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Os exílios de Lula e Getúlio


Dois golpes de Estado. Os dois maiores presidentes da história republicana brasileira alijados da política institucional. O primeiro em uma cela na fria Curitiba, o segundo em uma estância em São Borja.
Estamos em 1945, e com a iminente vitória dos aliados na Segunda Guerra Mundial, não existiam mais condições políticas para a continuidade de um regime totalitário no Brasil. O Estado Novo estava com os dias contados. Os ventos da democracia liberal, representada pelos Estados Unidos, sopravam na América latina, e Getúlio Vargas tinha plena consciência disso.
Porém, assim como hoje, os liberais da época, representados principalmente pela União Democrática Nacional (UDN), eram democratas na medida em que esse sistema não afetasse os interesses da classe dominante[1].  O problema era combinar com os “russos”, ou seja, era a vontade popular. Getúlio, o homem dos direitos sociais, da indústria de base, do nacional-desenvolvimentismo, continuava querido pelo povo, mesmo após oito anos de ditadura (1937-1945).
Vargas se compromete com a redemocratização, e em maio de 1945 é lançado o “queremismo”, movimento que reivindicava o adiamento das eleições presidenciais e a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte. Com a confirmação das eleições, defendia o lançamento da candidatura de Getúlio a presidência. O partido comunista brasileiro, que havia acabado de sair da clandestinidade, aderiu à campanha, defendendo a “Constituinte com Getúlio” e obtendo ampla adesão entre os trabalhadores urbanos das grandes capitais[2].
O exército brasileiro, após a participação na segunda guerra, vinha sofrendo crescente influencia estadunidense, e os militares resolvem exorcizar de vez a figura do presidente, o retirando da chefia do executivo através de um golpe de estado, em 29 de outubro de 1945. Sem condições políticas para se lançar a corrida presidencial, Getúlio é eleito senador por São Paulo e Rio Grande do Sul, e deputado federal por seis estados diferentes (na época a legislação eleitoral permitia).
Acossado por todos os lados (militares, parlamento, imprensa), a vida política na capital federal se torna inviável para o novo senador, que opta por passar longos períodos em uma estância de sua família em São Borja, na fronteira com a Argentina, a 594 quilômetros de Porto Alegre.
“Foram vários os pedidos de licença apresentados pelo ex-presidente, períodos em que permaneceu sempre em São Borja. Ao longo de todo o seu mandato, Vargas ocupou a cadeira de senador intermitentemente por apenas dois anos. Quando se encontrava em plena campanha eleitoral para a presidência da República, justificou as sucessivas licenças afirmando que o ambiente criado ao seu redor no Senado tornara impossível sua permanência; sua residência encontrava-se vigiada, os telefones censurados, e os amigos perseguidos” [3].
Sua principal fonte de informações no Rio de Janeiro era a filha, Alzira Vargas, com quem se correspondia diariamente. São Borja passa a receber uma procissão de políticos e jornalistas. Getúlio deixa a semi-aposentadoria e prepara a sua volta através do voto popular, apostando na impopularidade do projeto liberal da UDN[4], sendo eleito presidente em 1950:
“Pouco a pouco, a pequena cidade gaúcha de São Borja transformou-se em passagem obrigatória para os políticos que iam à procura de Vargas, em busca de conselho ou ansiosos por seu apoio eleitoral. E foi da mesma São Borja, assim como de Itu ou Santos Reis, as estâncias da família, que Vargas se manteve permanentemente informado, principalmente através da correspondência mantida com filha, Alzira Vargas do Amaral Peixoto, sua melhor e mais segura informante dos acontecimentos políticos do país. Foi principalmente por intermédio desta correspondência que Vargas definiu os passos futuros, elaborou pronunciamentos, corrigiu estratégias, disposto sempre a manter um progressivo retraimento até conseguir reajustar a situação, e assim manter o controle sobre o partido e suas ações. Mesmo que esta progressão pudesse chegar à retirada da atividade política e à renúncia do mandato. Era um risco que sabia estar correndo”[5].
Avançamos até 2016. A presidenta Dilma Rousseff é deposta por um golpe parlamentar. O “problema” é que o maior líder popular da história do Brasil estava vivo. Física e politicamente, apesar do massacre midiático que só teve precedentes na história brasileira justamente com Getúlio, no segundo período de sua presidência (1951-1954).
Era preciso neutralizar esse potencial político, coisa que nem o Jornal Nacional e suas 18 horas de ataques no período de doze meses havia conseguido. É quando entra em cena a República de Curitiba, que assim como a República do Galeão, em 1954[6], passa por cima de todas as garantias constitucionais para decretar a prisão de Luiz Inácio Lula da Silva, em 05 de abril de 2018 e o impede de concorrer às eleições presidenciais daquele ano.
Neste processo todo, não bastava prender Lula, era preciso calar a sua voz, e a força-tarefa da Lava Jato, como revelaram as recentes reportagens do The Intercept, se empenhou para impedi-lo de dar entrevistas, com medo de seu potencial de transferência de votos para o candidato Fernando Haddad, demonstrando não ter o mínimo compromisso com o princípio constitucional da liberdade de expressão[7].
Na cela de 15 metros quadrados, nesse um ano e meio de prisão, ele vem recebendo visitas de personalidades de destaque de vida política, cultural e religiosa do Brasil e do mundo. Leonardo Boff, Pepe Mujica, Noam Chomsky, Adolfo Esquivel, Baltazar Garzón, Dilma Rousseff, Celso Amorim, Fernando Haddad, Bresser Pereira, Jean-Luc Mélenchon, Alberto Fernandez, Chico Buarque, dentre outros.
Lula assim como Getúlio, está preparando a sua volta. Como futuro candidato à presidência, como um simples militante, isso ainda não se sabe. O que se percebe nas suas entrevistas é a grande preocupação com os ataques aos direitos sociais e a perda da soberania nacional expressa na profunda submissão do governo Bolsonaro aos interesses estadunidenses.
Por hora, o que a história nos ensina é que nem o exílio, o isolamento, é capaz de anular a influência de lideranças como Getúlio Vargas e Luiz Inácio Lula da Silva, e que o Brasil continua na encruzilhada: se conformar em ocupar uma posição periférica no capitalismo mundial ou apostar em um projeto de desenvolvimento autônomo e soberano.

