades (acalmando a Zelda Fitzgerald com um Valium, por exemplo). E como na época de ouro de qualquer lugar sempre se evoca uma época de ouro que houve antes, o personagem viaja para mais longe no tempo e conhece Toulouse Lautrec, Gauguin e outros — que também falam com saudade de uma época de ouro que passou.
Ele acaba voltando para o presente e a Paris de Carla Bruni, e comenta que o problema com a nostalgia de outros tempos é que as pessoas nem sempre se dão conta do que era a vida antes de existir, por exemplo, a anestesia. Mas o que Woody Allen quis fazer foi outra declaração de amor para eliminar todos os possíveis mal-entendidos. E dizer que em Paris todas as épocas são de ouro. Algumas só brilham mais do que outras.
(A melhor piada do filme, que não passa de um simpático conto de fadas: um detetive contratado para seguir o personagem na sua fuga ao passado se perde no tempo e se vê no século dezoito, dentro do palácio de um dos Luíses e sendo perseguido pela guarda real.)



Crônica semanal de Luiz Fernando Verissimo

Desencontros

Me desencontrei algumas vezes com ele. Quando cheguei no Rio em 1962 — sem emprego, sem dinheiro, sem perspectivas, mas com amigos — a Clarice Lispector se ofereceu para marcar um encontro meu com ele. Talvez houvesse algo para mim na agência em que ele trabalhava — ou dirigia, não me lembro mais. Também não me lembro se cheguei a falar com ele por telefone. Acho que não, e que nunca sequer ouvi a voz do Ivan Lessa. De qualquer maneira, o encontro não aconteceu.

Depois, na minha convivência esporádica com o Millor, o Jaguar, o Ziraldo, o Tarso e outros na época do “Pasquim”, por alguma razão o Ivan nunca apareceu. Estava sempre para chegar ou tinha acabado de sair. Anos mais tarde um grupo foi convidado a ir a Portugal — Millor, os Caruso, Aroeira, eu e outros — para uma exposição de cartuns, se não me falha de novo a memória. Estávamos hospedados num hotel de Estoril e foi anunciado que o Ivan Lessa, que vivia em Londres, estava na terra, onde vivia sua mãe, e iria se encontrar conosco no hotel.
Finalmente, pensei. O mito vai virar gente e eu vou poder conhecê-lo e dizer como o admiro. Mas me convocaram para uma entrevista ou coisa parecida em Lisboa justamente na hora da visita dele. Foi nosso último desencontro. Agora não tem jeito. Fiquei só com o mito.



Crônica dominical de A. Capibaribe Neto

Missão impossível
Por mais hercúleos que sejam os esforços para vencer desafios físicos nenhum deles tem força para ganhar do poder de sentimentos aparentemente simples como a paixão, o amor, a saudade. Nenhum desses tem uma forma definida, um tamanho mensurável, uma cor. Não adianta ser fisicamente forte, psicologicamente preparado para a complexidade das equações do conjunto de neurônios de um ser humano. Cada um desses sentimentos pode mover montanhas, é capaz de vencer distâncias com velocidade maior que a luz e pode transformar o homem em um deus amorfo ou um demônio formidável numa fração de tempo. Por mais que o poeta se atenha aos rigores da boa escrita para transmitir o que lhe dita a alma, ele não conseguiria falar de sentimentos assim sem a leveza do espírito, para que se possa distinguir os vácuos das versões dos apaixonados. Só assim pode prevalecer a finura das análises para que predominem o peso e a medida certas sem as quais as consciências não podem descansar em paz. Em cada saudade existe um culpado, mas os pesos são diferentes. Cada saudade tem uma cor impossível de distingui-la mesmo dentro das infinitas variações do espectro visível. A cor de uma saudade é única, é pessoal, intransferível, resistente, impertinente, teimosa. Ninguém foge de uma saudade, para mais distante que se vá. No alto de uma montanha solitária, debaixo do frio, ao som de um vento cortante, venha do norte, do sul, ou seja, cortante como o vento polar que se entranha na carne e chega ao coração despedaçado. Eu sei. Descobri e senti na carne. A saudade é uma companhia impiedosa, silenciosa, e que não cuida, não conforta, não diminui, nem com o tempo. Só aquieta, porque de alguma forma é preciso sobreviver. A saudade pode ser ridicularizada, banalizada, e pode até travestir-se, aos olhos alheios, de roedeira de periferia. Não importa. Saudade é um patrimônio de cada um e que não rende juros bons para o espírito. A saudade é inconveniente. Chega, se abanca, fica, dá plantão e nunca se toca que faria melhor se fosse embora discretamente ou à francesa. E não sai, não arreda o pé. Impossível de expulsá-la, de tentar arrastá-la para fora com todas as forças do mundo. Nada.



