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Editorial

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Carta Capital
Não há como saber se as flores aos finados são todas merecidas, é certo, porém, que os homenageados tiveram dias bem menos atormentados do que os nossos. Nunca o Brasil viveu tempos iguais aos desencadeados pelo golpe de 2016, nem mesmo nos 21 anos de ditadura.
Explico. Os golpistas de então armaram uma arapuca para si mesmos, presas da típica hipocrisia nativa, inventaram um sistema eleitoral e até o Al-5 mantiveram o Congresso em atividade, fecharam-no para reabri-lo mais tarde. Houve oposição valente, e o Ato Institucional foi sua consequência. Daí em diante, as cassações multiplicaram-se, nem por isso a resistência parlamentar arrefeceu. O MDB liderado por Ulysses Guimarães ofereceu abrigo a todos os opositores e nas eleições de 1974 colheu vitórias significativas. Foi neste momento que o general Golbery começou a cogitar da reforma partidária concretizada cinco anos depois, com o propósito de estilhaçar a aliança oposicionista. E nem assim deu certo.

O futuro presidente

Editorial assinado por Mino Carta na Carta Capital

O jovem promotor Deltan Dallagnol (leia Dallanhol), conspícuo integrante da força-tarefa da Operação Lava Jato, ao interrogar Marcelo Odebrecht, libera todo seu espírito redentor, olhos de missionário, rútilos, diria Nelson Rodrigues.
Ele informa o interrogado em tom hierático: aqui estamos nós para aliviá-lo do peso que oprime sua consciência, de fato para ajudá-lo a reencontrar o bom caminho, faça a sua confissão e ganhe a paz interior. Algo assim, segundo consta.
Permito-me imaginar, como resultado final da tragédia do ridículo encenada pelo golpe, a candidatura do promotor Dallagnol à Presidência da República, obediente, mais do que qualquer outra, à lógica do absurdo. Há quem prefira o juiz Sergio Moro, ou mesmo o deputado Jair Bolsonaro. No meu canto, não hesito em escalar Dallagnol.
Moro, como o promotor, cultiva o ímpeto da grande missão, carece, porém, no meu entendimento, da vocação da catequese que Dallagnol manifesta radiosamente. Além do mais, o juiz aprecia envergar camisas pretas, de péssima memória.
Já Bolsonaro é um camisa-preta autêntico, poderia ter participado da Marcha sobre Roma. Nem um nem outro buscam redimir os pecadores, e sim puni-los de forma exemplar.
Dallagnol, em contrapartida, é adequado, diria mesmo óbvio, neste nosso teatrinho-bufo, de plateia cada vez mais apinhada por pagadores de dízimo. Ele é capaz de transformar a ribalta em púlpito e, a encarnar o desfecho no último ato, parece-me o mais condizente, em sintonia finíssima com o andamento do entrecho.
Tentemos pôr um mínimo de ordem na orgia farsesca que as circunstâncias nos obrigam a assistir, melhor, a viver, sugeriria o Marquês de Sade, inveterado e irônico pecador. Quais são as chances de vida exitosa de um governo presidido por Michel Temer?
Vale perguntar aos botões se logrará durar até as eleições de 2018. Sobra a evidência de que, a prosseguir impávida a Lava Jato, entre mortos e feridos ninguém vai sobrar. Daí a saída pelo caminho apontado pelo promotor Dallagnol, intérprete inexcedível da estultice reinante. Trata-se, simplesmente, de combater a corrupção pela salvação das almas.
Insisto: há uma lógica na ironia. Certo, inegável, é o caos em que o golpe nos mergulha, em meio a uma crise econômica inescapável para o país exportador de commodities e de indústria em frangalhos.
Ao enxergar o Brasil de hoje, ocorre-me a imagem do pesqueiro escocês ao largo de Aberdeen na madrugada invernal invadida pela cerração mais espessa, privado até do apito por um defeito mecânico.
Não é previsível escapar desta crise no prazo curto e médio, mas o marasmo político, que a situação econômica e social multiplica, se oferece a uma saída clara, indisfarçável, aventada por vozes diferentes e bem-intencionadas.
CartaCapital faz tempo aderiu à ideia da convocação de um plebiscito destinado a conhecer as demandas da Nação, ao que tudo indica desejosa de novas eleições tão logo possível. Se as pesquisas de opinião anularam os votos de 2014, a justificar o complô golpista, as mais recentes, do tempo nebuloso de governo interino, denunciam nitidamente a rejeição de Temer e a aspiração do voto antecipado.
Outra questão está em jogo, segundo CartaCapital, e sua solução correta conforme a lei é a premissa indispensável a um futuro sem traumas: o retorno de Dilma Rousseff ao Planalto, por mais temporário.
Algo me intriga pessoalmente, na qualidade de cidadão e de jornalista: que pensam, que sentem, ao pousarem suas cabeças sobre o travesseiro do sono noturno, os senhores congressistas que votaram a favor do impeachment a despeito das crenças democráticas que costumam proclamar? E que dizer dos senadores que escalaram o muro e lá do alto encaram o horizonte com olhos opacos? E silentes ministros do STF, aos quais caberia o papel de sentinelas da lei?

Editorial - Carta Capital

Conspiração policial
á tivemos um exército de ocupação, convocado pela casa-grande em 1964. O gendarme indispensável ao golpe, a favor dos senhores com a bênção, não somente metafórica, de Tio Sam. De mais de uma década para cá, somos forçados a colher fortes indícios de que contamos com uma polícia para cuidar dos interesses da minoria privilegiada.

Aquelas Forças Armadas derrubaram o governo. Esta polícia, ou pelo menos alguns de seus núcleos, conspira contra o governo. O tio do Norte está aparentemente mais distante, mas não desgosta de um satélite em lugar de um país independente.

A postura conservadora da caserna, em momentos diversos francamente reacionária, sempre arcou com um papel poderoso, quando não decisivo, na história do Brasil.

Hoje, graças também a um comando firme e responsável, mantém a atitude correta na moldura democrática, a despeito dos esforços da mídia nativa para oferecer eco a vozes discordantes de reduzido alcance. A defesa do status quo ficou para a Polícia Federal? A PF não foi treinada para a guerra, dispõe, porém, de armas afiadas para conduzir outro gênero de conflito, similar àquele da água mansa que destrói pontes.

Um dos instrumentos usados para atingir seus objetivos com a expressão de quem não quer coisa alguma é o vazamento, a repentina revelação de fatos do seu exclusivo conhecimento, graças ao fornecimento de informações destinadas ao segredo e, no entanto, entregue de mão beijada e por baixo do pano a órgãos midiáticos qualificados para tanto, sem descaso quanto à pronta colaboração do Ministério Público.