“E aquilo que a nossa pastora disse, e eu tenho dito em todo discurso, não adianta tentar me impedir de andar por este país, porque têm milhões e milhões de Boulos, de Manuelas, de Dilmas Rousseffs neste país para andar por mim.Não adianta tentar acabar com as minhas ideias, elas já estão pairando no ar e não tem como prendê-las” (discurso de Lula antes da prisão, no Sindicato dos Metalúrgicos em São Bernardo).

por Rafael Molina - formado em Direito, membro do coletivo estadual dos Direitos Humanos do estado de São Paulo e da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD

Lula é maior que Getúlio


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Que Lula há muito tempo deixou de ser homem e se tornou uma instituição é consenso à direita e à esquerda. O que está em jogo, em disputa, é o significado da instituição, o que ela representa.
Lula é o maior corrupto da história do Brasil ou a principal liderança popular que esse país já teve?
A disputa está ai. No atual estado da situação não sobrou muito espaço para meio termo. Ou é uma coisa ou é a outra. Cada um que escolha seu lado.
Na condição de instituição, todo gesto de Lula tem dimensão simbólica, é lido e interpretado por todos, por detratores e admiradores. Lula pega o microfone e o país paralisa em frente à TV. Os admiradores choram. Os jornalistas a serviço da mídia hegemônica silenciam. Ninguém fica indiferente a uma instituição desse tamanho.
Lula sabe perfeitamente que está sendo observado, conhece muito bem o tamanho que tem e explora com extrema habilidade sua capacidade de fabricar símbolos.
Aqui neste ensaio, trato de uma parte muito pequena da biografia de Lula, mas que talvez seja, na perspectiva simbólica, a mais importante. Talvez seja até mais importante os oito anos de seu governo.
Falo das 34 horas em que Lula esteve no sindicato dos metalúrgicos, sob os olhares do mundo, construindo a narrativa de seu próprio martírio.
Não falo em “resistência”, pois desde a condenação no Tribunal da Quarta Região, em 24 de janeiro, que o destino de Lula já estava selado. Os advogados cumpriram sua função, recorrendo a todos as instâncias e tentando um habeas corpus, mas todos já sabiam que Lula seria preso.
Por isso, seria ingênuo dizer que o que aconteceu em São Bernardo do Campo foi um ato de resistência. Lula é um político experiente demais para resistir em causa perdida.
Alguns companheiros e companheiras, no auge da emoção, tentaram usar a força. Lula fugiu da custódia dos trabalhadores e se entregou à Polícia Federal, pois sabe que contra o braço armado do Estado ninguém pode. Lula sabe que aqueles que ali estavam eram trabalhadores e trabalhadoras, pais e mães de família. Não eram soldados. Não eram guerrilheiros. A resistência não era possível.
Lula sabe que seria impossível sustentar aquela mobilização durante muito tempo e por isso não resistiu. Mas daí a se entregar resignado como boi manso para o abate a distância é grande, muito grande.
Penso mesmo que Lula fez mais que resistir, já que a resistência seria quixotesca, irresponsável. Lula pautou a própria prisão, saiu da posição de simples condenado pela justiça para se tornar o dono da narrativa. Lula foi sujeito do próprio encarceramento, deu um nó nas forças do golpe neoliberal.
Muitos achavam que Lula deveria ter fugido para uma embaixada amiga e de lá partido para o exílio no exterior. Confesso que também pensei assim. Mas Lula é muito mais inteligente que todos nós juntos.
Lula sabe que já viveu muito, sabe que não lhe sobra muito tempo de vida. O que resta agora é a consolidação da biografia, o retorno às origens, seu renascimento como ícone da esquerda brasileira, imagem que ficou um tanto maculada pelos oito anos em que governou o Brasil.
É que no capitalismo não existem governos de esquerda. Governo de esquerda só com revolução e Lula nunca foi revolucionário, nunca prometeu uma revolução.
Todo governo legitimado pelas instituições burguesas será sempre burguês. No máximo, no melhor dos cenários, será um governo de centro sensível às demandas populares. O lulismo foi exatamente isso: uma prática de governo de centro sensível às necessidades dos mais pobres. O lulismo transformou o Brasil pra melhor, com todos os seus limites, com todas as suas contradições.
Mas para encerrar a vida em grande estilo carece de algo mais. Era necessária a canonização política. E só a esquerda canoniza líderes políticos. A direita é dura, cinza, sem poesia.
O golpe neoliberal conseguiu reconciliar Lula com as esquerdas, o que há poucos anos parecia algo impossível de acontecer.
É que pra ser canonizado pelas esquerdas nada melhor que ser perseguido pelo poder judiciário, habitat histórico das elites da terra. Basta lançar no Google os sobrenomes da maioria dos nossos juízes, procuradores e desembargadores e veremos os berços de jacarandá que embalaram os primeiros sonhos dos nossos magistrados.
É claro que Lula não planejou a perseguição. É óbvio que ele não queria ser perseguido. Se pudesse escolher, estaria tendo um final de vida mais tranquilo, talvez afastado da política doméstica e atuando nas Nações Unidas. Mas já que a vida deu o limão, por que não espremer, misturar com açúcar, cachaça, mexer bem e mandar pra dentro?
Lula fez exatamente isso: uma caipirinha com os limões azedos que seus adversários togados lhe deram.
Primeiro, ele fez questão de esgotar todos os mecanismos legais. A sentença de Moro, os votos dos desembargadores, os votos dos Ministros da Suprema Corte não são palavras ao vento. São “peças”, para falar em bom juridiquês, que ficarão arquivadas e disponíveis para a consulta, para análise.
Imaginem só, leitor e leitora, os historiadores que no futuro, afastados da histeria e das disputas que hoje turvam nossos sentidos, examinarão a sentença de Sérgio Moro, verão que o juiz não foi capaz de determinar em quais “atos de ofício” Lula teria beneficiado a OS para fazer por merecer o tal Triplex do Guarujá.
É como se Moro estivesse falando: "não sei como fez, mas que fez, ah fez".
E o voto dos desembargadores do TRF 4, atravessados de juízos de valor, quase sem relar no mérito da sentença?
E o voto de Rosa Weber? Por Deus, o que foi aquele voto de Rosa Weber?
“Sei que estou votando errado, mas vou continuar votando errado só porque a maioria votou errado. Uma maioria que só vai votar porque eu vou votar errado também.”
Lula, ao se negar a fugir, obrigou cada um desses togados a deixar impressos na história os rastros da própria infâmia.
Uma vez decretada a prisão, o que fez Lula?
Deu um tiro no peito? Se entregou em São Paulo? Foi pra Curitiba? Fugiu?
Não!
Lula se aquartelou no sindicado mais simbólico da redemocratização brasileira, o sindicado que representa as expectativas que nos 1980 apontavam para um Brasil mais justo, mais solidário.
No apogeu da crise que significa o colapso do regime político fundado na redemocratização, Lula decidiu encenar o seu martírio onde tudo começou.
Naquele que talvez seja o último grande ato de sua vida pública, Lula voltou às origens.
Protegido pela massa de trabalhadores, Lula não cumpriu o cronograma estipulado por Sérgio Moro. Cercado por uma multidão, o Presidente operário transformou o sindicato dos metalúrgicos numa embaixada trabalhista.
A Polícia Federal, o braço armado do governo golpista, disse que não usaria a força. A Polícia Federal sabia que o povo resistiria, que sem negociação não tiraria Lula do sindicado sem deixar uma trilha de sangue.
Lula negociou e, nos limites dados por sua posição de condenado pela justiça, venceu e humilhou a instituições ocupadas pelo golpe neoliberal.
Lula não estava foragido. O mundo inteiro sabia onde ele estava e mesmo assim o Estado brasileiro não foi capaz de prendê-lo no prazo determinado pela justiça golpista. Durante um pouco mais de 30 horas, Lula foi um exilado dentro do Brasil, como se São Bernardo do Campo fosse um República independente, uma república governada pelos trabalhadores.
Lula fez de uma missa em homenagem a Dona Marisa Letícia um ato político e aqui temos mais um lance simbólico do Presidente operário: restabeleceu as pontes entre a esquerda brasileira e a Igreja Católica, aliança que tão importante nos anos 1970, quando sob as bênçãos da Teologia da Libertação foi fundado o Partido dos Trabalhadores.
No palanque, junto com o Padre, estavam Lula e as futuras lideranças da esquerda brasileira. Lula dividiu seu butim em vida, tomou pra si esse ato mórbido, ao abençoar Boulos, Manuela e Fernando Haddad.
Lula unificou em vida a esquerda brasileira. Não só unificou, mas pautou, apresentou o programa, cantou o caminho das pedras.
Lula deixou claro que o povo mais pobre precisa comer melhor, precisa consumir, viajar de avião, estudar na universidade. Lula, o operário que durante a vida inteira foi humilhado por não ter diploma de ensino superior, foi o professor de milhões de brasileiros que sonham com um país melhor.
É como se Lula estivesse dizendo: “num país como o Brasil, a obrigação mais urgente da esquerda é transformar o Estado burguês em agente provedor de direitos sociais”.
Lula discursou durante uma hora em rede nacional, se defendeu das acusações. Não foi uma defesa para a justiça, mas sim para o tribunal moral da nação. Não foi um discurso para o presente. Foi um discurso para a história.
Não, meus amigos, acuado pelas forças do atraso, Lula não deu um tiro no próprio peito.
Lula mandou trazer cerveja e carne e fez um churrasco com seus companheiros e companheiras. Foi carregado pelos seus iguais, foi tocado, beijado. Saliva, suor, pele.
Lula não deu um tiro no próprio peito.
Getúlio é gigante, sem dúvida, mas também era herdeiro das oligarquias. Lula é o único trabalhador que, vindo da base da sociedade, conseguiu governar e transformar o Brasil. Lula já é maior que Getúlio.
Diferente de Getúlio, Lula entrou pra história sem precisar sair da vida.
Rodrigo Perez Oliveira - historiador e professor da UFBA - Universidade Federal da Bahia -

