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Crônica dominical

O furto da flor, por Carlos Drummond de Andrade

Furtei uma flor daquele lindo jardim. O porteiro do condomínio dava um cochilo, não percebeu e roubei a flor. Trouxe pra casa e coloquei-a num copo de vidro (copo de geléia) com água. No mesmo instante percebi que ela não estava feliz. O copo é usado para beber, e flor não é para ser bebida. Passei-a para um belo vaso, e notei que ela me agradecia, revelando melhor sua delicada composição. Quantas novidades há numa flor, se a contemplarmos bem. Sendo autor do furto, eu assumira a obrigação de conservá-la. Renovei a água do vaso, mas a flor empalidecia. Temi por sua vida. Não adiantava restituí-la ao jardim. Nem apelar para o médico das flores. Eu a furtara, eu a via morrer.

Já murcha, e com a cor particular da morte, peguei-a docemente e fui depositá-la no jardim onde desabrochara. O porteiro estava atento e repreendeu-me:
– Que ideia a sua, vir jogar lixo de sua casa neste jardim!

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Crônica dominical


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Aos meus netos, por Sérgio Geia
Era um pedaço de papel com uma mensagem de afeto escrita à mão: “Aos meus netos: Que eu envelheça. Que na minha pele possam surgir rugas. Mas que meu coração jamais fique indiferente ao amor. Que eu jamais perca o poder de demonstrar um gesto de ternura”. E a mensagem de um avô que se dirige aos seus netos termina aí. O texto é datado de 20 de março de 2013, quatro meses antes de seu falecimento. Sua filha o encontrou e o postou. E hoje, somente hoje, mais de três anos depois, eu o encontrei.

Sua filha, a propósito, é prima do Geia; pois ele, o avô, o autor de tão singelo gesto, é tio. E o pensamento que ele escreveu quatro meses antes de morrer é de uma autora chamada Rachel Free.

Pois consigo imaginar a cena: quarta-feira, 20 de março de 2013, uma bela manhã de sol, passarinhos voando, cigarras chiando, Claudio em seu apartamento na frente do computador, lendo coisas, pesquisando um assunto, lendo as notícias do jornal, vendo a sua caixa de mensagens, quando se depara, depois de muito navegar, com um texto leve de uma autora de nome Rachel, numa página de pensamentos; um pensamento que o cativa, que o emociona, e tão forte revela-se essa emoção, a delicadeza de palavras tão honestas, e verdadeiras, que tem vontade de copiar; pega um papel, um simples pedaço de papel e uma caneta; mas não quer apenas copiar e deixar a anotação perdida no fundo de uma gaveta; quer passar adiante, despertar alguém sobre a singularidade de palavras tão fortes, e logo deita no pensamento a imagem inocente dos netos mergulhando numa piscina; então, começa a escrever: “Aos meus netos...”.

Imagino também que seus netos já tenham lido com carinho e certa curiosidade a mensagem que o avô lhes deixou; até algumas lágrimas já devem ter rolado; sim, porque até no Geia, que não é neto, mas apenas sobrinho, espelhos de água se formaram nos olhos, e um pequeno filete desceu até o queixo. Alguns, pela tenra idade, não devem ter compreendido nada, mas gostado de saber que o vô, que não está mais entre eles, deixou uma mensagem, e devem sorrir ao ler o bilhete.

Talvez lá na frente, quando forem pais, ou também forem avós, quando os netos estiverem a correr um atrás do outro, a pular numa piscina ou a jogar bola, eles se lembrem das palavras do vô “Aos meus netos...”, ou não se lembrem (nem é mais preciso), porque dia a dia nessa confusa vida, seus passos seguiram firmes na direção desse oceano chamado amor, não economizando sequer um simples gesto ou palavra de carinho, de ternura, e se tornaram pessoas de bem, amorosas, solidárias, preocupadas com o semelhante, atentas às necessidades do outro e às vicissitudes da vida, semeando amor, paz, compaixão, guiadas por um despretensioso bilhete escrito à mão, com traços elegantes e firmes, numa manhã clara de março de 2013. 
***
Mudam os nomes dos avós e netos, mas o sentimento permanece o mesmo...Amor 
Vida que segue... 