Mino Carta: só mesmo por aqui

É fato inédito que a mídia em bloco atire contra um líder para impedir, ou enfraquecer, sua eventual candidatura 3 anos depois

Em qual país do mundo civilizado e democrático, a mídia, praticamente em bloco, se uniria para envolver um importante líder político em um escândalo das proporções da Lava Jato? Sem serem convocados, os meus botões assumem a cadência do coro grego e declamam: não há país democrático e civilizado em que um fenômeno deste porte pudesse verificar-se.

Carta Capital: Non destar il cane che dorme

"A situação de caos que o País vive precipita um grande equívoco e duas urgências. Destas, uma investe Dilma Rousseff. Esgota-se o tempo que lhe sobra para tentar rever posturas, orientações, escolhas.

Não esqueço a última vez em que estive com ela, em companhia de Sergio Lirio e André Barrocal, para entrevistá-la às vésperas das últimas eleições. Impressionou-me o isolamento da presidenta sobrepujada pelo álgido cenário fascistoide transplantado para o Trópico no Palácio da Alvorada, enorme redoma de solidão. A outra urgência diz respeito a Lula. O ex-presidente chegou a uma peremptória encruzilhada e tem de escolher a saída que mais lhe convém.

Recordo o dia, mais ou menos recente, em que ouvi de Lula a seguinte frase: “Um presidente considera-se bem-sucedido quando se reelege, e digno da excelência quando elege seu sucessor”. Inviável o impeachment de Dilma sonhado por muitos opositores, é difícil, nas circunstâncias atuais, deixar de imaginar um final melancólico para o segundo mandato da presidenta. Se for assim, ela não fará seu sucessor.

Como observava Mauricio Dias em sua Rosa dos Ventos, na edição passada, faltam para a sucessão quadros potáveis no governo e no PT. Resta mirar em Lula. A própria oposição ajusta a alça. Eis o verdadeiro inimigo, antes de qualquer outro. O que a elite brasileira mais teme é a volta por cima do ex-presidente. O ex-operário, de novo!? Vaias e panelaços que de uns tempos para cá lhe são reservados, além de patéticos, não escondem o medo, e não exagero no emprego da palavra. Resta ver se Lula pretende, ou não, transformar o Brasil em uma infinda Vila Euclydes.

Ele pode, é o único, verdadeiro líder do povo brasileiro, se quiser, enche as praças. Ao longo de dois mandatos realizou avanços importantes, inferiores a meu ver, àqueles que poderia e deveria realizar. Bastou, contudo, para deixar a Presidência com altíssima aprovação, nunca dantes navegada. O que pretende a partir deste momento não está claro. Evidente é sua irritação. Não contemplo somente os comportamentos midiáticos, as acusações de envolvimento em escândalos variados, os apupos do preconceito elitista, como prova seu discurso no evento da CUT promovido em São Paulo dia 1º de maio. De fato, abala-se também a críticas ao governo Dilma, a rigor as primeiras públicas.

Estamos na encruzilhada e o equívoco seria a consequência, a depender da escolha de Lula ao determinar seu caminho. Se decidir, em lugar da aposentadoria, pela disputa do poder, assistiremos a um imperioso retorno à ribalta, mesmo que agora não seja seu objetivo descer à liça em 2018. Quanto ao equívoco, suponho ser geral, da oposição, da chamada elite, da mídia, bem como do PMDB, do próprio PT, e do governo que o partido haveria de sustentar.

Lula tem todas as condições, e mais algumas, de reassumir uma liderança avassaladora, em parte abandonada para deixar espaço a Dilma Rousseff. Quem supõe que, ao sabor do dito petrolão, da tibieza governista e do martelar midiático, Lula esteja encurralado, engana-se além da conta. Quem se ilude, corre o risco de, como se diz, cutucar a fera com vara curta.

O Brasil vai mal, graças a um acúmulo de erros e desmandos, de resto encadeados no decurso das décadas de sorte a se tornarem mal endêmico, mas o jogo, o trágico enredo que entrega o País ao caos, não está encerrado. Diz um antigo provérbio italiano: non destar il cane che dorme. Não desperte o cão que dorme."
por Mino Carta

Os pecados de Dilma, por Mino Carta



Adhemar de Barros levou para casa as urnas marajoaras do museu. Ernesto Geisel, os vasos chineses presenteados por autoridades estrangeiras em visita oficial. Exemplos daquele patrimonialismo que o ministro Levy parece desconhecer. Mas há formas piores.
O presidente da Petrobras aos tempos da ditadura do acima citado Geisel, Shigeaki Ueki, foi o primeiro grão-mestre da corrupção na empresa criada por Getúlio Vargas. Certo Barusco de quem muito se fala é destacado executivo da Petrobras desde meados dos anos 90, aquele período abençoado pela mídia deliciada, em que reinou Fernando Henrique, quando ainda não havia comprado os votos para conseguir no Congresso o seu segundo mandato, debaixo dos aplausos midiáticos.
A corrupção é endêmica no Brasil porque muitos políticos enxergam o poder alcançado pelo voto como de sua propriedade privada, assim como se dá com servidores do Estado, nomeados, os Barusco, os Duque, os Costa, os Cerveró e companhia. Mas, a bem da sacrossanta verdade, o espírito nacional tende, frequente e naturalmente, à tramoia, ao passa-moleque, à falcatrua, ao comércio do gato por lebre.
É também do conhecimento do mundo mineral que este é o país da impunidade. A quantidade de imponentes corruptos que vivem, ou viveram à larga antes de passar à outra vida, é infinda, além de certa e sabida, assim como acontece que rico não vá para a cadeia. Há mais de duas décadas, paira por trás dos lances mais duvidosos, quando não francamente criminosos, a marcarem a vida do poder à brasileira, a figura, fugidia e ao mesmo tempo de nitidez implacável, do banqueiro Daniel Dantas. Desde a privatização das comunicações, a maior bandalheira da história pátria, até os chamados mensalões e a Operação Satiagraha.
Não falta lenha para a fogueira da corrupção brasileira, cada vez mais abundante e de todas as procedências. Há quem escape, porém, na visão e no uso do poder, ao andamento comum. Em primeiro lugar, neste momento, Dilma Rousseff. O resultado da recente pesquisa Datafolha, pela qual 47% dos brasileiros acreditam que a presidenta está envolvida em corrupção, representa um equívoco clamoroso, adubado pelas ferozes interpretações do jornalismo nativo.
O que não há como pôr em dúvida é a honestidade de Dilma. Pode-se alegar sua ingenuidade diante do engano de que foi vítima, urdido por quem lhe era tão próximo. Pode-se alegar falta de experiência para lida complexa, ou da desejável vigilância. A presidenta, além de cultivar as melhores intenções, não daquelas que pavimentam o caminho do inferno, é moralmente inatacável. Ao contrário de Fernando Henrique, por exemplo.
As falhas de Dilma são de outra natureza e dizem respeito à prática da política. Ela não é mestra na matéria, embora saiba bastante de economia. Infensa à negociação, comunica-se com transparente dificuldade. Daí as relações difíceis com o Congresso e com o empresariado. Grave, deste ponto de vista, o afastamento de Lula, imbatível no trato político, mestre no assunto. Por mais compreensível que seja o propósito de se afirmar por conta própria, a presidenta errou ao se distanciar de quem seria seu melhor conselheiro.
Raros os momentos de aproximação, e sempre por mérito do ex-presidente, preocupado com as dificuldades da sucessora. Se ele estivesse nas imediações, é certo de que a presidenta não se rodearia de colaboradores nota 10 em incompetência, de efeitos deletérios tanto mais em tempos de crise gravíssima. Outros seriam os comportamentos dos parlamentares, enquanto os empresários teriam mantido um resquício de esperança.
As causas da crise têm origens diversas e Dilma não é, certamente, a responsável número 1. Muito antes do que ela e seus erros, surgem as consequências do neoliberalismo globalizado, a debacle do PT, a corrupção desenfreada dentro da maior empresa brasileira no quadro de um mal crônico, emblema da predação como característica inata. E a empáfia tucana, e a costumeira, irreversível prepotência da casa-grande, amparada pela desonestidade orgânica da mídia nativa. Mas Dilma, sinto muito, tem suas culpas em cartório. Nada a compartilhar, está claro, com a culpa alegada por Ives Gandra Martins na sua peça de delírio onírico confeccionada a mando tucano para demonstrar a viabilidade do impeachment. A todos aconselha-se a simples leitura da Constituição.



