PML - Quando falta menos de 24 horas para uma eleição que teve altos e baixos mas, de seu ponto de vista, entrou na reta final em céu de brigadeiro, a campanha de Dilma Rousseff tem duas preocupações no caminho das urnas.
A primeira é impedir que o surto lacerdista dos aliados de Aécio Neves, que enfrenta o risco real de uma dupla derrota no primeiro turno — em Minas Gerais e no plano federal — possa criar um clima desnecessário de tensão política, acima dos padrões aceitáveis de convívio democrático e civilizado. A presidente enxerga a tentativa de impugnar sua candidatura — e até sua posse, nas palavras do deputado tucano Carlos Sampaio — como simples operação para disfarçar um fracasso eleitoral de dimensão histórica, que parecia impensável, quando a campanha começou.
Entre auxiliares de Dilma, a denúncia contra os Correios, acusados de manipular a distribuição de material pago para prejudicar os adversários, nunca foi levada a sério: faltam qualquer indício para dar substância a acusação. ” É a clássica tentativa de criar um bode expiatório. Nosso adversários vão sofrer muito até encontrar uma explicação para a derrota em Minas Gerais, até mais surpreendente que o desempenho na campanha presidencial.”
A outra preocupação de Dilma é evitar um ambiente de festa antes da hora — que pode se transformar em decepção e desmobilização caso as urnas não confirmem aquilo que dizem as pesquisas. Na tarde de sexta-feira a pesquisa telefonica da campanha presidencial — chamada de
trakking entre especialistas — marcava um placar que, se for confirmado no domingo, indica que Dilma já pode ter alcançado o mínimo de 50 + 1 dos votos necessários para liquidar a fatura no domingo. Conforme os dados apurados pela campanha do PT, e que devem ser vistos com cautela redobrada pois se trata de pesquisa feita pela parte interessada, a candidata do PT chegou a 44% das intenções de voto. Aécio Neves possui 20% e Marina, em queda, encontra-se em 18%. Outro levantamento mostra números mais modestos: 43, 23 e 20, respectivamente.
A questão é o impulso do PT na chegada. Acredita-se que entre a noite de sexta e a manhã de domingo aquela massa de militantes que vive a anos-luz de qualquer coisa que possa ser chamada de vida partidária mas que não perdeu compromisso com o governo Dilma poderá se colocar de pé na tentativa de garantir os votos que faltam. Um dado da matemática da campanha é que Marina tem perdido votos que Aécio não consegue recuperar e boa parte deles acabam no cesto de Dilma, contribuindo para aproximar a candidata dos 50% = 1.
A agenda de Dilma até domingo está definida. A presidente vai a Belo Horizonte, no sabado, onde fica até o começo da tarde. Em seguida, toma o avião para Porto Alegre. Aproveitará para reforçar a campanha de Tarso Genro, que ultrapassou a adversária Ana Amélia e irá para o segundo turno com boa vantagem. Dilma toma o café da manhã na capital gaúcha, em companhia de Tarso e de Olívio Dutra, candidato ao Senado, que também enfrenta uma posição de empate técnico com o principal adversário. Em seguida, retorna para Brasília, para aguardar pela apuração. A campanha prevê que depois das oito da noite de domingo será possível ter uma ideia da votação, quando deve ser convodada uma entrevista coletiva.
O crescimento da candidatura Dilma parece ocorrer em vários lugares. Na sexta-feira, Lula e Dilma fizeram uma mobilização pela região central de São Paulo, à frente de entidades sindicais e outras lideranças do movimento popular. “Não sei se vai dar primeiro turno mas o clima é de vitória,” afirma o metalúrgico João Carlos Gonçalves, o Juruna, secretário geral da Força Sindical, que mobiliza uma parcela da central — oficialmente comprometida com Aécio — no apoio a Dilma. A campanha em Minas Gerais, que até agora era vista como um cartão de visitas do candidato do PSDB, aponta para uma definição favorável a Fernando Pimentel no primeiro turno. É a grande tragédia tucana e, do ponto de vista do PT, o resultado mais espetacular de uma campanha onde as urnas de São Paulo prometem castigar Alexandre Padilha com uma das piores votações da história.
Em terceiro lugar nas pesquisas presidencias em Minas, de onde chegou a imaginar que poderia sair com uma vantagem de até 4 milhões de votos, o próprio Aécio Neves foi obrigado a reforçar a presença em seu berço político, sob o risco de um vexame de consequencias imprevisíveis. No Rio Grande do Sul, a campanha para o governo de Estado confirmou a virada de Tarso Genro, que vai para o segundo turno para uma disputa sempre difícil, mas com uma liderança isolada.
Na reta final do primeiro turno, era difícil não suspeitar de algo estranho no ar da campanha presidencial de 2014 — e não são simples aviões de carreira.
O esforço ridículo para denunciar o uso dos Correios na campanha eleitoral Durante oito horas, um cidadão chamado Jac de Souza Santos manteve um ambiente de tensão em Brasília, na semana passada. Armado de um revólver de brinquedo e de cartuchos de plástico, ele fez um funcionário de refém diante de câmaras de TV e dos jornais. Era uma pegadinha clássica e delirante mas a polícia deu um novo tratamento ao caso. Informou aos jornais que se tratava de um sequestro político.
O delegado, que poderia ter empunhado um binóculo que permitiria a qualquer cidadão identificar o tipo de armamento usado por Jac de Souza Santos, fez sua parte para elevar o clima de ensão artificial na última semana da campanha presidencial. Lembrou que a cena se passou no hotel Saint Peter, aquele que chegou a oferecer um emprego de R$ 20 000 a José Dirceu, quando ele procurava um lugar para cumprir pena em regime semi-aberto. O delegado também disse que a varanda onde Jac exibiu-se em companhia da sua vítima ficava no 13o andar e logo associou esse número ao PT. Em breve, Jac era tratado como ” terrorista. “Tchan, tchan, tchan, tchan…
O caso estava destinado a se tornar uma anedota policial, fugaz e inofensiva, mas as autoridades decidiram levar a serio o revolver de plástico de Jac de Souza Santos. Depois de ficar preso “em flagrante” por dois dias, ele foi transferido para a penitenciária Papuda, onde irá cumprir um regime de prisão preventiva. Seu advogado recorreu para que possa defender-se em liberdade, mas isso deve ocorrer dentro de duas semanas, em pleno calor intenso do segundo turno da campanha presidencial — se Dilma não tiver feito 50% + 1 neste domingo.
Acusado de cárcere privado e de submeter sua vítima a sofrimento psicólogo, Jac está sendo ameaçado de pegar uma pena de dois a oito anos de prisão, se for condenado. Com antecedentes políticos curiosos — foi filiado ao PP, esteve próximo de uma prefeitura do PSDB — trata-se de um cidadão ideal para ser convencido a fazer uma delação premiada, disparando acusações convenientes em alvo a ser definido por seus algozes, nas próximas semanas. Alguma dúvida?
Será possível esquecer o que se fez no sequestro de Abílio Diniz, em 1989?
A campanha de Dilma age corretamente em sua postura de esvaziar toda tentativa de aquecer a temperatura política sem necessidade. A presidente tem o dever constitucional de proteger a democracia, que deu uma prova de vigor numa campanha que enfrentou uma tragédia como a morte de um dos principais correntes — e nem por isso perdeu o rumo. Cabe seguir neste caminho, evitando interferências alheias a vontade do eleitor, que tem na urna chance de provar sua soberania.