Até quando o futuro vai repetir o passado?

Carta testamento de Vargas
“Mais uma vez as forças e os interesses contra o povo coordenaram-se e se desencadeiam sobre mim. Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam; e não me dão o direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes.

Sigo o destino que me é imposto. Depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais,(...)

A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados (...)
Quis criar a liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobras, mal começa esta a funcionar a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não querem que o povo seja independente. ”...
A grande diferença entre os casos é que Getúlio saiu da vida para entrar na história e Dilma entrou na história exatamente porque não morreu nem renunciou.

Paulo Moreira Leite - FHC e Sarney chamam Getúlio de “homem menor”




 Do Brasil 247
  
Nunca será demais agradecer a Fernando Henrique Cardoso pela decisão de registrar e publicar os atos cotidianos de seus dois mandatos no Planalto. 


 
Num país onde informações de primeira mão sobre o Poder real costumam ser mantidas num ambiente de segredo absoluto, os Diários da Presidência são uma oportunidade rara de leitura, aprendizado -- e mesmo diversão, como você poderá ler a seguir.  
 
Não terminei o primeiro volume, ainda, mas já encontrei uma cena impagável, ao chegar à página 404 do calhamaço de 929 dedicado aos primeiros dois anos de FHC no Planalto, quando ele descreve um almoço com José Sarney, que havia sentado à mesma cadeira entre 1985-1990.  
 