Editorial, por Mino Carta

Gigollete em Estocolmo

Folha de S.Paulo está de parabéns: na sua edição de quarta 17 provou que o governo federal tem acentuadíssima vocação para mulher de apache, a gigolette que gosta de apanhar do gigolô. Ou se trataria de uma forma aguda da síndrome de Estocolmo? De todo modo, a reportagem desdobrada a partir da manchete da primeira página demonstra, com precisão de teorema pitagórico, que o governo cumula de favores aqueles que o denigrem ferozmente dia após dia.
O trabalho em questão, de página inteira no interior da edição, informa que entre os anos 2000 e 2013 as Organizações Globo ganharam 5,2 bilhões em publicidade das estatais e a Editora Abril mais de 500 milhões. A Folha faz questão de dividir a mídia nativa em dois campos. De um lado, a maioria das empresas, reunidas neste canto sem maiores esclarecimentos. Do outro, as “empresas alinhadas ao governo”, encabeçadas pela Editora Confiança, que publica CartaCapitalCarta na Escola e Carta Fundamental. E nós não passamos de 44,3 milhões.
Dirá o desavisado: alinhados e mal pagos. Vale aqui, antes de mais nada, uma reflexão. Que significa alinhado? No governo de Fernando Henrique, não vimos a cor de um único, escasso anúncio de estatal. E como se deu a nossa sobrevivência nos oito anos tucanos? Teria nos socorrido o ouro de Cuba ou de Moscou?
Apoiamos a candidatura de Lula em 2002 e 2006 e a de Dilma em 2010 e 2014, de acordo com uma prática comum em países democráticos e civilizados. Apoiamos, de início, e confirmamos ao longo do tempo, por razões larga e frequentemente esclarecidas aos leitores. Os governos de Lula e Dilma são pioneiros na realização de uma política de inclusão social muito bem-sucedida e de uma política exterior independente dos interesses do império americano, ambas vitais para o País. Em outros pontos, no decorrer desses 12 anos, fomos críticos severos. Por exemplo, em relação a uma política industrial ineficaz. Ou à rendição aos transgênicos. Ou a toda e qualquer medida econômica embebida em neoliberalismo. Quanto ao PT, de pronto consideramos, e sublinhamos, que no poder porta-se como os demais.
Ao listar os pretensos alinhados e ao não qualificar os demais, a Folha nos atribui o papel de jornalistas de partido e com isso fornece outra prova: como sempre, obedece aos seus naturais pendores e, no caso, manipula a informação e omite a qualidade dos demais, alinhados de um lado só, guiados pelo pensamento único enquanto, hipócritas inveterados, declamam sua isenção, equidistância, pluralidade. Ou seja, inventam e mentem.
Vale entender que na visão de CartaCapital, o problema número 1 é a herança de três séculos e meio de escravidão a manter de pé, até hoje, a casa-grande e a senzala. Eis a primeira razão do atraso do Brasil. Desde a precariedade de Educação e Saúde oferecidas à maioria até a falta total de um Prêmio Nobel. Desde a atuação de juízes dedicados à política em vez de fazer justiça até os oligopólios midiáticos. Desde a Ficha Limpa de Paulo Maluf até o enterro da Satiagraha. E este é um aspecto capital: jornalões, revistões, televisões e quejandos são os porta-vozes da casa-grande. De resto, é do conhecimento do mundo mineral que os patrões da mídia nativa são moradores remidos do edifício colonial, daí a naturalidade dos seus comportamentos. Ideológicos? Pois é, ideológicos. E depois dizem que a ideologia morreu...
Ressalve-se que uma parte conspícua da chamada classe média fica um degrau abaixo do mundo mineral em matéria de conhecimento, mas é claro a olhos mais treinados que deste profundo desequilíbrio social, a contrariar mesmo o capitalismo domesticado, conforme a definição do professor Belluzzo, brotam o instinto de predação, a impunidade dos graúdos, e a vexatória peculiaridade da democracia à brasileira. Pois inovamos Montesquieu, temos aqui Executivo, Legislativo, Judiciário e Forças Armadas, o inesgotável poder militar. Há quem sugira um quinto poder, o Mercado, o qual, no entanto, infesta o planeta todo, cada vez mais imbecilizado.
Até agora não entendi por que o governo convocou uma Comissão da Verdade para esforçar-se à toa em busca da própria e descobrir ao cabo que, desde a saída, estava decidida a confirmação da dita lei da anistia imposta pela ditadura. O resto da humanidade não sabe que crimes cometidos contra o gênero humano prescrevem, como está a ser sacramentado por aqui, e sequer imagina que a democracia possa conviver com um tribunal militar, habilitado a condenar o próprio relatório da comissão convocada pelo governo.
Mas não há trégua para nossos padecimentos. Surge quem proponha julgar a justíssima causa dos resistentes à ditadura. É como sustentar que, terminada a Segunda Guerra Mundial, caberia na Itália esclarecer ao mesmo tempo as responsabilidades de Hitler e Mussolini, em um canto, e dos partigiani da Resistência no outro. Ou na França, de Hitler e de Petain, e dos maquis. Só falta imaginar que, à margem do riacho, o cordeiro merece ser investigado tanto quanto o lobo.
O Brasil vive não somente uma crise moral, mas também a da razão. Talvez prepare o caminho para outra, maior e fatal. Algo é certo: o Brasil não está maduro para o jornalismo honesto.



Dilma fez bem não ir a Carta Capital

Mino Carta: 'Temos de tapar os ouvidos ao rentismo'

Ontem na entrega do prêmio "As empresas mais admiradas do Brasil" realizado por Mino Carta (Carta Capital), a ausência da presidente Dilma Roussef foi muito criticada. 