Uma saudade só pode ser preenchida, mas vez por outra aparece nas diferenças e ri da nossa cara, levando-nos às silenciosas comparações que tanta falta fizeram no auge de uma dor incapaz de diagnóstico para uma cura fora do corpo. Saudade são definitivas como a vida até que essa se esvaia, mas muitas vezes seguram nossas mãos no derradeiro pensamento antes da derradeira passagem para o finalmente "eternamente teu...". Somos capazes de ir ao fim do mundo, sobreviver ao frio, ao sol escaldante de um deserto sem fim, de suportar a sede até o limite... Tiramos forças até de um suspiro que beira o último, mas não temos forças para vencer a uma saudade que chegou muito antes da surpresa do abismo que se abriu, para determinar onde a realidade se dividiu em duas metades diferentes e por caminhos diferentes. Vencer uma paixão pode ser através da lógica. Vencer o amor que se perde pode até ser com a chegada de um outro amor, mas ganhar de uma saudade, é uma missão impossível. Melhor render-se a ela, tratá-la bem, com carinho, com respeito e esperar que ela adormeça...
Publicado originalmente na coluna Estrelas esquecidas - Diário do Nordeste

Crônica da manhã

Carta extraviada 3


Não é da minha natureza esperar que me dêem liberdade,
não espero pelo pouco que há de essencial na vida.
Sendo liberdade uma delas, eu mesmo me concedo.
Ser livre não me ensinou a amar direito, se por direito entende-se
este amor preestabelecido, mais me ensinou as sutilezas do sentimento, que,afinal, é o que caracteriza e o torna pessoal e irreproduzível.
Te amo muito, até quando não percebo.
O amor que sinto pode parecer estranho, e é por isso que o reconheço como amor, pois não há amor universal: não, caríssima.
não há um amor internacional, assim como são proclamados os
cidadãos do mundo. Cada cidadão, um coração, e em cada um deles,
códigos delicados. se não é este amor que queres, não queres amor, queres romance, este sim, divulgadíssimo.
Te amo muito, e não sinto medo.
Bela e cega, busca em mim o que poderias encontrar em qualquer canto,em todo corpo, homens e mulheres ao alcance de teus lábios e dedos, romance: conhecido o enredo, é fácil desempenhá-lo.
e se casam os românticos, e fazem filhos e fazem cedo.
O amor que sinto poderia gerar casamento, pequenos acertos, distribuição de tarefas, mas eu gosto tanto, inteiro, que não quero me ocupar de outra coisa que não seja de você, de mim, do nosso segredo.
Te amo muito, e pouco penso.
Esta carta não chegará, como não chegarão ao seu entendimento estas
palavras risíveis, estes conceitos que aos outros soariam como desculpa de aventureiro ou até mesmo plágio, já que não há originalidade na ideia, muito difundida, porém bastante censurada.
Serei eu o romântico, o ingênuo?
Serei o que quiseres em teu pensamento, tampouco me entendo,
mais sinto-me livre para dizer: te amo muito, sem rendimento, aceso,
amor sem formato, altura ou peso, amor sem conceito, aceitação,
impassível de julgamento, aberto, incorreto, amor que nem sabe se é este o nome direito, amor, mas que seja amor.
Te amo muito, e subscrevo-me.