Eles falam de vários assuntos, mas o personagem central de vários momentos da conversa é um terceiro presidente. Getúlio Vargas, vulto que exerce um conhecido magnetismo -- positivo ou negativo -- junto a seus sucessores, o que é natural, já que nenhum brasileiro que veio ao mundo após 1930 deixou de ter contato direto ou indireto com a obra de Vargas, seja na economia, seja na política e também na cultura.  
 
Em 1996, completando um ano na Presidência, Fernando Henrique recebe José Sarney, que deixara a presidência em 1990, para um almoço.  "Muito bom", escreve referindo-se ao conteúdo da conversa.
 
Na parte inicial do encontro, os dois falam de uma questão eterna para todo presidente da República: como convencer o PMDB a ajudar o governo a aprovar medidas de seu interesse. (Não ocorria nada de novo. Naquele início de 1995, FHC queria ajuda do PMDB para aprovar reformas; também precisava de ajuda da bancada pemedebista para enfrentar uma denúncia de superfaturamento de 51% na licitação dos radares do SIVAM que havia chegado ao Tribunal de Contas da União. O debate sobre a emenda da reeleição estava começando, e o PMDB estava dividido a respeito, também. Sarney explica ao presidente que os dirigentes do partido vão "ganhar tempo" e simplesmente dizer que "primeiro é preciso que as bases opinem sobre as áreas que provocam algum atrito." Fechando essa parte do encontro, Fernando Henrique avalia: "Afinamos tudo sobre como conduzir o processo de votação").
 
Naquele dia, Sarney tinha levado a Fernando Henrique um exemplar de seu romance recém-lançado, O Dono do Mar. Mesmo admitindo que não leu o livro, o presidente elogia o empenho literário do ex: "Tenho sempre uma admiração pela persistência com que o Sarney vem mantendo esta paixão pela literatura. Não li o livro. Vou ler." Mais adiante: "Sarney tem a virtude de ser uma pessoa com convicção, fidelidade, se eu posso dizer assim, à literatura." Ainda: "Ele gosta mesmo. Não é uma coisa feita pró forma, nem é superficial nele."
 
Além de O Dono do Mar, Sarney levara um artigo publicado numa revista francesa, Commentaire, "publicação importante nas relações internacionais", novamente elogia Fernando Henrique Cardoso. (Fundada em 1978 por Raymond Aron, intelectual reconhecido do conservadorismo europeu, no editorial de apresentação a Commentaire se apresenta aos leitores como uma "revista intelectual. Ela não é destinada a divertir, não é destinada a confortar os pré-julgamentos nem alimentar as paixões. Ela quer iluminar a inteligência.")
 
A literatura seguiu na pauta da conversa por outra razão. Inédito por mais de cinco décadas, os dois volumes do Diário de Getúlio acabavam de chegar às livrarias, tornando-se obra de leitura obrigatória para os políticos brasileiros. A leitura não agradou os dois presidentes.  
 
"Ele (Sarney) está decepcionado com o diário e tem razão, eu também estou", escreve Fernando Henrique no encontro de 8 de janeiro de 1996.
 
O que incomoda Fernando Henrique é o foco do Diário de Vargas: Ele reclama da fala de horizontes intelectuais, de pensamentos profundos sobre o país. "Depois de algum tempo de leitura, é a pequena história, não se vê muito mais do que intriga, um ou outro entra e sai, não se vê o conteúdo das discussões, a visão de Getúlio sobre Brasil, nada disso deixa marca no livro." Como se, depois dessas palavras, tivesse ficado mais à vontade na conversa, Sarney admite: "Eu já estava até arrependido de tanto que eu tinha atacado o Getúlio e fazendo a revisão de meu juízo anterior, mas agora vejo que não, que Getúlio era um homem menor", disse Sarney.
 
"É verdade", repete Fernando Henrique, que prossegue: "A leitura não mostra um homem de grande descortino nem de empenho maior com problemas do país."
 
Apenas duas linhas depois, numa passagem significativa para quem acabara de se referir a um antecessor que não havia demonstrado "empenho maior com problemas do país", o próprio Fernando Henrique derrama-se em elogios ao momento em que o país se encontrava um ano depois de sua posse: "vivemos um raro momento em que, bem ou mal, as pessoas que estão controlando os grandes órgãos do Estado, a Presidência da República, o Senado, a Câmara, são pessoas que têm noção do país. Eu disse a Sarney: 'pois é, apesar de tudo os resultados do ano passado foram muito positivos.' Ele concordou."
 
Doze páginas adiante, nos parágrafos dedicados a 15 de janeiro, Sarney está longe. Fernando Henrique desenvolve estas reflexões sobre dois vultos da história francesa, Charles De Gaulle e François Mitterrand. Compara o papel de um e de outro, sem esconder a preferência por De Gaulle. Referindo-se a um antigo dirigente do PS que pouco a pouco abandonou as ideias clássicas dos partidos de esquerda, numa trajetória semelhante a que diversos observadores apontam no próprio FHC, ele acusa Mitterrand de ter dado "uma volta muito grande para o que hoje se chama neoliberalismo."
 
De repente, entre uma vírgula e outra, Mitterrand sai de cena e em seu lugar aparece Getúlio para ser comparado com De Gaulle. Apontando um ponto positivo na personalidade de De Gaulle, Fernando Henrique encaixa uma crítica repentina a Getúlio. De Gaulle, escreve, "tinha uma ideia de morte, de quem quer entrar para a imortalidade." Num raciocínio separado por uma vírgula, Fernando Henrique abandona Mitterrand e explica que a ideia de morte mostra que De Gaulle era "diferente do Getúlio. Que a morte, como eu vi nos diários do Getúlio, era para ele uma vingança pessoal: já que eu não posso ganhar, eu ganho morrendo. Se matou e ganhou."
 