Mas, por que e para que a presidente perder tempo com conversas, sarameleques com a classe empresarial brasileira?

O que eles querem?...

Até eu sei de cor.

Dinheiro, dinheiro e mais dinheiro para investir no mercado financeiro, e com o fluxo de caixa e juros recebidos investir um pouco. 

Comem numa ponta e na outra também.

Vejam o que disse o empresário Abílio Diniz:

"...Temos muito a reivindicar, temos muito a exigir. Temos direito a pedir que diminua as incertezas. Pior ou melhor que seja o futuro, tire as incertezas da frente".

As incertezas para a matilha empresarial é Dinheiro subsidiado, ponto final.

Bem fara Dilma se usar o dinheiro do orçamento e dos bancos estatais (Bndes, BB, CEF, Banco do Nordeste etc) para investir na infraestrutura. E se, sobrar algum emprestar a iniciativa privada.

Nova é esta Marina, por Mino Carta

Não há quem segure a candidata Marina Silva nesta caminhada final rumo à eleição. Em Florianópolis, subiu ao palanque de Paulinho Bornhausen e com empenho apaixonado pediu votos para sua candidatura a senador. Precioso trunfo para o filho de Jorge Bornhausen, governador biônico de Santa Catarina durante a ditadura, liderança do ex-PFL e patriarca de uma das mais ricas famílias do estado. Direita reacionária na sua acepção mais desbragada.




Esta adesão eufórica à velha política assinala a enésima contradição de pregadora da nova. Uma análise da personagem do ponto de vista psicológico exibe, isto sim, uma nova Marina. A contida, austera ambientalista na qualidade de candidata em campanha mudou radicalmente o seu estilo, a ponto de pôr em xeque as crenças professadas até ontem. A perspectiva do poder leva-a a renovar seu verbo e seus gestos e a buscar a companhia de quantos aparentemente haveriam de ser seus adversários, se não inimigos. Vale tudo para chegar lá, é o que se deduz sem maiores esforços.

Confesso minha surpresa. Marina Silva revela uma determinação obcecada que não imaginava. Certo é que a candidatura de Eduardo Campos, sua plataforma, suas ideias, seus projetos e propósitos, Marina conseguiu destruir. Receio que logre ir além, para demolir o próprio Partido Socialista. Em lugar da nova política, temos a nova Marina.

na Carta Capital

Mino Carta - Editorial

Porque escolhemos Dilma

Começa oficialmente a campanha eleitoral e CartaCapital define desde já a sua preferência em relação às candidaturas à Presidência da República: escolhemos a presidenta Dilma Rousseff para a reeleição.
Este é o momento certo para as definições, ainda mais porque falta chão a ser percorrido e o comprometimento imediato evita equívocos. Em contrapartida, estamos preparados para o costumeiro desempenho da mídia nativa, a alegar isenção e equidistância enquanto confirma o automatismo da escolha de sempre contra qualquer risco de mudança. Qual seria, antes de mais nada, o começo da obra de demolição da casa-grande e da senzala.
O apoio de CartaCapital à candidatura de Dilma Rousseff decorre exatamente da percepção de que o risco de uns é a esperança de outros. Algo novo se deu em 12 anos de um governo fustigado diária e ferozmente pelos porta-vozes da casa-grande, no combate que desfechou contra o monstruoso desequilíbrio social, a tolher o Brasil da conquista da maioridade.
CartaCapital respeita Aécio Neves e Eduardo Campos, personagens de relevo da política nacional. Permite-se observar, porém, que ambos estão destinados inexoravelmente a representar, mesmo à sua própria revelia, a pior direita, a reação na sua acepção mais trágica. A direita nas nossas latitudes transcende os padrões da contemporaneidade, é medieval. Aécio Neves e Eduardo Campos serão tragados pelo apoio da mídia e de uma pretensa elite, retrógrada e ignorante.
A operação funcionou a contento a bem da desejada imobilidade nas eleições de 1989, 1994 e 1998. A partir de 2002 foi como se o eleitorado tivesse entendido que o desequilíbrio social precipita a polarização cada vez mais nítida e, possivelmente, acirrada. Por este caminho, desde a primeira vitória de Lula, os pleitos ganham importância crescente na perspectiva do futuro.
CartaCapital não poupou críticas aos governos nascidos do contubérnio do PT com o PMDB. No caso do primeiro mandato de Dilma Rousseff, vale acentuar que a presidenta sofreu as consequências de uma crise econômica global, sem falar das injunções, até hoje inescapáveis, da governabilidade à brasileira, a forçar alianças incômodas, quando não daninhas. Feita a ressalva, o governo foi incompetente em termos de comunicação e, por causa de uma concepção às vezes precipitada da função presidencial, ineficaz no relacionamento com o Legislativo.
A equipe ministerial de Dilma, numerosa em excesso, apresenta lacunas mais evidentes do que aquela de Lula. Tirante alguns ministros de inegável valor, como Celso Amorim e Gilberto Carvalho, outros mostraram não merecer seus cargos com atuações desastradas ou nulas. A própria Copa, embora resulte em uma inesperada e extraordinária promoção do Brasil, foi precedida por graves falhas de organização e decisões obscuras e injustificadas (por que, por exemplo, 12 estádios?), de sorte a alimentar o pessimismo mais ou menos generalizado.
Críticas cabem, e tanto mais ao PT, que no poder portou-se como todos os demais partidos. Certo é que o empenho social do governo de Lula não arrefeceu com Dilma, e até avançou. Por isso, a esperança se estabelece é deste lado. Queiram, ou não, Aécio e Eduardo terão o pronto, maciço, às vezes delirante sustentáculo da reação, dos barões midiáticos e dos seus sabujos, e este custa caro.

Lula e a mídia

Eu certamente não sou especialista nesta questão da mídia e nunca tive muita simpatia dos seus donos. Toda vez que tentei conversar com eles, cuidei de explicar que ao governo não interessa uma mídia chapa-branca, como foram no governo Fernando Henrique Cardoso. Eu não quero isso, não quero que tratem o PT como trataram a turma do Collor nos dois primeiros anos do seu mandato. Agora, também é inaceitável a falta de respeito com Dilma. Se querem falar mal, façam-no no editorial do jornal. Na hora da cobertura do fato, publiquem o fato como ele é. Nunca liguei para o dono de mídia pedindo para fazer essa ou aquela matéria, mas o respeito há de ter, tanto mais por parte da comunicação, que é concessão do Estado. Respeito à instituição, e acho que eles saíram de um momento em que lambiam as botas da ditadura e evoluíram para o pensamento único a favor de FHC, e contra o meu governo e contra o da Dilma, e contra a presidenta com agressividade ainda maior.

