Deu muito trabalho, mas é algo que, infelizmente, a imprensa brasileira, com todos os seus recursos, não se dignou a fazer. O Tijolaco.com foi buscar os documentos publicados pelo jornal inglês “The Guardian” para demonstrar que, sendo verdadeiros, se trata de de um escândalo mundial que não pode ser abafado pela mídia.
Israel não só ofereceu armas nucleares para a África do Sul, como o fez por “identidade de aspirações e interesses”, como escreveu o então ministro da Defesa de Israel e hoje presidente do país, Shimon Peres, em carta ao secretário de Informação da África do Sul, E.M.Rhoodie, datada de 22 de novembro de 1974, quando as negociações ainda estavam em curso.
A África do Sul era um país isolado pela comunidade internacional pela sua política racista do apartheid . Estava sob embargo mundial e nem nos Jogos Olímpicos era aceita. Em relação a esse estado condenado por seu segregacionismo, Israel manifestava um apreço impressionante pelo que se constata na carta de Peres, um dos documentos revelados pelo The Guardianpara comprovar a negociação nuclear entre os dois países.
Peres inicia a correspondência agradecendo os esforços de Rhoodie nos encontros que tinham acontecido naquele mês, em Pretória, e escreve que a cooperação entre Israel e África do Sul se baseava “não apenas nos interesses comuns e na determinação similar de resistir aos nossos inimigos, mas também nos inabaláveis fundamentos de nosso ódio comum à injustiça e de nossa recusa de se submeter a ela.”
O texto é um primor de sarcasmo na referência ao ódio à injustiça em se tratando de uma África do Sul que a praticava diariamente em sua repugnante política com base na superioridade de brancos sobre negros.
Os documentos revelados peloThe Guardian são esmagadores e não deixam nenhuma dúvida sobre a negociação em curso. Em um memorando secreto de março de 1975, do chefe militar da África do Sul, general RF Armstrong, duas suposições foram feitas sobre o sistema de armamentos oferecido por Israel: que os mísseis seriam armados com ogivas nucleares manufaturadas na África do Sul ou obtidas em outro lugar, e que os mísseis teriam uma longevidade aceitável de modo que se mantivessem estáveis e operacionais por um considerável número de anos enquanto estivessem armazenados.
A primeira suposição seria inexeqüível, já que a África do Sul não tinha a menor condição de construir armas atômicas. Em um encontro posterior entre Peres e o ministro da Defesa sul-africano Pieter Botha, em Zurique, as referências ao Projeto Jericho, de armas nucleares israelenses são claras. Nessa época, o projeto era conhecido pelo codinome Chalet, nome usado no documento oficial e já revelado, antes da publicação do jornal inglês, no livro How SA built six atom bombs. (Como a África do Sul construiu seis bombas atômicas)
As minutas do encontro classificado como” top secret” registram que o “ministro Botha manifestou interesse em um número limitado de unidades do Chalet, sujeito à disponibilidade correta da carga. O ministro Peres disse que a carga correta estava disponível em três tamanhos. O ministro Botha expressou sua satisfação e disse que faria consultas.
O The Guardian, os três tamanhos fariam referência a armas convencionais, químicas e nucleares. Para o jornal inglês, o eufemismo “carga correta” (correct payload) reflete se tratar de arma nuclear pois não seria utilizado no caso de armas convencionais.
A África do Sul opta pela aquisição de armas nucleares por ter concluído que as ameaças ao país estavam se tornando um real perigo a curto prazo. O país do apartheid vislumbrava a possibilidade de que um inimigo, assumindo identidade africana ou de um exército de libertação, poderia adquirir e lançar contra ele um ataque com arma nuclear.
O memorando apontava a China como a potência nuclear mais provável de se associar a “tal aventura”, e citava o diretor da “Agência Central de Armas” dos EUA, que sustentava que as armas nucleares se tornariam disponíveis a grupos subnacionais – rebeldes - nos próximos 10 anos.
Os documentos, tornados disponíveis pela África do Sul, revelam que a existência do acordo deveria ser secreta, o que foi aceito pelas duas partes, com a assinatura de Peres e do ministro da Defesa sul-africano Pieter Botha.
E ficou secreto por mais de 30 anos.
A verdade, porém, nunca pode ser oculta indefinidamente. A surge justamente agora, quando o mundo precisa ver quem é quem nesta discussão sobre controle da energia atômica.