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Álbum de figurinhas

Raimundinho e o "Sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor"...
O chão salpicado de flores rosadas e o vento que sopra entre as copas das árvores fazem tão parte da casa de Raimundinho quanto o sofá branco com estofado à mostra, a cômoda que abriga as roupas que veste e a penteadeira adornada com a imagem de Jesus Cristo e uma bandeirinha do Brasil.
Prestes a completar 40 anos anos, o morador de rua ocupa a área à sombra de dois jambeiros à margem da Rua Francisco Orellana e dorme a uma distância de 1,7 km a pé da Arena Amazônia – “agora o bairro ficou mais bonito por que temos uma nave espacial: de noite ela liga”. Em uma das três ou quatro vezes que passei à beira da sua casa, o catador de materiais recicláveis, que teve educação formal até a quinta série, é dependente químico e diz ser pai de 13 filhos com três mulheres diferentes, conversou comigo.
O papo foi bom, mas o texto demorou a sair (já passei por Cuiabá, Brasília e estou a caminho de Fortaleza nesse momento) por que fiquei na dúvida sobre se deveria ou não transformar nosso diálogo em um micro perfil.
Resolvi fazer outra coisa.
Separei apenas a íntegra de um trecho da conversa, que, penso, faz um retrato mais interessante de “Eu, sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor” do que o cântico que é entoado a todo momento nos estádios.
Vi que você tem uma imagem de Jesus Cristo no armário. Por quê?
Eu sou muito religioso. Respeito muito, não importa qual religião, por que Deus pra mim só é um.
Vi também uma bandeirinha do Brasil…
Sou brasileiro, e isso aí eu não nego. Tinha uma grandona, mas que se acabou na chuva.
E o que significa ter essas bandeiras para você?
Eu tenho orgulho de ser brasileiro. Eu acho que nunca vou trair meu país que nem um bocado de gente que faz dinheiro aqui e leva para fora, entendeu? Um cara desse pra mim não é brasileiro. Ele tem que investir no país dele. (…) Nicolau, Lalau. Ouviu falar no Nicolau? (…) Foi condenado a 30 anos, mas não chegou nem na delegacia. Mas é ele, né? Tem estudo, dinheiro, poder. Mas não tem Deus com ele, por que quando morrer não vão levar é nada.

Desvio de verba? Obras superfaturadas? Desapropriação indevida? Abuso policial? Acho genial que, apenas com um plural deslocado na última frase, Raimundinho é capaz de estender o seu recado para bem mais gente.
***
Uma Copa do Mundo se faz com pessoas.
As que entram em campo, as que viajam para testemunhá-la, as que enchem as ruas, as que se voluntariam, as que torcem e as que veem no evento uma oportunidade para garantir seu sustento ou para extravasar.
A seção “Álbum de Figurinhas” pretende contar, com um microrrelato artesanal e um retrato por dia, a história de algumas dessas pessoas, muitas vezes invisíveis, que povoam os bastidores da Copa do Mundo do Brasil.
Para ler todos os textos, basta entrar no nosso Álbum de Figurinhas.
Ismael dos Anjos

É mineiro, jornalista, fotógrafo, devoto de Hunter Thompson e viciado em internet. Quanto mais abas abertas, melhor.





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Álbum de figurinhas

Alex e o buteco improvisado na praça
Sonho de todo jornalista: banca + buteco
Se a ironia estivesse à procura de um endereço, ela teria uma morada certeira na Praça Popular de Cuiabá, capital do Mato Grosso. Reduto badalado da cidade, a região que fica a dois quilômetros da Arena Pantanal cobra sua fama – e seu preço – em época de Copa do Mundo: entre os cerca de dez bares abertos e espalhados pela região na última terça-feira, 30 reais era o preço médio das entradas cobradas de quem quisesse assistir ao jogo entre Brasil e México.
Mas se a ganância floresce durante o Mundial, as oportunidades também.
Aos 33 anos de idade, Alex é dono da banca de jornais e revistas que ocupa um dos lados da praça há pouco mais de três. Acostumado a levantar as portas de seu negócio às 7h30 da manhã e encerrar o expediente às 21h30, ele fez da Copa do Mundo sua rotina antes mesmo que chilenos, russos e colombianos botassem os pés no Centro-Oeste.
Primeiro, arrumou algumas cadeiras e mesas e transformou sua banca em um ponto de encontro para troca de figurinhas do álbum do torneio – são três grupos de WhatsApp dedicados aos clientes apaixonados pelo tema. Mais tarde, com as partidas prestes a começar e a ajuda da esposa, resolveu dar outro destino ao espaço. Encheu um freezer de cervejas, refrigerante e água, instalou um televisor na parede externa da banca e passou a oferecer, sem entrada ou consumação mínima, um buteco improvisado entre os bancos e as árvores de uma das regiões mais valorizadas da cidade.
No primeiro evento-teste da nova fonte de renda, a farra pós-jogo de Chile 3 X 1 Austrália, a tampa da geladeira só foi fechada às 5h30 da manhã. A prorrogação valeu à pena: em um mês regular, a banca arrecada entre 3 e 4 mil reais. Naquela noite, o faturamento foi de R$ 9 mil.
Quando a criatividade e o improviso são padrão Brasil, pouco importa se o butequim não é padrão Fifa.
* * *
Uma Copa do Mundo se faz com pessoas.
As que entram em campo, as que viajam para testemunhá-la, as que enchem as ruas, as que se voluntariam, as que torcem e as que veem no evento uma oportunidade para garantir seu sustento ou para extravasar.
A seção “Álbum de Figurinhas” pretende contar, com um microrrelato artesanal e um retrato por dia, a história de algumas dessas pessoas, muitas vezes invisíveis, que povoam os bastidores da Copa do Mundo do Brasil.
Ismael dos Anjos