Resposta de Lula a pergunta feita por Mino na entrevista que esta na edição desta semana da CartaCapital

A mídia nativa é porta-voz da Casa-Grande

Porque tudo isso é política!
por Mino Carta

Silvio Berlusconi dispensa apresentações e a respeito da lamentável figura direi apenas que começa para ele a prestação de serviço a doentes de Alzheimer. Trata-se de cumprir a pena cominada com sentença definitiva no processo por fraude fiscal. Outras condenações virão inexoravelmente, e bem mais pesadas, inclusive por compra de votos para derrubar o governo de Romano Prodi em 2008.
Pensei em Fernando Henrique Cardoso, comprador de votos durante seu primeiro mandato presidencial para conseguir a alteração constitucional destinada a permitir sua reeleição. Foi operação conduzida praticamente às claras, a contar inclusive com o testemunho de parlamentares envolvidos. A Justiça brasileira encarou os fatos com aquela olímpica impassibilidade recomendada quando lhe cabe zelar pelos interesses da casa-grande.

Recordar é viver

Entrevista histórica feita por Mino Carta e Bernardo Lerer com Lula, a exatamente 35 anos atrás
IstoÉ – Lula, os políticos estão cercando você e seu sindicato. Que acha disso?

Lula – A gente tem que dar risada, porque esse negócio é realmente muito engraçado. Eu acho que este é o momento que o trabalhador deve tirar proveito de alguma coisa. Mas é preciso agir com inteligência, saber jogar, e isso é difícil. você pode ser hostilizado dentro do próprio movimento sindical. Eu participei certa vez de uma reunião com cerca de cem dirigentes sindicais, no qual se discutiu a formação de um novo partido, o apoio a este ou aquele político, em lugar de discutir a libertação do movimento sindical. E me pediram para falar e eu fui muito agressivo, disse o que pensava. Não agradei nem um pouco. Quem fala a verdade fica marginalizado. Não fui mais convidado para reuniões.
IstoÉ – Na sucessão paulista, você tem candidatos?
Lula – Eu acho que o movimento sindical de alguma maneira tem de se manifestar, porque quem cala, consente. Mas não existe compromisso meu com nenhum candidato. Agora, a gente começa a perceber que o negócio deve ser bem lucrativo se todo mundo quer ser governador, e sem ter direito ao posto, isto é, sem ter compromisso com o povo, mas apenas com quem indica e com os grupos que o apoiam. Engraçado: eleição direta ninguém quer. (Ele apoiaria e faria campanha para o candidato do MDB ao Senado, Fernando Henrique Cardoso.)
IstoÉ – Você não chegou a ser sondado pelo MDB para ser candidato a deputado?
Lula – Especulou-se a respeito. Mas eu não sou inscrito em nenhum partido, e graças a Deus esgotou-se o prazo para inscrição. Jamais participaria da MDB ou da Arena, são farinha do mesmo saco e tem os mesmos objetivos. A Arena e o MDB não representam a classe trabalhadora. Eu só me inscreveria no partido que afinasse comigo ideologicamente. Não me interessa partido de cima para baixo. E é isso que acontece sempre: quando algo começa a fervilhar por aí, vêm meia dúzia de caras, os mesmos de sempre, mexem maravilhosamente na coisa toda e continuam mandando.
IstoÉ – Mas onde está você ideologicamente?
Lula – Eu digo de peito aberto que não tenho compromisso com ninguém, e que o sindicato de São Bernardo e Diadema é uma das poucas coisas independentes que existem nesta terra. Só tenho compromisso com os trabalhadores que me elegeram. No mais, a gente é chamado de dedo-duro pela oposição, de comunista pelo governo e de subversivo pelos patrões. É uma condição muito boa, porque a gente pode dar pau em todo mundo e ninguém pode falar: “vou pegar o Lula porque ele assina a Voz Operária“. Nunca assinei a Voz Operária, mas já li: era um jornal que não dizia nada para mim, jornal para intelectual, não para conscientizar o povão. Então eu tenho uma preocupação muito especial de manter o sindicato independente. A gente andará de cabeça erguida enquanto puder criticar você e amanhã aplaudir, se for o caso, e sem dor na consciência. Infelizmente tem muitos dirigentes sindicais que estão com o boi na sombra…
IstoÉ – E a ideologia, Lula, a ideologia?

Solércia inaudita


Manda a tradição que o eleitor brasileiro vote em pessoas em lugar do ideário deste ou daquele partido. De resto, os partidos nas nossas latitudes sempre funcionaram como clubes recreativos de uma ou outra turma graúda. Se alternativa digna houve, foi o PT, mas durou pouco. No poder, portou-se como os demais.
Unidos. A maior personalidade da história política brasileira e quem lhe segue os passos. Foto: José Cruz/ABr
Deste ponto de vista, as eleições municipais recém-encerradas com o segundo turno mantiveram-se no leito antigo. Mudou, porém, o peso das lideranças capazes de influência decisiva. Lideranças autênticas, diferentes daquelas forjadas pelo populismo mais desbragado, tão frequentes no passado, mesmo recente. Refiro-me, em primeiro lugar, ao ex-metalúrgico e ex-presidente Lula, que evoluiu do palanque da Vila Euclydes para a plateia mundial.
Neste pleito, Lula confirmou o que já é do conhecimento até do mundo mineral, tirante a mídia nativa. Trata-se da personalidade mais forte da história política do País, sua popularidade, avassaladora, supera inclusive aquela de Getúlio Vargas. Dilma Rousseff segue-lhe os passos. A afirmação peremptória dos candidatos da chamada base aliada resulta antes de mais nada da boa atuação do seu governo.
Outras figuras começam a ganhar dimensão nacional, como Eduardo Campos e Cid Gomes, enquanto o momento projeta naturalmente o nome de Aécio Neves, em quem há tempo CartaCapital reconhece autoridade e tino para conduzir uma oposição moderada e responsável, conforme as conveniências da democracia.
Neste terreno o Brasil ainda engatinha. Não basta a realização periódica de eleições para provar a maioridade democrática. Outros fatores surgidos nos últimos dez anos deságuam, contudo, em importantes avanços, não somente a caminho de uma sociedade menos injusta, mas também na conquista da consciência da cidadania por um número crescente de brasileiros. É quanto transparece dos resultados deste pleito municipal, bem menos provinciano e mais significativo do que se podia imaginar.
A mídia nativa é a primeira derrotada no embate, antes que o PSDB paulista e o PT baiano. O espetáculo encenado pelos barões midiáticos e seus cortesãos na tentativa de mascarar a verdade proporcionou momentos de involuntário hu­morismo à altura do teatro do absurdo, sobretudo na linha de Ionesco, embora sem esconder a expectativa da súbita chegada de Godot, segundo Beckett. José Serra seria Godot?
Não se exclua a possibilidade, a considerar o tom de editoriais, colunas, artigos, rubricas. No sábado 27, o editorial de um jornalão estampava como título: “Resistir é preciso”. De volta de uma viagem ao exterior, ausente havia duas semanas, sofri um abalo sísmico entre o fígado e a alma. Supus que a revolução vermelha batesse às portas liderada por Fernando Haddad. Tragicômico destino de uma direita tão extremada, tão anacrônica, tão romneyana (de Romney) a ponto de soçobrar nas ondas do ridículo atroz. Espetáculo a seu modo magnífico, por obra da incapacidade dos protagonistas de perceber a enrascada patética (do Pateta de Walt Disney, herói da Editora Abril) em que se atiraram.
Dou agora com a soturna expressão dos bairros paulistanos, ditos nobres não se sabe por quê. Varridos pelo siroco de um eterno temor e pela aspiração a se instalarem, pelo menos nomodus operandi, entre Coral Gables e Dubai. Abastecidos com solércia inaudita pelos evangelhos midiáticos. E agarrados à lembrança de Fernando Henrique Cardoso e à esperança vã da vitória de José Serra. Estes ninhos tucanos estão mais para aqueles das andorinhas doentes, iguaria da cozinha chinesa. Altamente recomendados para o cardápio dos barões midiáticos.
É o ocaso de um PSDB que já foi de André Franco Montoro e Mário Covas e foi entregue ao cabo a um cínico e um obsessivo e, sustentado pela fanfarra dos jornalões e revistões, passou a cuidar dos negócios dos vetustos donos do poder. O mesmo que o cínico e o obsessivo diziam combater nos seus anos verdes. É nesta moldura que a ribalta cabe a Aécio.