Getúlio encerrou o seu Diário em 1942, ou doze anos antes de 1954, o ano em que deu o tiro no peito, evitou um golpe militar e impediu um retrocesso que faria a roda da História andar para trás. Muitos fatos ocorreram entre a última linha do Diário e a tragédia: ele foi deposto pelos generais que havia nomeado; os Aliados venceram a guerra; a CLT se consolidou; a Guerra Fria passou a definir as relações entre potências; a Petrobras foi fundada.
 
Em 1996, na página 416 de seu próprio diário, Fernando Henrique registrou uma versão pessoal para o suicídio. "No caso de Getúlio", escreve, "a visão (da morte) é a de um homem autoritário: ou aceitam o que estou fazendo ou então eu ganho nem que seja me matando."
 
O "homem menor", que cometeu suicídio por ser "autoritário", foi um personagem típico da história dos vencidos.  
 
Mesmo aliados históricos de Fernando Henrique tiveram outra visão sobre a tragédia, como o advogado José Gregori, que foi ministro da Justiça no segundo mandato de FHC. 
 
Em 1954, Gregori era um líder estudantil da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, um dos centras da mobilização pela deposição de Getúlio. Chegou a participar de comícios, no Rio de Janeiro, onde fez discursos pela saída do presidente, eleito em 1951.
 
Décadas depois, em seu próprio livro de memórias, Gregori reconhece que participou de uma "revolução errada", escreveu, referindo-se, com humildade, à aula de política prática recebida da massa de brasileiros pobres, trabalhadores, muitos deles pretos, que ocupou o centro das grandes cidades do país para manifestar indignação e fúria.
 
No livro "Pai dos pobres", o historiador norte-americano Robert M Levine recorda um elogio a Getúlio proferido pelo presidente norte-americano Franklin Delano Roosevelt, em discurso pronunciado no Rio de Janeiro, em novembro de 1936. Patrono da recuperação da economia de seu país, destruída pela crise de 1929, Roosevelt admitiu, publicamente, a contribuição de Getúlio para a construção do New Deal, a política econômica que privilegiava o emprego, os investimentos e protegia os sindicatos no esforço para vencer a depressão. Roosevelt atribuiu a Getúlio o mérito de ter sido "uma das pessoas que inventaram o New Deal."


Carta testamento de Getúlio Vargas

Mais que atual

Fernando Brito: o que eu tenho a ver com aquele velhos gaúcho que se matou a 61 anos atrás?

Há 61 anos, numa manhã como esta em que escrevo, o país estava boquiaberto com a notícia de que Getúlio Vargas tinha dado um tiro no próprio peito e acabara de morrer, em seu quarto no palácio do Catete.
Mais tempo, portanto, do que eu e a quase totalidade dos que me leem tenhamos visto o impacto, a dor e as consequências daquele gesto.
Será?
O impacto, sim, porque não é o mesmo ver as velhas fotos da multidão em desespero, entre o choro e a revolta, espraiando sua fúria como uma onda nas grandes cidades.
Quanto à dor, ainda pude vê-la – já seca, então – nos olhos dos homens mais velhos, sobretudo lá, no bairro operário de Realengo,no IAPI onde viviam meus avós.
Mas as consequências, mesmo sem saber por muito tempo- ah, a arrogância própria da juventude! – as vivi todas.
Mas, há uns trinta anos, numa conversa de amigos, um deles, Sérgio, um médico, disse algo que me deixou em silêncio pensativo: “somos netos da escola pública”.
Sérgio, ele próprio filho de um trabalhador têxtil, tinha razão, mas não toda.
Éramos, ali, filhos e netos de um país onde o povo passou a existir, como sujeito e não mais como mero objeto, de sua trajetória.
Getúlio tinha gestado este sentimento de Nação e o pariu, finalmente, tendo um tiro como vagido inaugural.
Sim, talvez falte aqui a coisa que eu mais admiro nos norte-americanos (e que, ao que parece, também começa a escassear por lá): o orgulho por nossa caminhada comum, por nossos antepassados, pelos que nos trouxeram ao que somos hoje.
O atraso e as carências de nosso país, decerto, são responsáveis por isso, por tantos que acharam ou acham que tudo o que se fez aqui é fracasso e não parte e pedaço de nossa tentativa de sermos uma flor tardia da civilização.
Por isso, quem sabe, tenham a tentação desta bobagem que é “refundar” uma esquerda livre dos “erros e pecados”, como num inconsciente arremedo do discurso “moralizador” da direita.
Não se percebe que o único que ela pode fazer, porque tudo o mais nela é imoral ee abjeto : o atraso, a fome, a degradação das massas humanas, os luxos e privilégios que, mesmo sendo de pouquíssimos, são a razão de viver para tantos.
O que somos é fruto do que pudemos ser e o que seremos é algo que não se pode prever, mas que nunca se deve parar de sonhar.
Nem há dois séculos somos um país, nem há um só somos uma Nação, e é por isso que há tanta e tão barulhenta e arrogante gente que veja ainda como colônia, por incapazes, e a si mesma como capatazes.
Não querem que o povo seja independente, escreveu Vargas em sua carta-testamento.
E isso não mudou, ainda, depois de tantos anos.
Ainda vale nossas vidas.
no Tijolaço


Como a história desenha o pensamento dos líderes, por Fernando Brito

no Tijolaço

De Nílson Lage, sobre a matéria do Folha em que Lula diz que, após ler a biografia de Getúlio Vargas, que ficou “assustado como um setor da imprensa brasileira e da elite tratavam o Getúlio. Se vocês leem a biografia, vocês têm a impressão que é hoje que está acontecendo”:

“Acredito que, enfim, nessa campanha, Lula e pelo menos parte significativa do PT assumem conscientemente o papel de herdeiros do trabalhismo brasileiro, forma própria de gestão que se apoia no pragmatismo e na tradição positivista de Getúlio Vargas, preservando o duplo compromisso com os trabalhadores e com a Pátria, sem o viés étnico dos nacionalismos europeus.
Trata-se de um passo importante porque o partido, na sua origem, foi tolerado como “novo trabalhismo” formado em “modernas estruturas de produção transnacionais”, com forte matriz católica e, portanto, capaz de “confrontar o populismo e o comunismo” que, na visão de Goibery, fundiam-se no velho PTB de Jango e Brizola.
É exatamente o que a elite paulista não queria.”

