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“Democracia: sonho da minha juventude, luta da minha vida”

Consuelo de Castro tinha apenas 21 anos em 1968, ano da prisão dos estudantes em Ibiúna, da Batalha da Maria Antônia, da decretação do AI-5 e tantos outros episódios que marcaram a luta da resistência contra a ditadura militar. Estudante de Ciências Sociais da USP, ela esteve nessa luta e fez de um de seus dons, uma arma.
Naquele ano, Consuelo lançava sua primeira peça, Prova de Fogo, desafiando a censura. Desde então, nunca parou: foram 53 peças até agora. Companheira de luta e amiga pessoal do José Dirceu, Consuelo nos conta sobre aquele período e faz um balanço desses 50 anos de golpe.
Sua entrevista é a primeira, das muitas, que faremos a partir desta semana aqui no Blog, marcando os 50 anos do Golpe Militar de 1964. Confiram a entrevista:
Qual a sensação da dramaturga, teatróloga, autora de novelas e, acima de tudo, cidadã nessa hora em que se completam 50 anos do golpe de 64?
ConsuelodeCastro
Consuelo de Castro
[ Consuelo de Castro ] A censura gerou males inestimáveis, não só para a cultura em si, mas dentro de cada agente cultural. Há silêncios forçados que calejaram no âmago criador das pessoas. Mas a sensação que tenho é de que minha alma sobreviveu intacta, apesar do cala-boca. Mesmo nos períodos mais infernais, quando o lápis vermelho rondava minha máquina de escrever e ameaçava entrar dentro de mim, calando-me como um alter ego tenebroso, eu escrevi, escrevi, escrevi peças, sabendo que iam cortar, só pra encher o saco, ferindo todos os itens da lei de censura, propositadamente criadas para irritar e indignar e serem cortadas. Eu queria dar trabalho a eles. Pensava: no que me toca, eles não ganham o pão na moleza. Vão cortar até esfolar o punho.
Como foi conviver e sobreviver com a frustração de ter uma peça como Prova de Fogo censurada por mais de 30 anos? Como administrar a revolta e o medo de viver sob um regime que invadiu teatros e espancou artistas como na peça Roda Viva, do Chico?
[ Consuelo de Castro ] Quanto à Prova de Fogo, apesar da frustração inicial – era minha primeira peça, era quase adolescente, tinha obtido elogios de todos os grandes diretores do período etc – logo veio uma espécie de euforia: eu me senti poderosa. Eu, uma menina, desarmada, consegui ser tão perigosa com uma simples peça de teatro. A peça feria praticamente todos os itens da lei da censura: eu ofendia a dignidade das Forças Armadas, a moral da família e os bons costumes, incitava à luta armada etc etc. Aí eu pensei: se ameaço tanta coisa com uma simples peça de teatro, é porque esse é o caminho a seguir. E segui. Escrevi até hoje 53 peças.
Quanto à assistir e temer os desmandos da repressão com os colegas, foi duro, foi horrível, uma impotência dolorosa. A classe artística lutou, unida, o tempo todo. Mas dava para fazer muito pouco.
Você perdeu amigos na tortura, nos assassinatos, nos crimes cometidos pela ditadura. Teve colegas, amigos que precisaram se exilar. Conseguia manter contato com eles naquele período?
[ Consuelo de Castro ] Perdi muitos amigos. Alguns, os mais queridos amigos que tive, como Zé Arantes e Antonio Benetazzo, só para citar alguns. Sim, tive muitos amigos e colegas que precisaram se exilar. Mantive contato com alguns, com outros perdi, não era o momento de ficarmos nos comunicando. Como diz o Chico “O correio andou arisco”.
Como você conheceu Zé Dirceu?
[ Consuelo de Castro ] Conheci o Zé ainda em 67, no movimento dos excedentes (vestibulandos que não entravam na universidade). Que foi o embrião da ocupação da Filosofia. Nós nos aproximamos naturalmente, eu gostava da postura firme, apaixonada dele à frente do movimento estudantil. Com o tempo, ele foi se tornando o líder que foi e que marcou a nossa geração. Eu sempre estive com ele, batalhando no movimento estudantil.
Qual a tua análise do julgamento e prisão dele agora?
[ Consuelo de Castro ] É um processo eminentemente político, marcado por ilegalidades do começo ao fim, como a prisão agora em regime fechado, quando ele tem direito ao regime semiaberto.
Presos políticos que você visitou contam que você foi uma das figuras mais solidárias que eles encontraram. Como é ser solidária, Consuelo, quando se vê em risco a própria pele?