Martha Medeiros

As boas coisas da vida, crônica de Rubem Alves

Uma revista muito mais que frívola - tipo Caras - fez uma pesquisa para saber as "10 coisas que fazem a vida valer a pena", pela maioria dos entrevistados. Sem pensar demasiado, fiz a minha. Confira abaixo:

  1. - Esbarrar às vezes com certas comidas da infância, por exemplo: aipim cozido, ainda quente, com melado de cana que vem numa garrafa cuja rolha é um sabugo de milho. O sabugo dará um certo gosto ao melado? Dá: gosto de infância, de tarde na fazenda.
  2. - Tomar um banho excelente num bom hotel, vestir uma roupa confortável e sair pela primeira vez pelas ruas de uma cidade estranha, achando que ali vão acontecer coisas surpreendentes e lindas. E acontecerem.
  3. - Quando você vai andando por um lugar e há um bate-bola, sentir que a bola vem para o seu lado e, de repente, dar um chute perfeito – e ser aplaudido pelos servente de pedreiro.
  4. - Ler pela primeira vez um poema realmente bom. Ou um pedaço de prosa, daqueles que dão inveja na gente e vontade de reler.
  5. - Aquele momento em que você sente que de um velho amor ficou uma grande amizade – ou que uma grande amizade está virando, de repente, amor.
  6. - Sentir que você deixou de gostar de uma mulher que, afinal, para você, era apenas aflição de espírito e frustração da carne – a mulher que não te deu e não te dá, essa amaldiçoada.
  7. - Viajar, partir…
  8. - Voltar.
  9. - Quando se vive na Europa, voltar para Paris, quando se vive no Brasil, voltar para o Rio
  10. - Pensar que, por pior que estejam as coisas, há sempre uma solução, a morte – o assim chamado descanso eterno.
Minha lista combina com a sua?


Crônica

Num sei, só sei que foi assim

Por Franciólli Luciano
O João, certa feita conversando com o Rubem, dizia; outro dia o chicó me contou que se encontrou com seu pai criador lá pras bandas num sei da onde pertin de num sei o que, num tal de reino da pedra encantada, num armorial divino, num misto do sagrado e o profano, como se fosse um bacanal...
Estava como ouvinte, mas não poderia ficar de fora de tão exotérica palestra e encarando o João naquela sua espectricidade indaguei de como tudo poderia ter acontecido tão rapidamente, se tudo parecia ter nascido ontem?...
Nisso o João calmamente, elevando o olhar para os céus responde com outra pergunta; você acha que eu deixaria de comparecer ao encontro que marcamos os três juntos, de estarmos com são José do belo monte? Talvez nos encontremos com o príncipe do sangue do vai-e-volta ou talvez não possamos ter as bênçãos da compadecida feita uma mulher vestida de sol...
De novo intervenho e como se estivesse falando para outros mais personagens falo em tom de discurso numa voz um pouco decibelimetrada além do peso ideal, contestando o santo ato da vida e a porca desfalecedora de gente, essa caetana que ora se apresenta máscula e noutro momento feminino e fatal, e com veemência contesto: Vida é passageira das agonias das línguas secas dos sertões de Arianos, joãos de Rubens e vidas severinas que com bandeiras arroxeadas e em filas levam na rede o pó que veio do chão e que parta ele voltará...
Nisso o João num pulo de Nóbrega inicia o canto da vida e da morte num falsete que lhe força a voz numa trilha ladainhesca: Oh vida que veio dar vida, as vidas que moram aqui, trocando uma vida por vidas de recomeço sem fim...
Novamente meio curioso quis saber do Ubaldo o que estas palavras queriam dizer e qual fonte inesgotável era esta cujas vidas brotam da imaginação?...
Ao que ele se vira pra mim e responde; Num sei, só sei que foi assim...

O taxista é reaça? Seja mais que ele!