Concordo, em gênero, número , grau e experiência de vida política, com o diagnóstico de Lage.

Mas também tenho dito aqui que, por essa origem, o PT sempre foi contaminado por duas distorções, que lhe cobraram alto preço.

A primeira, um “purismo” que é, em si, a apropriação da ideia de ética como um valor pequeno-burguês, alinhado única e exclusivamente ao comportamento individual, o que abandona a dimensão social e política da ética, e reduz este conceito apenas a um paupérrimo significado moral.

O comportamento “ético” pessoal – embora seja de minha formação, índole e convicção – é inútil e até hipócrita quando tergiversa diante do necessário à construção de uma sociedade onde não se viole o significado real da ética que é o de conduzir ao que serve ao bem-estar, à felicidade e à igualdade entre os seres humanos em sua vida coletiva.

Vou traduzir isso de maneira simples: o “tenho jatinho porque posso” de Tasso Jereissati ou “eu tenho direito ao meu Rolex” do assalto a Luciano Huck não podem ser considerados imorais ou violações de uma imaginária “ética pessoal” mas são cruelmente antiéticos quando se trata de pessoas que desempenham, na política e na mídia, papéis sociais em uma comunidade miserável, a mesma que lhes deu avião e relógio, como dera os talheres de prata ao Bispo Myriel, os quais Jean Valjean furta em Os Miseráveis.

O segundo viés petista, que Lage admite agora estar sendo corrigido é o de um certo economicismo, crendo que a simples elevação do padrão de vida dos trabalhadores os conduziriam, sem contradições, a um alinhamento político invencível.
De alguma forma, este pensamento se assemelha ao do “sindicalismo de resultados” que gerou a Força Sindical, de Paulinho (que hoje já dispensa comentários) e à indevida apropriação neoliberal dos versos de Go Back, do Torquato Neto: “só quero saber do que pode dar certo/não tenho tempo a perder”.

O polêmico professor de Filosofia Renato Janine Ribeiro, da USP, numa entrevista ao Brasil Econômico, outro dia, fez um resumo cru disto:

“Vocês não se escandalizam com o fenômeno da fome?”. O jornal espanhol “El País” publicou um artigo sobre a busca do governo pelos chamados “brasileiros invisíveis”. Pessoas extremamente difíceis de localizar, que muitas vezes não têm documentos, e que poderiam ser incluídas no Bolsa Família, mas que não têm acesso porque estão muito, muito invisíveis para o Estado. Isso é um empreendimento ético de primeira grandeza. E olha que “El País” é um jornal simpático ao tucanato, não gosta do PT. Quando li esse artigo, me perguntei: “Como é que o PT não usa esse tema na campanha?”. O PT priorizou a inclusão pelo consumo, o que tem inúmeras vantagens. Uma delas é a de que havia uma demanda reprimida de gente que queria comprar, e não podia. E esse consumo represado era de coisas essenciais, como comida, geladeira… Depois veio, por extensão, o consumo de itens menos essenciais — maquiagem, roupas melhores. Mas o PT não politizou essa inclusão pelo consumo e isso levou boa parte dos beneficiários a acreditar que eles não devem nada às políticas públicas. Uma parte até vai votar em outros candidatos porque não sente que deve ao PT esse acesso ao consumo — pensa que é graças ao esforço individual deles. Os beneficiários nem cogitam que, se a economia estivesse em recessão prolongada, eles ainda estariam na miséria”.

O segundo mandato de Dilma, caso se confirme, terá de ter esta politização, porque não se deve duvidar nem por um instante que o Brasil não vá sofrer, em escala ainda mais intensa, o ataque que passou a sofrer desde que, com o salto obtido durante a crise de 2008, tornou-se um “player” mundial.

Eu espero – e a esta altura, como Nílson Lage, já até creio – que Dilma e Lula (mais ela do que ele, aliás) não acreditem que esta campanha política vá terminar no dia da eleição de primeiro ou de segundo turno. Ela seguirá a cada dia – o seguinte às eleições, inclusive – até que o Brasil renove suas instituições políticas, partidárias e da comunicação e, com elas, um novo sentido de representação.

O que parece antevisto, na declaração que fez Dilma na entrevista aos blogueiros: “Terei um embate (político) mais sistemático; não serei mais tão bem comportada; me levaram para um outro caminho, que não era o que eu queria”

Ninguém quer, mas o próprio estancieiro e positivista Vargas, ao se converter em símbolo da afirmação do Brasil como Nação chegou ao 1° de Maio de 1954 com o discurso que talvez não quisesse, mas que lhe brotou consciência de estar abrindo um país ao futuro:



“ Não me perdoam os que me queriam ver insensível diante dos fracos e injusto com os humildes. Continuo, entretanto, ao vosso lado. Mas a minha tarefa está terminando e a vossa apenas começa. O que já obtivestes ainda não é tudo. Resta ainda conquistar a plenitude dos direitos que vos são devidos e a satisfação das reivindicações impostas pelas necessidades.Tendes de prosseguir na vossa luta para que não seja malbaratado o nosso esforço comum de mais de 20 anos no sentido da reforma social, mas, ao contrário, para que esta seja consolidada e aperfeiçoada.
Para isso não cabe nenhuma hesitação na escolha do caminho que se abre à vossa frente. Não tendes armas, nem tesouros, nem contais comas influências ocultas que movem os grandes interesses. Para vencer os obstáculos e reduzir as resistências, é preciso unir-vos e organizar-vos. União e Organização devem ser o vosso lema.
Há um direito de que ninguém vos pode privar, o direito do voto. E pelo voto podeis não só defender os vossos interesses como influir nos próprios destinos da nação. Como cidadãos, a vossa vontade pesará nas urnas. Como classe, podeis imprimir ao vosso sufrágio a força decisória do número. Constituís a maioria. Hoje estais com o governo. Amanhã sereis o governo.
Não deveis esperar que os mais afortunados se compadeçam de vós, que sois os mais necessitados. Deveis apertar a mão da solidariedade, e não estender a mão à caridade.Trabalhadores, meus amigos, com a consciência da vossa força, coma união das vossas vontades e com a justiça da vossa causa, nada vos poderá deter.”