Consuelo em 1968
Consuelo em 1968
[ Consuelo de Castro ] Eu visitei meu namorado por mais de 5 anos. E com ele, visitava os outros presos, 33 se não me falha a memória. Ou seja, eu visitava o PAVILHÃO CINCO! Eram 33 cuscuz, 33 camisetas, 33 tudo! Mas a solidariedade não era privilégio ou atributo meu, de modo algum. Era a força das famílias, dos amigos e de figuras públicas da maior grandeza, como D. Paulo Evaristo Arns, de gente, enfim, que fazia o possível para minimizar o sofrimento dos presos.
Uma curiosidade. De todas as comissões de familiares, amigos, etc, entrei na comissão dos pais, pelas mãos do pai do meu namorado, um cara extraordinário. Nós nos tornamos um grupo unidíssimo, os pais e eu. Um desses pais, o que mais marcou, porque a amizade continuou, foi o Dr Vanucchi, pai do nosso brilhante Vanucchi. Era inteligentíssimo, culto, forte e terno, de uma solidariedade comovente.
Como foram teus dias de vigília – e como vigia ao lado dos estudantes, dos combatentes – na Batalha da Maria Antonia? Haviam outras mulheres nessa luta?
[ Consuelo de Castro ] A batalha da Maria Antonia culminou um processo de isolamento e pressão de meses. Por parte da polícia do Estado e do Comando de Caça aos Comunistas (CCC). Mas havia muitas outras mulheres na batalha, verdade que não tantas quantas seriam hoje. Éramos todas muito ativas, convictas de que tínhamos uma luta a travar e que essa seria não apenas a luta de nossa juventude, mas de nossas convicções, para sempre. Foi ali que escrevi Prova de Fogo. No olho do furacão e no furacão propriamente dito.
Foi ali que te inspirou escrever aquela peça em que um dos personagens é o Zé Dirceu?
[ Consuelo de Castro ] Por incrível que pareça o meu personagem ZÉ FREITAS NÃO É O ZÉ DIRCEU. Venho falando isso há décadas e ninguém acredita! Acho que nem o próprio Zé. O personagem é colado nele, tem muitos traços dele, inclusive um apelido que eu dei a ele (Ronie Von das massas), mas não é ELE. Como nenhum outro é. Todos são colagens.
Você acaba de lançar Três histórias de Amor e Fúria, trilogia de três peças encenadas. E agora, quais os novos projetos? O mais acalentado, o que a gente pode esperar que vem em 1º lugar?
livroconsuelo[ Consuelo de Castro ] Estou escrevendo crônicas, para juntar às já publicadas na Revista Inteligência e pretendo completar um livro. Tenho armada uma comédia, comédia lascada, besteirol total. Fase de buscar o riso, esse santo remédio, essa benção. Em primeiro lugar, pretendo por no palco um texto que conclui em fevereiro de 2013 sobre a Maria da Penha – essa mulher coragem, esteio e alma da lei 11.340, que justamente ganhou o seu nome e é uma das leis mais completas do mundo contra a violência doméstica.
Você que tanto lutou para se chegar até aqui está otimista com o país, com o futuro do Brasil?
[ Consuelo de Castro ] Eu vejo o Brasil dentro de uma construção permanente da democracia. Saímos das trevas da ditadura e entramos num processo lento de democratização, que acelerou e se consolidou nos governos FHC, se fortaleceu e ampliou nos governos Lula, e vem se fortalecendo e ampliando no governo Dilma. Eu acredito na democracia, sonho da minha juventude, luta da minha vida, da vida de todos os brasileiros de boa vontade, da minha geração e das que vieram.
Com um detalhe:
Sou daquelas pessoas que assistiam à TV JUSTIÇA direto. Tinha orgulho do Supremo Tribunal Federal como se fosse uma conquista pessoal, fruto de uma luta pessoal. Quem viveu sob a tirania por tantos anos sabe o que é ter um judiciário democrático! Sei de cor as falas de juízes em algumas sessões históricas, como a que proibiu a briga de galo: posso dizer a fala do Celso de Mello inteirinha, contando o sofrimento do galo em nome de um prazer mórbido dos apostadores. É linda, é brilhante.
Mas fiquei muito decepcionada com a atuação do STF no julgamento da Ação Penal 470. E me causa uma perplexidade enorme e dolorida ver preso, e em condições legais discutíveis, o meu irmão José Dirceu.