O pig e os políticos

Os políticos [e cidadãos] em geral, ainda não entenderam que esta mídia, pronta a antecipar os veredictos do Supremo, serve exclusivamente à minoria privilegiada, a lhe repetir as frases feitas, a lhe engolir as mentiras, a acreditar em suas invenções qual fossem a própria verdade factual, sem dar-se conta, é óbvio, das omissões. E para impedir a convocação de Policarpo Jr. diretor da sucursal de Veja em Brasília, parceiro de Carlinhos Cachoeira em algumas clamorosas contravenções, destinada à apuração da CPI, basta e sobra que um representante da Abril baixe na capital federal e converse com quem de direito, habilitado a dar um jeito. Ah, sim, o famoso jeitinho brasileiro. Daí, a moral: o Brasil não é o Reino Unido, que manda para casa o senhor Murdoch.Leia mais>>>

Os caluniadores são, antes de tudo, covardes!

[...] Sentem as costas protegidas pela falta generalizada de memória, ou pela pronta inclinação ao esquecimento. Pela impunidade tradicional garantida por uma Justiça que não pune o rico e poderoso. Pelo respaldo do patrão comprometido com a manutenção do atraso em um país onde somente 36% da população conta com saneamento básico, e 50 mil pessoas morrem assassinadas ano após outro. Confiam no naufrágio da verdade factual, pela enésima vez, e que tudo acabe em pizza, como outrora se dizia, a começar pela CPI do Cachoeira e pela pantomima encenada por Gilmar Mendes. E que o tempo, vertiginoso e fulminante como sempre, se feche sobre os fatos, sobre mais uma grande vergonha, como o mar sobre um barco furado.