Por Leonardo Sakamoto, em seu blog:

O que fazer quando um taxista começa a defender barbaridades na sua frente? Preso ao banco de trás, você pode pedir para parar e descer. Discutir com ele até o destino final. Ou jogar o mesmo jogo e ver o que acontece.

Resolvi colocar em prática a sugestão de uma amiga:

- Por favor, aeroporto de Congonhas. Pode ir pela Henrique Schaumann.

- É pra já.

[Na telinha de TV do táxi] Dois menores foram apreendidos, na madrugada desta terça-feira, após uma tentativa de roubo frustrada em Moema…
- Olha só… Depois vem o pessoal dos direitos humanos e coloca tudo de volta nas ruas. Esse país não é sério. Dane-se que tem 14, 15, anos, tem que prender mesmo. Se tem idade para cometer crimes, tem idade para ir preso como se fosse de maior.

- (Silêncio meu)

- Tinha que contratar uns policiais fora do serviço para dar uma coça nessa molecada. Assim, aprendiam o que os pais não ensinaram.

- (Silêncio meu)

- Acho que tem que ter pena de morte. Vi na TV que nos Estados Unidos não tem crime porque tem pena de morte. Mata um ou dois desses com injeção e os outros vão pensar duas vezes antes de fazer porcaria.

- Olha eu concordo inteiramente com o que o senhor disse. E acho que tem que impedir essa gente pobre da periferia de ter filho. Esterilizar toda essa mulherada mesmo para que não dê à luz bandidinho de merda. Outra medida importante seria colocar uns portões nas entradas de favelas e bairros pobres e só deixar eles saírem de dia para trabalhar. E se não tiverem trabalho, não saem. Não sabe viver em sociedade, toque de recolher! E quando resolver essa questão, tem que ir para outras, botar as coisas em ordem. Vagabundo que faz barbeiragem no trânsito tem que ir preso, gente que pula a cerca em casa tem que ir preso, bêbado que fica enchendo a cara no bar e não trabalha tem que ir preso, quem sonega imposto tem que morrer! E sem essas coisas de julgamento, não. Faz e pronto, simples assim.

- O senhor é radical. Não sei se concordo com tudo isso não…

- Por que? O senhor defende vagabundo, é isso? Defende vagabundo?

- Não, mas também não é assim.

- Assim como?

- Ah, não acho certo. Tem que ver quem é a pessoa e coisa e tal. Não pode fazer isso, não. Não acho justo.

O motorista não deu um pio até o destino final. Mas, certamente, vai pensar duas vezes da próxima vez.

Recomendo. Por uma vida com menos mimimi.


Vida de cinema, por Luiz Fernando Veríssimo

Os filmes que víamos antigamente não nos prepararam para a vida. Em alguns casos, continuam nos iludindo. Por exemplo: briga de socos. Entre as convenções do cinema que persistem até hoje está a de que socos na cara produzem um som que na vida real nunca se ouviu.

O choque de punho contra o rosto fazia estrago nos rostos — ou não fazia, era comum lutas em que os brigões quase se matavam a murros terminarem sem nenhuma marca nos rostos — mas poupava os punhos. E como sabe quem, mal informado pelo cinema, entrou numa briga a socos, o punho quando acerta o alvo sofre tanto quanto o alvo.

No cinema de antigamente você já sabia: quando alguém tossia, era porque iria morrer em pouco tempo. Tosse nunca significava apenas algo preso na garganta ou uma gripe passageira — era morte certa.

Quando um casal se beijava apaixonadamente e em seguida desparecia da tela era sinal que tinham se deitado. E depois, não falhava: a mulher aparecia grávida. Nunca se ficava sabendo o que acontecia, exatamente, depois que o casal desaparecia da tela, a não ser que o filme fosse francês.

Pode-se mesmo dizer que o começo da mudança do cinema americano começou na primeira vez em que a câmera acompanhou a descida do casal e mostrou o que eles faziam deitados. Depois desse momento revolucionário não demoraria até aparecerem o beijo de língua e o seio de fora. E chegarmos ao cinema americano de hoje, em que, de cada duas palavras ditas, uma é fucking.