Este pedaço (imenso) do “populista” Vargas por muito tempo foi desprezado , talvez porque seja da perversa tradição brasileira sonegar ao povo a sua própria história.

Marina e a UDN, 60 anos depois, por Rodrigo Vianna

A velha UDN tinha uma estranha fixação por militares. Os candidatos presidenciais udenistas - derrotados por Dutra (1945), Vargas (1950) e Juscelino (1955) – eram sujeitos que vestiam farda: Juarez Távora e Brigadeiro Eduardo Gomes.

Com um discurso moralista, os udenistas (civis ou fardados) colhiam a insatisfação das classes médias urbanas que detestavam as políticas sociais do trabalhismo. Algo parecido com o discurso do atual bloco demo-tucano (que chama Bolsa-Família de “bolsa-esmola”).

A UDN era ruim de voto. Mas boa na agitação golpista: no dia 24 de agosto de 1954, há exatos 60 anos, Carlos Lacerda (principal agitador udenista) e seus aliados militares encurralaram o trabalhismo – levando Vargas ao suicídio.

A UDN seguiu perdendo eleição, até que em 1960 resolveu buscar um candidato “de fora”. Janio Quadros - líder hstriônico, que passava a imagem de não se render aos “conchavos” políticos - finalmente levou a UDN ao poder. ”O jeito é Janio”: foi o slogan de campanha. Mas Janio não era um autêntico udenista. O governo dele foi uma crise só. Jânio renunciou antes de completar um ano no poder.

Em 1989, para impedir a vitória do monstro “Brizula” (Brizola e Lula eram favoritos, diante da crise do governo Sarney), a Globo fez o papel de UDN e escolheu Collor. Caçador de marajás, inimigo de “tudo que está aí”, Collor ganhou. Mas caiu 3 anos depois.




A UDN e o fantasma trabalhista
Em 2014, os conservadores parecem dispostos a embarcar em nova aventura. Depois de 3 derrotas consecutivas, o bloco demo-tucano está dividido. Os setores mais orgânicos insistem com Aécio Neves. Mas parte da mídia, dos bancos e da classe média aceita qualquer nome que seja capaz de derrotar o PT.

Está claro que os “neo-udenistas” legítimos (FHC, Serra, Aécio) não conseguirão derrotar o lulismo no voto. O destino apresentou à UDN um nome “de fora”. Marina Silva, certamente, não é Janio. Não é Collor. Tem uma trajetória respeitável. Mas sua candidatura já foi capturada pelos setores conservadores: economistas neoliberais e a banqueira Neca Setúbal comandam a tropa.

Aliada ao PSDB e ao DEM, a velha mídia resiste em embarcar no marinismo. Mas em uma ou duas semanas, o jogo estará jogado. Se Aécio minguar para 15%, e Marina passar dos 25%, a velha UDN dará mais um salto no desconhecido.

Por enquanto, as revistas semanais trazem o nome de Marina Silva associado a um ponto de interrogação. Nos bastidores, inicia-se um balé de cobranças e concessões. Marina precisa mostrar-se confiável para o mercadismo (que desconfia da “estatista” Dilma). Em duas semanas, o ponto de interrogação pode virar exclamação: Marina é o jeito, contra “tudo que está aí”!

Sem partido, avessa aos “conchavos”, Marina Silva é uma política profissional que finge detestar a política. Igualzinho a Jânio e Collor - ilusionistas do voto.

Pesquisas internas mostram que Aécio se esfacela. O mineiro tenta reagir: conta com os aliados midiáticos, para desconstruir Marina. Dossiês e denúncias saem das gavetas. Mas Abril e Globo talvez não queiram queimar Marina - único Plano B, para derrotar Dilma.

Marina tem uma avenida livre pela frente: PSDB em crise, Aécio perdido entre um discurso oposicionista e as promessas de manter o Bolsa Família (uai, a turma que vota nos tucanos não diz que aquilo é ”bolsa esmola”?), mídia desesperada por derrotar o lulismo..

Se eu pudesse arriscar um palpite, diria que a máquina midiática aliada do tucanato não vai ajudar o candidato do PSDB. Aécio vai minguar, e pode perder até o governo de Minas para o PT.

Misto de líder messiânica da “nova política” e parceira confiável dos bancos, Marina vira favorita. Só Lula será capaz de barrá-la. E talvez nem ele.

Lula talvez precise se guardar para construir alternativas mais à frente. Um eventual governo Marina, não tenho dúvidas, terá o mesmo padrão de instabilidade que marcou Jânio e Collor.

A UDN - que levou Vargas ao suicídio, que derrubou Jango em 64 e que há 12 anos tenta encurralar Lula e o PT – é capaz de embarcar em qualquer aventura. Isso já sabemos. Mas a pergunta é: a democracia brasileira, pela terceira vez, fará esse mergulho no desconhecido em 2014?


Não existe “se” no futebol. Nem na política. Nem na vida.