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É preciso saber desligar
Esqueça o trânsito caótico, a urucubaca política, o tal balancete no final do ano. Deixe de lado a cobrança interna, a dívida externa, a tão eterna dúvida. Viver é assim. Não há como negar. Para ficar ligado é preciso saber desligar. Fácil? Nem tanto. Descobrir qual é o seu tempo é tarefa nobre: exige um grande conhecimento sobre si mesmo. Portanto, esqueça o relógio. Seu tempo está dentro de você. Chega de viver com a ansiedade no colo e o celular na mão. Não deixe a agenda ocupar ? sem querer - o lugar do coração. Respeite sua hora. Desacelere. TURN OFF. Mais do que correr, é preciso saber parar. Não adianta viver no piloto-automático e deixar de sorrir. Nem tirar folga e levar uma enorme culpa dentro da mala. O mundo lá fora exige produtividade e imediatismo. Aqui dentro, corpo e alma pedem menos, muito menos. Como fazer, então, para conciliar tempos tão diferentes? A resposta não está em livros. Mas dentro de cada um. Quer tentar? Respire fundo. Desencane. Perca seu tempo com você!É uma responsabilidade enorme desconectar-se, eu sei. Mas vida ao vivo é pra quem tem coragem. Coragem de arriscar. Cuidado em saber a hora certa de parar. Difícil? Pode ser. É um exercício diário que exige confiança e um amor incondicional por tudo o que somos e acreditamos. Uma aceitação suave dos próprios defeitos, um rir de si mesmo, um desaprender contínuo, um aprender sem fim sobre o que queremos da vida. Não importa se tudo parecer errado e o mundo virar a cara para você. Esqueça. Se esqueça. Hora de se perdoar. RENASÇA. Eu sei pouca coisa da vida, mas uma frase eu sigo à risca: é preciso respeitar o próprio tempo. E eu respeito! Acredito no que diz o silêncio na hora em que a mente cala. E meu silêncio - que não é mudo e também escreve - dita com voz desafiante: confie em si mesma. Quebre a rigidez. Ouse. Brinque. Viva com mais leveza. E - por favor - desligue-se. Só assim você vai transformar vida em letra e letra em vida. E ter coragem e fôlego pra ser VOCÊ, no momento em que o mundo te atropelar sem licença e disser: 
CHEGOU A HORA!
Fernanda Mello
***

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A última crônica

A caminho de casa, entro num botequim da Gávea para tomar um café junto ao balcão. Na realidade estou adiando o momento de escrever. A perspectiva me assusta. Gostaria de estar inspirado, de coroar com êxito mais um ano nesta busca do pitoresco ou do irrisório no cotidiano de cada um. Eu pretendia apenas recolher da vida diária algo de seu disperso conteúdo humano, fruto da convivência, que a faz mais digna de ser vivida. Visava ao circunstancial, ao episódico. Nesta perseguição do acidental, quer num flagrante de esquina, quer nas palavras de uma criança ou num acidente doméstico, torno-me simples espectador e perco a noção do essencial. Sem mais nada para contar, curvo a cabeça e tomo meu café, enquanto o verso do poeta se repete na lembrança: "assim eu quereria o meu último poema". Não sou poeta e estou sem assunto. Lanço então um último olhar fora de mim, onde vivem os assuntos que merecem uma crônica. 