Se a vida fosse como o cinema nos dizia, nunca faltaria bala nas nossas pistolas ou gelo no balde para o nosso uísque quando chegássemos em casa. E sempre que tivéssemos de sair às pressas de um restaurante, atiraríamos dinheiro em cima da mesa sem precisar contá-lo e sem esperar que o garçom trouxesse a nota.

Seria uma vida mais simples, em cores ou em preto e branco, interrompida a intervalos por números musicais em que cantaríamos acompanhados por violinos invisíveis, e quando dançássemos com nossas namoradas seria como se tivéssemos ensaiado durante semanas, e não erraríamos um passo, e seríamos felizes até the end.


Rubem Alves

O Batizado

Sérgio, meu filho, me fez um pedido estranho. Pediu-me que preparasse um ritual para o batismo da Mariana, minha neta. Eu lhe disse que, para se fazer tal ritual, é preciso acreditar. Eu não acredito. Já faz muitos anos que as palavras dos sacerdotes e pastores se esvaziaram para mim, muito embora eu continue fascinado pela beleza dos símbolos cristãos, desde que sejam contemplados em silêncio.

Saúde mental

por Rubem Alves

Fui convidado a fazer uma preleção sobre saúde mental. Os que me convidaram supuseram que eu, na qualidade de psicanalista, deveria ser um especialista no assunto. E eu também pensei. Tanto que aceitei. Mas foi só parar para pensar para me arrepender. Percebi que nada sabia. Eu me explico.

Comecei o meu pensamento fazendo uma lista das pessoas que, do meu ponto de vista, tiveram uma vida mental rica e excitante, pessoas cujos livros e obras são alimento para a minha alma. Nietzsche, Fernando Pessoa, van Gogh, Wittgenstein, Cecília Meireles, Maikóvski. E logo me assustei. Nietzsche ficou louco. Fernando Pessoa era dado à bebida. van Gogh se matou. Wittgenstein se alegrou ao saber que iria morrer em breve: não suportava mais viver com tanta angústia. Cecília Meireles sofria de uma suave depressão crônica. Maiakóvski suicidou.

Essas eram pessoas lúcidas e profundas que continuarão a ser pão para os vivos muito depois de nós termos sido completamente esquecidos.

Mas será que tinham saúde mental? Saúde mental, essa condição em que as idéias se comportam bem, sempre iguais, previsíveis, sem surpresas, obedientes ao comando do dever, todas as coisas nos seus lugares, como soldados em ordem unida, jamais permitindo que o corpo falte ao trabalho, ou que faça algo inesperado, nem é preciso dar uma volta ao mundo num barco a vela, basta fazer o que fez a Shirley Valentine (se ainda não viu, veja o filme!), ou ter um amor proibido ou, mais perigoso que tudo isso, que tenha a coragem de pensar o que nunca pensou. Pensar é coisa muito perigosa...

Não, saúde mental elas não tinham. Eram lúcidas demais para isso. Elas sabiam que o mundo é controlado pelos loucos e idiotas de gravata. Sendo donos do poder, os loucos passam a ser os protótipos da saúde mental. É claro que nenhuma mamãe consciente quererá que o seu filho seja como van Gogh ou Maiakóvski. O desejável é que seja executivo de grande empresa, na pior das hipóteses funcionário do Banco do Brasil ou da CPFL. Preferível ser elefante ou tartaruga a ser borboleta ou condor. Claro que nenhum dos nomes que citei sobreviveria aos testes psicológicos a que teria de se submeter se fosse pedir emprego. Mas nunca ouvi falar de político que tivesse stress ou depressão, com excessão do Suplicy. Andam sempre fortes e certos de si mesmos, em passeatas pelas ruas da cidade, distribuindo sorrisos e certezas.

Sinto que meus pensamentos podem parecer pensamentos de louco e por isso apresso-me aos devidos esclarecimentos.

