Antes de começarmos, um passo atrás. A seguir você tem uma pequena lista de características tipicamente esperadas em um bom líder:
- Toma a iniciativa
- Demonstra integridade e honestidade
- Foco em resultados
- Inspira e motiva os outros
- Desenvolve relacionamentos
- Colaboração e trabalho em equipe
Pare por alguns instantes e reflita: quando você pensa em uma mulher como líder, em quais dessas características você acha que ela se sai melhor?
E aí, foi fácil? Bom, vamos segurar essas respostas. Voltaremos nesse ponto mais à frente.
Palavras que limitam
O princípio da relatividade linguística afirma que a estrutura de uma linguagem afeta o modo como seu respectivo interlocutor visualiza sua realidade. Ou seja, sua visão de mundo é influenciada pelas palavras que você utiliza. Lembre disto.
Há algum tempo entrou no ar uma campanha da fundação Lean In, que vem ganhando cada vez mais força. Ela fala sobre como as mulheres são vistas e reconhecidas quando assumem a função e atitude de líder nas empresas:
“I’m not bossy. I’m the boss.” (Eu não sou mandona. Eu sou a chefe.)
A mulher, quando atua como líder, assume responsabilidades, toma decisões e direciona sua equipe, tende a ser vista como excessivamente agressiva, teimosa ou mandona.
Mesmo as mulheres sendo usualmente vítimas, podem também ser canais de propagação dessa mentalidade. Frases – e crenças – tais como “eu sou romântica e acho sim que o homem deve ser o provedor e ter o maior salário da casa” acabam criando certo consentimento indireto com situações nas quais elas são preteridas por homens – uma promoção no trabalho, por exemplo.
O fim é o começo
Se engana quem pensa que a história toda começa na líder, chefe, executiva, mulher que assume uma posição de destaque na empresa. Essa mesma mulher, quando consegue chegar a uma posição dessas, já superou outras barreiras quando ainda era uma garota bem mais nova, descobrindo sua energia.
Desde a infância, quando a menina começa a ter atitude e postura de líder, ela é discriminada. Enquanto seus amiguinhos são aclamados por serem o capitães dos times, ela é repreendida quando se posiciona demais – pelos colegas e até mesmo pelos professores.
Certa vez uma amiga contou sobre sua sobrinha que, no auge dos seus 5 anos, tentava ajudar os colegas a jogar xadrez, organizando as peças e conduzindo os primeiros movimentos – detalhe: sem saber como se joga xadrez. Essa amiga também me contou como a mãe dela logo disse:
“Ela está muito chata, quer mandar em todo mundo. Lá em casa ela teima em ficar organizando a sala. Eu falo para ela que não pode ser assim, mas ela não me ouve”.
Apesar de tudo, como podemos ver em nosso dia a dia, há mulheres que enfrentam e vencem essas dificuldades e preconceitos nas diversas etapas da sua vida. Conseguem colocar sua essência de líder em prática. E então, um dilema aparece.
Os conflitos internos entre a profissão e a família
A mulher tende a possuir, tradicionalmente, um vínculo familiar mais estreito que o homem. Ela sempre foi a responsável emocional pela casa, pelo cuidado com os filhos e por incentivar a união. E com o tempo, conforme direitos foram sendo ganhos e papéis foram sendo revistos, foi que ela começou, cada vez mais, a ganhar as ruas e tomar seu espaço no mundo corporativo. Até então dominado por homens.
E quanto às responsabilidades do lar, como ficaram? Apesar da união familiar usual se dar entre um homem e uma mulher, não foi, necessariamente, um maior compartilhamento das atividades do lar que as possibilitou construir carreiras prósperas. Mas sim, uma maior oferta de profissionais domésticas.
Quando a empregada doméstica não está, as responsabilidades ainda recaem em peso sobre a “super-mulher”. Ela define as metas do novo projeto, avalia a evolução dos ganhos com a última campanha, faz uma apresentação de oportunidades ao presidente da empresa, leva o filho para a natação, passa no supermercado, prepara o jantar, estuda os artigos da pós-graduação, toma uma taça de vinho com o marido, e no outro dia acorda cedo, disposta a fazer valer cada minuto novamente. Simples, não?
Essa tensão entre vida profissional e familiar traz às mulheres questionamentos que, muitas vezes, as levam de volta ao trabalho focado no lar, como disse Sayuri Kobaiashi no ótimo artigo Pau na mesa pra quê?, da revista TPM:
“Recebia fotos da babá e me perguntava se estava no lugar certo. Não era que o bebê precisava de mim, mas eu é que estava perdendo.”
Dada as necessidades de cuidar da família, e o próprio desejo de participar dessa vida, é natural uma decisão dessas – quando ela é viável para o casal.
“Há outros momentos delicados em que a mulher bem sucedida tem de se posicionar. Por exemplo, quando precisa escolher se vai cuidar do filho com febre ou recebe o CEO mundial. Meu marido e a babá sabem contornar uma febre. E se eu não fizer a apresentação ao CEO, muita gente que precisa do meu trabalho naquela organização sofrerá. A mulher tem a mania de achar que só ela faz tudo certo dentro de casa, quando precisa de ajuda.”
Entretanto, fazer essa escolha pela família cedo demais pode ser arriscado para a carreira. Por exemplo, quando uma mulher decide postergar sua ascensão profissional para assegurar prioridade ao desejo de ter filhos.
