Só no jogo do bicho
Na selva da internet, seus textos circulam com outras assinaturas e escritos alheios, quase sempre toscos e constrangedores, são atribuídos a você. Agora um novo formato de fraude digital une a desonestidade à covardia: postam o seu texto original assinado, mas acrescentam por conta própria mais um parágrafo no final, distorcendo o seu sentido — e comprometendo o seu autor.
No auge do mensalão, escrevi uma crônica sobre o caso de amor e ódio que mudou a História do Brasil, entre José Dirceu e Roberto Jefferson, fazendo um paralelo com Nina e Carminha de “Avenida Brasil”, em que o texto encaminhava o leitor à conclusão final: “Feitos um para o outro”.
A crônica continua circulando até hoje, mas fraudada por uma anta que lhe acrescentou um novo final com frases grossas e ignorantes sobre Dirceu e Lula, que nem é citado no texto, e botou no ar, como se fosse minha.
Vai dizer que não é? Ou é, mas até certo ponto? Que ponto? Tarde demais, o estrago já está feito. É uma sensação desconcertante receber elogios ou ser criticado, ser amado ou odiado, pelo que você não escreveu.
Ou pior, por um trabalho seu que foi adulterado, às vezes de forma sutil, às vezes grosseira, por um usurpador anônimo que quer propagandear as suas paixões políticas. E alguns são tão estúpidos que pensam que estão “reforçando” o texto, mas o estão enfraquecendo e desmoralizando, pelo excesso.
Em breve só poderá ser considerado autêntico o que for dito de viva voz em vídeo, mas com todos os atuais recursos de edição, manipulação e animação digital, nem isso será totalmente confiável, como é cada vez menos. Os biógrafos do futuro, que ironia, vão confiar mais na imprensa de papel e nos livros do que em textos da internet quando pesquisarem sobre o nosso tempo.
Quando se discute o direito à informação, o fim da privacidade, as ameaças à identidade e a defesa da intimidade na era digital, ainda ressoam as palavras de Nelson Rodrigues sobre seus limites e consequências: “Se todo mundo soubesse da vida sexual de todo mundo ninguém falaria com ninguém”.
Nelson Motta