Nós somos muito parecidos com computadores. O funcionamento dos computadores, como todo mundo sabe, requer a interação de duas partes. Uma delas se chama hardware, literalmente coisa dura e a outra se denomina software, coisa mole. A hardware é constituída por todas as coisas sólidas com que o aparelho é feito. A software é constituída por entidades espirituais - símbolos, que formam os programas e são gravados nos disquetes.

Nós também temos um hardware e um software. O hardware são os nervos, o cérebro, os neurônios, tudo aquilo que compõe o sistema nervoso. O software é constituído por uma série de programas que ficam gravados na memória. Do mesmo jeito como nos computadores, o que fica na memória são símbolos, entidades levíssimas, dir-se-ia mesmo espirituais, sendo que o programa mais importante é linguagem.

Um computador pode enlouquecer por defeitos no hardware ou por defeitos no software. Nós também. Quando o nosso hardware fica louco há que se chamar psiquiatras e neurologistas, que virão com suas poções químicas e bisturis consertar o que se estragou. Quando o problema está no software, entretanto, poções e bisturis não funcionam. Não se conserta um programa com chave de fenda. Porque o software é feito de símbolos, somente símbolos podem entrar dentro dele. Assim, para se lidar com o software há que se fazer uso de símbolos. Por isso, quem trata das perturbações do software humano nunca se vale de recursos físicos para tal. Suas ferramentas são palavras, e eles podem ser poetas, humoristas, palhaços, escritores, gurus, amigos e até mesmo psicanalistas.

Acontece, entretanto, que esse computador que é o corpo humano tem uma peculiaridade que o diferencia dos outros: o seu hardware, o corpo, é sensível às coisas que o seu software produz. Pois não é isso que acontece conosco? Ouvimos uma música e choramos. Lemos os poemas eróticos do Drummond e o corpo fica excitado.

Imagine um aparelho de som. Imagine que o toca-discos e acessórios, o software, tenha a capacidade de ouvir a música que ele toca, e de se comover. Imagine mais, que a beleza é tão grande que o hardware não a comporta, e se arrebenta de emoção! Pois foi isso que aconteceu com aquelas pessoas que citei, no princípio: a música que saía do seu software era tão bonita que o seu hardware não suportou.

A beleza pode fazer mal à saúde mental. Sábias, portanto, são as empresas estatais, que têm retratos dos governadores e presidentes espalhados por todos os lados: eles estão lá para exorcizar a beleza e para produzir o suave estado de insensibilidade necessário ao bom trabalho.

Dadas essas reflexões científicas sobre a saúde mental, vai aqui uma receita que, se seguida à risca, garantirá que ninguém será afetado pelas perturbações que afetaram os senhores que citei no início, evitando assim o triste fim que tiveram.

Opte por um software modesto. Evite as coisas belas e comoventes. Cuidado com a música. Brahms e Mahler são especialmente perigosos. Já o roque pode ser tomado à vontade, sem contra indicações. Quanto às leituras, evite aquelas que fazem pensar. Há uma vasta literatura especializada em impedir o pensamento. Se há livros do Dr. Lair Ribeiro, por que arriscar-se a ler Saramago? Os jornais têm o mesmo efeito. Devem ser lidos diariamente. Como eles publicam diariamente sempre a mesma coisa com nomes e caras diferentes, fica garantido que o nosso software pensará sempre coisas iguais. A saúde mental é um estômago que entra em convulsão sempre que lhe é servido um prato diferente. Por isso que as pessoas de boa saúde mental têm sempre as mesmas idéias. Essa cotidiana ingestão do banal é condição necessária para a produção da dormência da inteligência ligada à saúde mental. E, aos domingos, não se esqueça do Sílvio Santos e do Gugu Liberato.




Seguindo esta receita você terá uma vida tranquila, embora banal. Mas como você cultivou a insensibilidade, você não perceberá o quão banal ela é. E, ao invés de ter o fim que tiveram os senhores que mencionei, você se aposentará para, então, realizar os seus sonhos. Infelizmente, entretanto, quando chegar tal momento, você já não mais saberá como eles eram.