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Bilhete a um candidato
Olhe aqui Rubem Braga. Para ser eleito vereador eu preciso de apenas  três mil (3.000) votos. Só lá no Jockey Clube, entre tratadores dos animais, jóqueis, zeladores, demais empregados e sócios eu tenho uns  trezentos (300) certos. Lá na hípica, mais uns cem (100). Pessoal do meu clube, o Fluminense, calculando por baixo, sendo pessimista uns seiscentos (600). Só aí estão mil (1.000), garantidos.
Entre colegas de turma e de repartição contei, seguros, duzentos; vamos dizer, cem. Naquela fábrica da Gávea, você sabe, eu estou com tudo na mão, porque tenho apoio por baixo e por cima, inclusive dos comunas; pelo menos oitocentos votos certos, mas vamos dizer, quatrocentos. Já são mil e quinhentos.
“Em Vila Isabel minha sogra é uma potência, porque essas coisas de igreja e caridade tudo lá é com ela. Quer saber de uma coisa? Só na Vila eu já tenho a eleição garantida, mas vamos botar: quinhentos. Aí já estão, contando miseravelmente, mas mi-se-ra-vel-men-te, dois mil. Agora você calcule: Tuizinho no Méier, sabe que ele é médico dos pobres, é um sujeito que se quisesse entrar na política acabava senador só com o voto da zona norte; e é todo meu, batata, cem por cento, vai me dar pelo menos mil votos. Você veja, poxa, eu estou eleito sem contar mais nada, sem falar no pessoal do cais do porto, nem postalistas, nem professoras primárias, que só aí, só de professoras, vai ser um xuá, você sabe que minha mãe e minha tia são diretoras de grupo. Agora bote choferes, garçons, a turma do clube de xadrez e a colônia pernambucana como é que é!
“E o Centro Filatelista? Sabe quantos filatelistas tem só no Rio de Janeiro? Mais de quatro mil! E nesse setor não tem graça, o papai aqui está sozinho! É como diz o Gonçalves: sou o candidato do olho-de-boi!
“E fora disso, quanta coisa! Diretor de centro espírita, tenho dois. E o eleitorado independente? E não falei do meu bairro, poxa, não falei de Copacabana, você precisa ver como ela em casa, o telefone não pára de tocar, todo mundo pedindo cédula, cédula, até sujeitos que eu não vejo há mais de dez anos. E a turma da Equitativa? O Fernandão garante que só lá tenho pelo menos trezentos votos. E o Resseguro, e o reduto do Goulart em Maria da Graça, o pessoal do fórum… Olhe, meu filho, estou convencido de que fiz uma grande besteira: eu devia ter saído era para deputado!”
Passei uma semana sem ver meu amigo candidato; no dia 30 de setembro, três dias antes das eleições, esbarrei com ele na Avenida Nossa Senhora de Copacabana, todo vibrante, cercado de amigos; deu-me um abraço formidável e me apresentou ao pessoal: “este aqui émeu, de cabresto!”
Atulhou-me de cédulas.
Meu caro candidato:
Você deve ter notado que na 122ª seção da quinta zona, onde votei, você não teve nenhum voto. Palavra de honra que eu ia votar em você; levei uma cédula no bolso. Mas você estava tão garantido que preferi ajudar outro amigo com meu votinho. Foi o diabo. Tenho a impressão de que os outros eleitores pensaram a mesma coisa, e nessa marcha da apuração, se você chegar a trezentos votos ainda pode se consolar, que muitos outros terão muito menos do que isso. Aliás, quem também estava lá e votou logo depois de mim foi o Gonçalves dos selos.
Sabe uma coisa? Acho que esse negócio de voto secreto no fundo é uma indecência, só serve para ensinar o eleitor a mentir: a eleição é uma grande farsa, pois se o cidadão não pode assumir a responsabilidade de seu próprio voto, de sua opinião pessoal, que porcaria de República é esta?
Vou lhe dizer uma coisa com toda franqueza: foi melhor assim. Melhor para você. Essa nossa Câmara Municipal não era mesmo lugar para um sujeito decente como você. É superdesmoralizada. Pense um pouco e me dará razão. Seu, de cabresto, o Rubem.
Rubem Braga - escritor, considerado um dos melhores cronistas brasileiros. Um talento incomparável.