Gosto de ter os pés no chão, ainda que nem sempre consiga isso. Não gosto da expressão "Lula Inocente", por pressupor uma pureza dentro de um mundo sujeito a maldades, mutretas e seduções. Ser “inocente” dá uma conotação de pureza que a gente não encontra sequer dentro do Vaticano. Nem sempre a ideia de inocente tem como objetiva contraposição a palavra “culpado”. Sim, Lula é inocente sob o ponto de vista da objetividade material que o mundo do Direito exige. Mas é a narrativa de pano de fundo que alimenta o imaginário da condenação. Mas a inocência vem associada a um purismo angelical exigível onde ele não existe. Esse político puro e santo só existe no ódio de Sejumoro contra Lula.
Fui, durante um ano, chefe da unidade de segurança privada em São Paulo. Se tivesse acolhido todos os convites para almoços e jantares estaria obeso e mal falado. Afinal, qualquer pleito legal reconhecido por mim seria lido como favor, no mínimo em troca de comida, se fosse julgado por Sejumoro. O guardanapo das comilanças e a falta de comprovante de que não paguei minha parte seria a prova de que sou corrupto. Não haveria diálogo civilizado, busca por soluções. Tudo seria conchavo ou barganha, e eventual sucesso de uma daquelas empresas me converteria “proprietário atribuído”. Depois de inventar o “Crime do Ia”, a Farsa Jato inventou a ”propriedade atribuída”.
Ao assumir aquela delegacia, havia uma norma invisível: “sentou do outro lado da mesa é bandido”. Eu queria quebrar essa regra, pois para mim empresário é investidor, dá emprego e os sérios, quando errados, querem orientação para se corrigirem. Conquistei respeito do setor empresarial, mas internamente, de soslaio e quase como censura, diziam que eu costumava “fazer de graça aquilo que qualquer um venderia”. Portanto, se eu estivesse sob as garras de Sejumoro, certamente “teria levado algum”, por algum “ato inespecífico”, em troca de contraprestação “difusa, futura e indefinida”.
Conversei, de forma indistinta, de empresário a vigilante, da pequena à grande empresa. Como falei com muitos, qualquer proposta de algum favorecimento que pretensamente alguém me tivesse feito, mesmo não aceita, confirmada por algum garçom que serviu minha mesa, seria prova de meu envolvimento em falcatrua. Eu era chefe e tinha domínio do fato.
Confesso ter sido imprudente num mundo no qual não se pode ser inocente. Sofri até tentativas de assédio impublicáveis. Presentes enviados para minha casa foram recusados na portaria de meu prédio e perdi as contas das chácaras, sítios, stand de tiro colocados à minha disposição a “hora que o senhor quiser”. Fui sondado para camarotes em desfile de Carnaval em São Paulo, Rio de Janeiro, Galo da Madrugada (Recife)... (Tudo recusado)
Alguns assédios tiveram requintes de individualização, pois até as letras da placa de meu carro foram ridiculamente personalizada. Então eu, para ser honesto, deveria ir correndo ao Detran e mudar tudo. E foi assim que quebrei a regra da mulher de César. Se meu juiz fosse “aquele um”, meus atos de “improbidade” seriam elencados para o Jornal Nacional, de forma a criar a mostrar a convicção, preferencialmente num “poipont” (Lula).
Inocência. Quantos delegados não são ou foram assediados? Quantos, para conseguir pontuação em cursos de especialização, trabalhos de mestrado ou doutorado não mendigaram ou foram assediados para publicação de seus artigos? O que dizer de participações em seminários no Brasil e no exterior, com tudo pago “pelo além”? Ah! Um ex-correspondente da Folha de S. Paulo, em Nova York, me confidenciou um convescote para onze juízes, patrocinado por um doleiro paulista, com direito a visita ao Condomínio Biscayne (Miame/USA), de propriedade de um polêmico juiz federal já afastado.
Se um delegadinho chinfrim como eu fui assediado, por quê juizeco (de Curitiba ou não) não o seriam? Por que procuradores da República iriam fazer jejum para não ceder a essa tentação? Por que Lula não seria assediado? Soa natural que parentes e aderentes de Lula possam ter se dado bem. Qual o empreendedor com algum recurso que não gostaria de ter como sócio um parente de Lula, mesmo que esse parente só tivesse 1% do capital? Quantos caminhos preferenciais não se abririam para empresas e profissionais nessas condições? Quantos empresários não colocaram bens à disposição de uso de um presidente da República? Posso presumir que por imprudência e ou negligência, aqui ou ali algo possa ter transposto limites da ética, mas muito longe da corrupção no sentido legal absoluto.
Eis a hipocrisia em sentido máximo. Ela é pano de fundo na sacramentação do Poder Judiciário. Qualquer sindicância mal feita derrubaria mais da metade do Poder Judiciário brasileiro (Com a palavra a ex-ministra Eliana Calmon, para quem é impossível acabar com a corrupção no Poder Judiciário).
Quando alguém arrota a condenação do Lula e sua manutenção pelos seus pares, não consigo me desvencilhar desse pano de fundo. Falam como se juizeco, desembargador, ministro viessem de outro planeta. Santa hipocrisia. Vi, recentemente uma nota da Associação de Juizes “absurdados” por que jogaram tinta vermelha no prédio da Madre Superiora. Ficaria mais feliz se tivessem se posicionado sobre o encontro secreto dela com Fora Temer, na calada da noite.
Sacramentação do Judiciário? Vamos lembrar da desembargadora tresloucada que ofendeu a memória de Mariella; o juiz que usou o carro apreendido de Eike Batista; outro que disparou tiros num supermercado na região Nordeste; o juiz condenado na Operação Anaconda, Nicolau dos Santos Neto. Tem aquele que prendeu por desacato uma fiscal de trânsito e outro que processou o porteiro porque queria ser tratado por “dotô”. Tem a desembargadora que mandou soltar o filho envolvido em tráfico. Finalmente, aquele das prisões ilegais, sentenças ocas, que vazou conversas entre Dilma e Lula. Isso não é corrupção?
Estava escrevendo esse texto, quando vi um certo vídeo. Nele, um velhote ensandecido, se declarando rico e proprietário de um prostíbulo, despiu uma funcionária como símbolo de seu sucesso. Na fachada do bordel colocou as fotos de Moro e de Carminha, para comemorar a prisão de Lula. Não vi nenhuma nota da associação dos juízes sobre isso. Afinal, mais que extensão da unanimidade condenatória de Lula, as fotos de Sejumoro e Carminha no puteiro simbolizam a moral do golpe...
Armando Coelho Rodrigues Neto - jornalista sem papa na língua, advogado, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo.