Encravada no sertão de Quixeramobim, a pequena Ibaretama assistiu na semana que passou à prisão por corrupção de 20 servidores públicos, nove deles vereadores – cinco da situação e quatro da oposição - que recebiam propinas mensais há dois anos.
O mensalinho do interior cearense nem chamaria atenção no país do mensalão não fosse o fato de o pagamento estar registrado em cartório, com assinatura e firma reconhecida.
Isso mesmo. A certeza da lei pró-Sarney, consagrada pelo ex-presidente Lula, de que há incomuns e menos iguais, e da consequente impunidade é tamanha que a gratificação informal foi lavrada em tabelião, com carimbo e ofício.
O caso só veio a público depois de um dos vereadores ser cassado e ver rompido o acordo para a eleição da presidência da Câmara local. Como tudo estava documentado, tudo era legal, alega o edil.
Quisera a mesma distância entre os registros legais e a lei que fez o Ministério Público do Ceará agir em Ibaretama prevalecesse em Brasília. Mas no Planalto os incomuns são ainda mais incomuns do que nos sertões.
A calma ensaiada, a informalidade medida, o semblante de injustiçado a clamar pela boa-fé dos brasileiros, exibidos na entrevista ao Jornal Nacional na última sexta-feira, podem até garantir alguma sobrevida ao ministro da Casa Civil Antonio Palocci. Mas o estrago já estava feito.
Se não mentiu, omitiu. Se omitiu, o fez em nome de algo ou alguém, ainda que dele próprio. E tardou, surrupiando de si mesmo qualquer chance de convencimento.
Pior do que prolongar a agonia do governo a que pertence, a não fornecer explicações para o seu súbito e avassalador enriquecimento, Palocci contribuiu para esgarçar, ainda mais, o fino tecido da moral que deveria nortear o comportamento de todos, quanto mais dos entes públicos.
Palocci não é o primeiro. A pendura do inexplicado se multiplicou exponencialmente nos últimos anos. Só perde mesmo para a conta da impunidade.
Nem propina filmada, como a de Waldemar dos Santos nos Correios, nem a declarada, como a confissão do ex-deputado Roberto Jefferson escancarando o esquema do mensalão, têm qualquer conseqüência. Sem contar as que o governo finge investigar, como as artimanhas da ex-ministra Erenice Guerra e, ao que tudo indica, as façanhas de Palocci.
Corrupção não é novidade. Vem de longa data. Mas ano a ano as práticas de malversação vão ganhando em requinte, velocidade e volume.
Ilícitos, bandidagem e exemplos de sucesso inexplicável continuam a vir de cima, avalizados por aqueles que deveriam combatê-los. E se proliferam Ibaretamas afora.
Mary Zaidan é jornalista, trabalhou nos jornais O Globo e O Estado de S. Paulo, em Brasília. Foi assessora de imprensa do governador Mario Covas em duas campanhas e ao longo de todo o seu período no Palácio dos Bandeirantes. Há cinco anos coordena o atendimento da área pública da agência 'Lu Fernandes Comunicação e Imprensa, @maryzaidan