A vez da última vez

A gente nunca sabe quando é a última vez de verdade. Seja do que for. Como aquela "última vez" que vem na extremidade de uma insatisfação ou na ameaça que traveste um pedido magoado: "seja a última vez que você faça isso comigo...!" Um dia, quando menos se espera, esse tipo de última vez foi a última mesmo, e aí, não tem mais jeito, foi como a última gota d'água que fez o copo da paciência transbordar. Existe a "última vez" que, com as promessas oportunas no reconhecimento dos erros que se comete, vão doer bem fundo dentro de um coração apaixonado. Existe sempre uma "última vez" disso, daquilo ou para aquilo, mas a maioria nunca é levada a sério. Uma das piores "última vez" é aquela com que assumimos um compromisso silencioso dentro de um quarto transformado em caverna, o esconderijo para todos os nossos medos e onde guardamos todas as malas cheias do nosso passado. Geralmente, nunca nos lembramos do primeiro beijo, do primeiro abraço, mas seguramente nunca nos esquecemos da última vez que estivemos na outra ponta de uma despedida com a qual não concordamos e que não houve jeito ou milagre de ainda ter uma promessa de "ultima vez" de ter feito isso ou aquilo. Que bebo, que chego tarde, que grito, que esbravejo, que minto, que engano, que abro a minha porta, a minha janela, que me exponho, que conto meus segredos, que exponho as minhas entranhas, que falo dos meus medos, dos meus desesperos, ou confesso meus absurdos, principalmente quando eles nem precisavam ser confessados assim, mesmo que tenha sido dentro de um desabafo que deveria ter sido só nosso... Na realidade, sempre existe uma última vez escondida e nem sabemos quando ela acontecerá. Ela é traiçoeira, não avisa, mas está sempre lá, à espreita e somos uma presa fácil no ir e no vir, bem na alça da mira de uma flecha certeira, ou, pior, uma bala perdida. Existe a "última vez" que ilustra, dramaticamente, uma história que se conta quando o "ir" já prenunciava o nunca mais voltar. A última vez que vimos, que abraçamos, que brindamos, que rimos juntos, que viajamos, que nos encontramos, que... Tanta coisa! Tanta coisa! Li, nem lembro onde, uma frase que me fez refletir: "o fim da intimidade compulsória com o ritual da despedida..."- que encerra a conscientização da finitude que recusamos aceitar, mas sem jeito de adiar.


Fala-se por aí de um tal de "baixo astral". É preciso explicar melhor o que isso quer dizer, porque por mais baixas que estejam as estrelas elas estão sempre no alto, bem alto, para onde sempre voltamos nossos olhares piegas, nossos pedidos, nossos sonhos. Melhor foi por a culpa nas estrelas. Eu acho que as estrelas sempre têm razão. E como! Quando foi mesmo a última vez que você olhou para cima, para essas estrelas, para a luz, para o céu escuro? Ou céu claro, puro, bem anil ou cheio das cores únicas e mágicas de um nascer ou por do sol? Quando foi a última vez que você deixou rastros alegres ou tristes sobre a areia úmida de uma beira de praia? E quando foi que deixou esses rastros em caminhadas sem pressa, testemunhas de uma parada aqui e ali para um abraço? Não lembro quando foi a primeira vez que fiz isso sobre as dunas de um porto só de nome quando ainda se podia curtir uma noite de luz cheia, mas lembro da última vez que abri um envelope com um lenço que um dia cheirou a Trussardi! O perfume dela, do rosto, escorrendo pelo corpo sem compromisso com qualquer pudor, com qualquer medo. "Vida", estava escrito. Era vida, sim, uma vida que parecia eterna. Foi, nada! Aconteceu a "última vez" e a vida continuou, mas deixando rastros em direções opostas, enquanto envelhecíamos separadamente. Quando tudo chegar perto do fim, quando chegar "a vez da última vez" quero ver o filme passando, nem que seja bem depressa, e só eu saberei qual será o rosto que carregarei comigo pelo resto da eternidade...

by A. Capibaribe Neto