“Meu maior desafio foi conciliar duas coisas em minha vida. Foi quando trabalhei para que as ações da Ambev começassem a ser negociadas na Bolsa de Nova York ao mesmo tempo em que esperava o meu segundo filho.”
Sheryl Sandberg, COO do Facebook, narra em seu livro “Faça Acontecer” como decisões precipitadas podem se tornar uma auto-sabotagem profissional:
“Se voltar a trabalhar depois de ter filhos for uma opção, a mulher só vai fazê-lo se o trabalho for atraente. Mas, se anos antes ela parou de se desafiar, a essa altura já vai estar entediada. (…) Não saia antes de sair. Mantenha seu pé no acelerador até o dia em que você precise parar para ter seu filho – e então tome suas decisões.”
No fim, a questão da escolha entre família e trabalho – ou o equilíbrio – é tão pessoal quanto intransferível, e todas as opções podem trazer satisfação à mulher. O importante é que ela esteja ciente de suas motivações e não se deixe ser conduzida por fatores que não estejam de acordo com seus objetivos.
Pois ainda que exista uma boa discussão sobre qual o melhor caminho a seguir, não parece haver dúvidas quanto às competências da líder mulher. Ao menos não para seus pares e liderados.
Grace Tourinho, ela comanda uma organização de lutadores | Foto por Wander Roberto
As competências da líder mulher
“Muito bem” – alguém pode questionar – “mas em quais competências elas superam os homens?” Afinal, mulheres e homens são diferentes e é natural que possuam competências distintas. Ainda que interesse às empresas o quanto eles são bons em competências que geram resultados e eficácia já significa isso, vamos deixar essa conclusão de lado e nos aprofundar um pouco mais.
Nessa pesquisa foram consideradas 16 competências consideradas pelo instituto como típicas de líderes. E os índices alcançados pelas mulheres foram superiores aos dos homens em 12 delas:
As mulheres geralmente são reconhecidas por competências de liderança mais sutis, tais como: desenvolver os outros, construir relacionamentos e colaboração e trabalho em equipe, o que se confirmou na pesquisa. Porém, as características em que elas mais se sobressaíram foram: tomar a iniciativa, demonstrar integridade e honestidade e foco em resultados – competências nada sutis e com grande impacto nas empresas.
Ou seja, mulheres são vistas como mais eficientes em realizar coisas, serem bons exemplos e entregar resultados. Com competências assim, não deveriam restar dúvidas de podem liderar quaisquer organizações rumo a seus objetivos.
E como elas conseguem atingir esses resultados superiores? Provavelmente, devido a tudo o que falamos até agora. Desde superar preconceitos a vencer seus conflitos internos, que muitas vezes levam a uma jornada dupla para mostrar sua capacidade, ganhar respeito na empresa e satisfação fora dela.
Então por que ainda temos uma quantidade tão inferior de mulheres conduzindo o mundo? Vamos a auto-avaliação feminina.
“Quando eu estava no último ano da universidade eu fiz uma matéria chamado História Intelectual da Europa. E eu a fiz com minha colega de quarto, Carrie, que era na época uma estudante literária brilhante, e meu irmão – cara esperto, um jogador de polo aquático que seria médico, e que estava no segundo ano.
Nós três fizemos essa matéria juntos. E então a Carrie lia todos os livros originais em Grego e Latim e ia para todas as apresentações. Eu li todos os livros em Inglês e ia à maioria das apresentações. Meu irmão, que era meio ocupado e lia um dos doze livros e ia a umas duas apresentações, caminha até o nosso quarto uns dois dias antes da prova para que nós o ensinássemos.
Nós três fomos à prova juntos, e nos sentamos lá por três horas. E quando saímos de lá, olhamos uns para os outros e dissemos: “Como vocês foram?” E a Carrie diz: “Cara, eu sinto como se eu não tivesse realmente exposto o ponto principal da dialética Hegeliana.” E eu digo: “Deus, eu realmente desejo que eu tivesse conectado a teoria da propriedade privada do John Locke com os filósofos seguintes.”
E meu irmão diz: “Eu tirei a nota mais alta da sala.””
Em seguida, arremata: “as mulheres subestimam sistematicamente suas habilidades”.
Após vencer preconceitos, obstáculos variados, administrar conflitos internos e ser avaliada como mais eficaz na maioria das competências de liderança, a mulher ainda enfrenta um último obstáculo: ela mesma.
Assim, um apelo a ser feito é: mulheres, vocês têm uma força maior do que imaginam para liderar. Sim, existem problemas estruturais, que serão combatidos em conjunto e com o apoio de inúmeros homens a seu favor. Mas lembrem-se sempre de olhar para dentro e cuidar para que sua auto-estima e segurança estejam sempre prontas para agarrar as possibilidades que já existem. E que assim também adicionem mais elegância e gentileza a este mundo de beberrões e truculentos corporativos.
São tantos os temas relacionados que, reconheço, consegui explorar apenas parte deles nesse texto. E você, o que acrescentaria a essa conversa?
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Nota do autor: esse texto foi escrito através da colaboração essencial de outros seis autores, além das fontes mencionadas: Fabiana Capistrano, Gabriel Spinola, Isabel Rezende, Marianne de Castro, Renata Oliveira e Tatiana Freitas.