O triste fim de FHC



Promotor e intérprete de uma ambição exagerada para um pássaro que não voa. Por Mino Carta. Foto: Zeca Wittner/AE
Promotor e intérprete de uma ambição exagerada para um pássaro que não voa
Quem já leu um livro de Fernando Henrique Cardoso? É a pergunta que às vezes dirijo à plateia que, generosa além da conta, acompanha uma palestra minha. Que levante o braço quem leu. De quando em quando, alguém acena ao longe, por sobre e em meio a uma fuga de cabeças imóveis. Trata-se, obviamente, de uma pesquisa rudimentar. Tendo a crer, porém, que o príncipe dos sociólogos e ex-presidente não é tão lido quanto os jornalistas tucanos supõem.
É grande, isto sim, o número daqueles que lhe atribuem acertadamente a chamada "teoria da dependência", objeto do ensaio escrito no Chile em parceria com o professor Enzo Falletto. Ali está uma crítica inexorável da burguesia nativa, incapaz, segundo a dupla de ensaístas, de agir por conta própria para tornar o Brasil um país contemporâneo do mundo.
Muitos anos após a publicação do livro, quando FHC ocupava a Presidência do País, eu me atrevi a perguntar aos meus botões se ele não estaria a provar a célebre teoria. Teria a oportunidade de demonstrar na prática seu teorema, pelo qual o Brasil é inescapavelmente destinado ao papel de dependente. Dos Estados Unidos, está claro. Ninguém como o presidente Fernando Henrique entendeu ser inevitável, ineludível, imperioso, cair nos braços do colega americano, no caso Bill Clinton.
Não me permito aventar a hipótese de que o nosso herói agiu em benefício próprio. Atendeu, legitimamente, isto sim, às suas convicções. A operação revela uma extraordinária habilidade política, a refletir seu incomum poder de sedução. A burguesia nativa encantou-se com aquele que recomendava o esquecimento de seu próprio passado, incapacitada, talvez, à comparação entre a teoria da dependência e a ação do presidente tucano, enquanto Bill escancarava os braços e oferecia o abrigo do ombro possante. Nem se fale do deleite da mídia: eis o presidente intelectual que o mundo nos inveja.
FHC é um encantador de serpentes. Plantou-se sobre o pedestal da estabilidade, obtida de início com a URV, enfim com o real, mérito indiscutível, premissa de progressos em espiral, que se renovam em uma espécie de estação de colheitas cada vez mais apressadas.
Trunfo notável, traído com a reeleição alcançada pela via da compra de votos para concretizar a emenda constitucional, e conduzida na campanha de 1998 à sombra da bandeira da estabilidade rasgada exatos 12 dias após a posse. Tanto em 94 quanto em 98, o obstinado Sapo Barbudo foi o adversário fadado à derrota, graças, inclusive, ao apoio maciço da mídia dos ainda influentes barões de longa vida e dos seus obedientes sabujos. Dá-se, inclusive, naquele 1998 vincado pela crise russa, um fenômeno peculiar: os patrões da mídia nativa passam a acreditar não somente nas promessas do seu candidato à reeleição, mas também nos seus colunistas que tão sofregamente o sustentam. Uma vez reeleito, FHC desvaloriza o real e deixa os senhores de tanga.
A Lula, vencedor em 2002, FHC entrega um país economicamente à deriva. O tucanato chegara ao poder oito anos antes com o propósito de ficar ali por duas décadas. Muita ambição, talvez, para um pássaro que não voa. Tenho uma lembrança pré-tucana que me vem à mente, remonta a 28 anos atrás. Acompanho André Franco Montoro na sua campanha à governança de São Paulo, na ocasião pela zona canavieira do estado. Chegamos a Rafard quando já caía a noite e a caçamba de um caminhão se dispôs a ser palanque nas bordas da cidadezinha.
Eu estava a bordo, do alto via aquela plateia de rostos iluminados obliquamente e ouvia a brisa ciciar em meio ao canavial que nos cercava. A sequência dos oradores previa também a fala de FHC e, ao cabo, aquela de Montoro. Quando o então suplente de senador tomou a palavra, Mário Covas veio sentar-se ao meu lado na amurada do convés. A cada período do discurso, olhava-me com cumplicidade e meneava a cabeça em desalento. Nunca esqueci aquele momento e quando o senador em lugar de Montoro, líder da cisão peemedebista criadora do tucanato, deixou-se encantar pelo convite de Fernando Collor e por sua própria, incomensurável vaidade, melhor entendi o comportamento de Covas na noite de Rafard.
Sua confiança no companheiro valia zero. E foi como se saísse da amurada e se chegasse ao orador garboso ao dizer com todas as letras, oito anos depois: "Se você for para o governo de Collor, eu saio do partido e trato de mandá-lo a pique". FHC tirou o time de campo. Covas sabia ser persuasivo, e teve a ventura de não assistir ao desastre de 2002, a primeira derrota de José Serra.
Outro episódio para mim marcante tem 30 anos e alguns meses. Estamos a viver a última grande greve dos operários de São Bernardo e Diadema, comandada pelo presidente do sindicato, Luiz Inácio, melhor conhecido como Lula. Vou frequentemente ao estádio da Vila Euclydes para viver de perto aquela situação, e um dia Raymundo Faoro, o amigo que hoje me faz falta, liga e diz: "Quero ver também". Veio a São Paulo e no aeroporto, quando fui buscá-lo, fomos interceptados por um emissário de FHC. O senador gostaria muito de se encontrar conosco a caminho do estádio. Faoro disse está bem.
Houve um café servido em xícaras de porcelana, e então o príncipe dos sociólogos iniciou a sua peroração a favor do nosso distanciamento daquela imponente manifestação dos grevistas. O segundo ato foi encenado no salão nobre do Paço Municipal de São Bernardo, precipitado pelo mesmo motivo. "Sou um jornalista – disse eu – esta conversa para mim é tempo perdido." Faoro não disse nada. Levantamos e fomos ao palanque de Lula. Foi quando o autor de Os Donos do Poder e o líder sindical se conheceram. Refleti sobre as razões de FHC: por que pretendia impedir que Faoro fosse ter com Lula? Permito-me a seguinte conclusão: pelo jurista e historiador nutria turvos ciúmes intelectuais, pelo líder operário algo mais que a premonição de uma inevitável rivalidade. Tratava-se de um confronto já latente.
Como amiúde acontece com fanáticos da ambição, o instinto da rivalidade está sempre preparado para o bote. Qual seria, exatamente, a primeira corda da relação Fernando Henrique-José Serra? Digo, do ângulo daquele. De grande ami zade, é a resposta oficial. E nos bastidores das intimidades mais recônditas, até mesmo inconfessáveis? Não duvido que a amizade de FHC por Serjão Motta fosse autêntica, totalmente sincera. Pois Serjão era um ser amoitado por natureza, provavelmente o mais sábio do terceto. Não tinha o menor interesse em sair à luz do sol para se exibir. Com Serra, parece-me fácil imaginar que a amizade de FHC seja agulhada pela rivalidade. Latejante.
Eis dois modelos de ambição diferentes, de certa forma opostos, pelo menos sob certos aspectos. Por exemplo. Ambos são hábeis em trabalhar à sombra, em manobrar por baixo dos panos. FHC, contudo, sabe como manter intacto este fluxo subterrâneo. Serra, talvez por causa da origem calabresa, às vezes não se contém e mostra a cara. FHC faz questão de aparentar tolerância e bonomia, mesmo em relação a quem abomina, como convém ao político matreiro a explorar os sentimentos alheios ao montar o ardil que irá engolir quem confiou em excesso. Serra é, para o mal de seus desenhos, de cultivar ressentimentos e rancores. Ódios precipitados, quando não daninhos para ele mesmo.
Nesta rivalidade se esvai o PSDB. A ambição transbordante, evidente demais, afastou ambos de uma liderança sábia e até arguta como a de Ulysses Guimarães. Depois de ter assustado fatalmente Tancredo Neves, que os quis longe do governo destinado a sobrar para José Sarney. Cogitado para o Planejamento, Serra só teve espaço em São Paulo. FHC, que Tancredo definia como "o maior goela da política brasileira", não foi além de um cargo inútil no Congresso.
Vanitas, vanitatum, diziam os latinos ao se referir à vaidade. Não é por acaso que o PSDB, nascido do inconformismo em relação à linha peemedebista que a tigrada tinha como muito branda, acaba por assumir, tardia e desastradamente, e empurrado pela presença de Lula, o papel da UDN velha de guerra. O enredo é impecável na moldura da deplorável trajetória da esquerda brasileira. É uma história escrita por um punhado de verdadeiros, digníssimos heróis, crentes alguns até as últimas consequências, e por uma armada de cidadãos inconsequentes, quando não oportunistas. Tal é a minoria branca, como diz Cláudio Lembo. Descrentes de tudo, muitos até sem se darem conta de sua descrença porque incapazes de perceber seus impulsos mais fundos.
Magistral a entrevista de FHC ao Financial Times publicada às vésperas do primeiro turno. Dizia ele que, em caso de vitória de Dilma Rousseff, o desenvolvimento do Brasil seria "mais lento". Confrontado com aquele do governo Lula ou do seu? Se for com este, podemos vaticinar um futuro terrificante. No tempo de FHC, o índice anual de crescimento não passou de 2,5%. Em matéria de desfaçatez, a entrevista é digna do Guiness. "Eu fiz as reformas – afirma o rei da cocada preta –, Lula surfou na onda." Então, por que é o presidente mais popular da história? Culpa do próprio PSDB, dos companheiros incompetentes, "entenderam errado", permitiram "a mitificação de Lula", o qual, embora nascido da classe trabalhadora "portou-se como se fizesse parte da velha elite conservadora".

Quem serviu à velha elite conservadora, foi o presidente FHC, que confirmou o Brasil como quintal dos EUA e o atrelou ao neoliberalismo. O confronto entre os dois governos é inevitável, bem como entre a repercussão internacional de um e de outro. Ocorre-me imaginar como há de roer as entranhas do príncipe dos sociólogos constatar que o metalúrgico teve mundo afora, com sua política independente, o reconhecimento que lhe faltou, a despeito de sua política dependente.
E nas suas últimas falas, FHC age no seu melhor estilo, é o náufrago que exige lugar no bote salva-vidas em lugar de crianças, mulheres e velhos. São estes, aliás, os culpados pelo naufrágio, donde o privilégio lhe cabe. Quanto a José Serra, que afogue.