É mineiro, jornalista, fotógrafo, devoto de Hunter Thompson e viciado em internet. Quanto mais abas abertas, melhor.

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Neymar não sabe o tamanho do Brasil

Eu imagino.
Mas tudo bem, acho que o Valdenor também não faz e confesso que, até ontem, eu também não fazia. Para quem vem de uma Padre Rossini Cândido e de uma Mateus Grou, assistir um jogo de Copa do Mundo em uma Rua batizada apenas com o número 3 é outra coisa.
Valdenor (Calheiros) Sousa. “Melhor não falar esse sobrenome, né? Vai  que o pessoal da rua acha que aqui em casa tem dinheiro”
Valdenor (Calheiros) Sousa. “Melhor não falar esse sobrenome, né? Vai que o pessoal da rua acha que aqui em casa tem dinheiro”
Aterrisei em Manaus às 13h08 de quarta-feira – ainda com São Paulo na cabeça e no corpo. Entre ontem e hoje, fui dominado aos poucos pelo calor, metereológico e humano, do Norte do país.
No bairro Alvorada, região humilde em que nasceu o lutador do UFC José Aldo, Copa do Mundo significa muita coisa: alegria, paixão churrasco, festa e dinheiro, pra começo de conversa. Em uma vaquinha coletiva e uma série de bingos que começaram bem antes da primeira seleção desembarcar no País, os moradores arrecadaram R$ 60 mil para cumprir a tradição de enfeitar chão, muros, calçadas e postes.
Na Rua 3, a Copa é outra: amanhã sai o resultado do concurso da Ana Maria Braga, e eles podem ser eleitos a rua mais bonita do Brasil no Mundial
Na Rua 3, a Copa é outra: eles esperam o resultado do concurso da Ana Maria Braga, e eles podem ser eleitos a rua mais bonita do Brasil no Mundial
É muito dinheiro? Sem dúvida. Mas é impressionante perceber que valor não se mede em notas. Na rua em que Ayrton Senna e David Luiz dividem espaço no colorido do asfalto, críticas à corrupção, à FIFA e à CBF também têm vez, mas não tiram o ânimo de quem investe R$ 400,00 só em cerveja para enxergar pouco mais de R$ 700,00 entrar no caixa improvisado e não vê problemas em distribuir latinhas como cortesias da casa.
Sim, é verdade que ativistas foram detidos para averiguação prévia no Rio antes mesmo da bola rolar. Também é verdade que manifestações em Belo Horizonte terminaram em porrada, tiro, bomba e uma biblioteca pública quebrada. Só nåo podemos esquecer que verdades são múltiplas, e o Itaquerão encerrou seu dia com um moleque de 22 anos rindo à toa – sorriso compartilhado de ponta a ponta na Rua 3.
Vai ter Copa? Está tendo, no campo e fora dele. O Brasil é tudo isso, para o bem e para o mal, mas fico feliz em perceber que, para o Neymar, o país é verde, retangular e tem quatro linhas.
rua3-3
– Eu sou o Neymar! – Eu também.
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Até o tatu-bola fuleir… Fuleco teve seu lugar
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Vai ter Copa. E vai ter barulho.
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Unha e carne com a Seleção
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“Capricha nesse penâlti, meu filho”
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Na hora do jogo, qualquer televisão é telão
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Fim do dia e fim de jogo na Rua 3.
* * *
As Copas são muitas, e existem mesmo para quem não tem ingresso na mão. Há a atmosfera de gritos e alegria. Um povo inteiro se veste de anfitrião. Joga bonito. E também joga-se feio. Existem desvios de verba, remoções, ausência de diálogo com a sociedade civil.
No proximo mês, vou percorrer boa parte do Brasil  – nove cidades-sede – em busca de entender como todas essas histórias coexistem e se desenrolam – às vezes dentro de uma mesma pessoa.
mapa
No Google Maps não parece tão complicado.
A missão, batizada de “PapodeCopa”, é ouvir, apreender e falar. Se tudo correr bem, entre texto, fotos e diálogos na caixa de comentários, teremos uma conversa sobre Brasil, futebol e pessoas.
Ismael dos Anjos

É mineiro, jornalista, devoto de Hunter Thompson e viciado em internet. Quanto mais abas abertas, melhor.