As favas a verdade

Mino Carta 
Nunca na história eleitoral brasileira a mídia nativa mostrou tamanho pendor para a ficção
Há quatro meses CartaCapital publicou a verdade factual a respeito do caso da quebra do sigilo fiscal de personalidades tucanas. Está claro que a chamada grande imprensa não quer a verdade factual, prefere a ficcional, sem contar que em hipótese alguma repercutiria informações veiculadas por esta publicação. Nem mesmo se revelássemos, e provássemos, que o papa saiu com Gisele Bündchen.
Furtei a expressão verdade factual de um ensaio de Hannah Arendt, lido nos tempos da censura brava na Veja que eu dirigia. Ela é o que não se discute. Diferencia-se, portanto, das verdades carregadas aos magotes por cada qual. Correspondem às visões que temos da vida e do mundo, às convicções e às crenças. Às vezes, às esperanças, às emoções, ao bom e ao mau humor.

or exemplo: eu me chamo Mino e neste momento batuco na minha Olivetti. Esta é a verdade factual. Quatro meses depois da reportagem de CartaCapital sobre o célebre caso, a Polícia Federal desvenda o fruto das suas investigações. Coincide com as nossas informações. O sigilo não foi quebrado pela turma da Dilma, e sim por um repórter de O Estado de Minas, acionado porque o deputado Marcelo Itagiba estaria levantando informações contra Aécio Neves.

Nesta edição, voltamos a expor, com maiores detalhes, a verdade factual. E a mídia nativa? Desfralda impavidamente a verdade ficcional. Conta aquilo que gostaria que fosse e não é. Descreve, entre o ridículo e o delírio, uma realidade inexistente, porque nela Dilma leva a pior, como se a própria candidata petista fosse personagem de ficção. Estamos diante de um faz de conta romanesco, capaz talvez de enganar prezados leitores bem-postos na vida, tomados por medos grotescos e frequentemente movidos a ódio de classe.
Ao sabor do entrecho literário, pretende-se a todo custo que o repórter Amaury Ribeiro Jr. tenha trabalhado a mando de Dilma. Desde a quarta 20, a Folha de S.Paulo partiu para a denúncia com uma manchete de primeira página digna do anúncio da guerra atômica. Ao longo do dia, via UOL, teve de retocá-la até engatar a marcha à ré.
Deu-se que a Polícia Federal entrasse em cena para confirmar com absoluta precisão os dados do inquérito e para excluir a ligação entre o repórter e a campanha petista.
O recorde em matéria de brutal entrega à veia ficcional cabe, de todo modo, à manchete de primeira página de O Globo de quinta 21, obra-prima de fantasia ou de hipocrisia, de imaginação desvairada ou de desfaçatez. Não custa muito esforço constatar que o jornal da família Marinho acusa a PF de trabalhar a favor de Dilma, com o pronto, inescapável endosso do Estadão. Texto da primeira página soletra que, segundo "investigação da PF, partiu da campanha de Dilma Rousseff a iniciativa de contratar o jornalista". Aqui a acusação se agrava: de acordo com o jornalão, o diretor da PF, Luiz Fernando Corrêa, a quem coube apresentar à mídia os resultados do inquérito, é mentiroso.
Seria este jornalismo? Não hesito em afirmar que nunca, na história das eleições brasileiras pós-guerra, a mídia nativa permitiu-se trair a verdade factual de forma tão clamorosa. Tão tragicômica. Com destaque, na área da comicidade, para a bolinha de papel que atingiu a calva de José Serra.
A fidelidade canina à verdade factual é, a meu ver, o primeiro requisito da prática do jornalismo honesto. Escrevia Hannah Arendt: "Não há esperança de sobrevivência humana sem homens dispostos a dizer o que acontece, e que acontece porque é". Este final, "porque é", há de ser entendido como o registro indelével, gravado para sempre na teia misteriosa do tempo. A verdade factual é.
Dulcis in fundo: na festa da premiação das Empresas Mais Admiradas no Brasil, noite de segunda 18, o presidente Lula contou os dias que o separam da hora de abandonar o cargo e deixou a plateia de prontidão para as palavras e o tom do seu tempo livre pós-Presidência. Não mais "comedido", como convém ao primeiro mandatário. E palavras e tom vai usá-los em CartaCapital. Apresento o novo, futuro colunista: Luiz Inácio Lula da Silva.
Por enquanto, ao presidente e à sua candidata não faltou na festa o apoio de dois qualificadíssimos representantes do empresariado. Roberto Setubal falou em nome dos seus pares. Abilio Diniz, de certa forma a representar também os consumidores, em levas crescentes na qualidade de novos incluídos.
A mídia nativa não deu eco, obviamente, a estes pronunciamentos muito significativos.

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Abilio Diniz: “espero que o legado de Lula não se perca”

Ricardo Carvalho


Empresário prestou uma homenagem ao presidente da República e defendeu a continuidade de seu governo. Foto: Álvaro Motta
Empresário prestou uma homenagem ao presidente da República e defendeu a continuidade de seu governo
O presidente do Conselho de Administração do Grupo Pão de Açúcar, Abilio Diniz, ressaltou o legado dos oito anos de governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para o Brasil. Durante pronunciamento realizado ontem, na cerimônia de entrega de As Empresas Mais Admiradas do Brasil 2010, promovido por CartaCapital, ele destacou a redução da pobreza, o ingresso de milhões de brasileiros na classe média e a diminuição da fome no País.
Na categoria Líderes Mais admirados do Brasil, Abilio Diniz ficou com a segunda colocação na premiação. Já o Grupo Pão de Açúcar foi o vencedor da categoria Redes de Varejo – Supermercados.
Leia o pronunciamento completo do presidente do Conselho de Administração do Grupo Pão de Açúcar.
“Mino Carta, talvez você não se recorde, mas há cerca de uns 30 anos eu tenho um quadro pintado por você que está na minha casa. Mas você certamente deve se recordar que há 30 anos, ou algo mais, nós dois, cada um de um jeito, clamávamos por coisas semelhantes, clamávamos por democracia, clamávamos por eleições diretas, clamávamos por um País mais igual, com mais distribuição de renda, com mais emprego e muito melhor para todos os brasileiros.
Mino, cabe a nós agora, neste momento, ver isso acontecendo, após estes oito anos do presidente Lula a frente desse País, com a sua equipe, com seus ministros. Ver esse País muito mais solidário, muito mais humano, muito menos pessoas passando fome; os brasileiros vivendo muito melhor, passando de uma classe social para outra, podendo entrar no mercado de consumo, podendo fazer com que esse País caminhe para ser ainda maior do que ele realmente é. Mino, eu espero que você se lembre disso e que todos nós presentes aqui prestemos uma homenagem ao nosso presidente Lula.
Presidente, você mudou esse País. Eu espero, peço a Deus, que o seu legado não se perca, que haja uma continuidade e que nós continuemos crescendo e distribuindo renda. Muito obrigado Mino, muito obrigado Presidente, muito obrigado a todos”.
Assista ao vídeo do discurso:

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