Quis o destino que o corpo do presidente João Goulart chegasse a Brasília no mesmo dia em que o Supremo Tribunal Federal concluiu etapa substancial do julgamento do “Mentirão” – o que deve levar ex-dirigentes petistas para a cadeia, entre eles o ex-ministro José Dirceu.
Dilma emocionou-se ao lado da viúva de Jango, na homenagem ao presidente deposto. De alguma forma, Dilma é a ponte entre duas tradições políticas: o trabalhismo de Vargas/Jango/Brizola e o PT. Ao fim da ditadura (depois de pegar em armas, sendo presa e torturada), Dilma escolheu o PDT de Brizola para atuar politicamente. Dilma já fez elogios abertos a Jango e à tradição brizolista.
Curioso que o PT tenha surgido nos anos 70/80 com um discurso de crítica à herança trabalhista. Mas, no poder, Lula aproximou-se da simbologia e das tradições varguistas. Curioso também pensar que, se o “Mensalão” não tivesse existido, hoje o presidente talvez não fosse Dilma, mas exatamente o ex-ministro agora ameaçado de prisão. “Se”. Se Gighia não tivesse acertado aquele chute rente à trave, o Brasil não teria perdido do Uruguai em 1950… Como dizem os comentaristas, não existe “se” no futebol. Nem na política. Nem na vida.
Ainda assim, é possível estabelecer paralelos entre os ataques sofridos pelo PT e o lulismo e aqueles desferidos contra Vargas e Jango. Vargas – não resta dúvida – foi um ditador nos anos 30 e 40. Mas em 1950 voltou ao poder como líder democrático, e foi acuado pelo conservadorismo a serviço dos Estados Unidos. Lacerda tentou cobrir Vargas com o “mar de lama”. Nos anos 50, o discurso udenista sustentava que Vargas comandava um governo corrupto. Contra Jango, em 1964, pesavam as mesmas acusações, e ele ainda era apontado como líder de uma certa “República Sindicalista”.
Vargas deu um tiro no peito em 1954, dentro do Palácio. Jango foi derrubado por um golpe. Na época, a imprensa golpista comemorou: “Escorraçado, amordaçado e acovardado, deixou o poder como imperativo de legítima vontade popular o Sr João Belchior Marques Goulart, infame líder dos comuno-carreiristas-negocistas-sindicalistas” - era o que dizia a “Tribuna da Imprensa”, jornal de Carlos Lacerda. 
Mentira, claro. Jango tinha apoio popular – era o que indicavam as pesquisas às vésperas do golpe, como mostra Jorge Ferreira, em excelente livro sobre Jango. A imprensa golpista de 64 criou o clima de caos e deu a impressão de que todos queriam o golpe. Jango não saiu “escorraçado” do poder. Foi derrubado.
“O Globo” também curtiu e compartilhou a ditadura: “Ressurge a Democracia! Vive a Nação dias gloriosos” – dizia editorial de Roberto Marinho. Aqui, na Carta Maior, você lê outros textos publicados por nossa brava imprensa democrática, nos dias seguintes ao golpe.
Certos setores de esquerda cultivaram durante anos a tese de que Jango foi “covarde” por não reagir ao golpe. Quem acompanhava de perto o presidente deposto diz que ele estava preocupadíssimo com uma possibilidade: se resistisse, daria aos golpistas a desculpa para pedir a intervenção dos Estados Unidos. Numa conversa recente, o jornalista Mauro Santayanna disse a um grupo de blogueiros que teve o prazer de ouvi-lo: “Jango temia a divisão física do Brasil”. Assim como haviam feito na Koreia (e como fariam depois no Vietnã), os EUA poderiam intervir e dividir o Brasil em dois. Jango preferiu manter a integridade territorial brasileira. Teoria conspiratória?
Durante anos, a ideia de que Jango teria sido envenenado em 1976 (durante o exílio) também parecia uma “teoria conspiratória”. Por insistência da família Goulart, o Brasil finalmente vai tentar descobrir a verdade. Foram muitos anos, e talvez os traços de um suposto veneno já não possam ser encontrados. Mas o governo Dilma toma uma atitude de imenso valor simbólico. O corpo exumado em São Borja (RS) foi levado a Brasília.
Jango “acovardado-escorraçado” dizia Lacerda. Jango estadista, recebido com honras de chefe de Estado. A história se escreve lentamente. O passado está sempre em disputa.
Dirceu, em algumas horas, pode ser preso como símbolo do “maior escândalo da história” – como dizem os mesmos jornais golpistas de 64. A imprensa podre quer mostrar Dirceu algemado, humilhado – da mesma forma que Lacerda tentou humilhar o presidente deposto em 64.
Dirceu pode ter cometido erros. Mas está sendo condenado sem provas. Isso está claro.  “Escorraçado, amordaçado e acovardado”   - assim jornais e revistas gostariam de ver o homem que comandou a “virada” do PT rumo ao poder. Pelo que se conhece da história de Dirceu, não vai se acovardar.
No curto prazo, parece derrotado politicamente. Jango também parecia derrotado inexoravelmente em 64. Quase 50 anos depois, recebe as justas homenagens no Palácio. A vítima de 64 não foi Jango, mas a democracia brasileira.
Derrubado pela Guerra Fria, pelos Estados Unidos e o conservadorismo brasileiro, Jango é o estadista, vitorioso. Lacerda e os golpistas estão derrotados pela história.  ”O Globo” pede desculpas envergonhadas pelo apoio ao golpe criminoso.
Que papel estará reservado a Dirceu na história brasileira? “Maior vilão do país”? “Chefe da quadrilha”? É o que berram por aí blogueiros rotweiller, editorialistas decadentes, revistas ligadas a bicheiros…
Quem venceu a batalha? A Globo? A Veja e seus asseclas judiciais? Ou o homem que ajudou a construir um governo que – apesar de tantos erros e recuos - prestou homenagens a Jango,  e tenta acertas as contas com a Democracia?
A História se escreve lentamente. Ainda mais no Brasil.
por Rodrigo Viana

FHC quis sepultar a era Vargas, não conseguiu

Marina, Aécio e Campos querem sepultar a era Lula, não conseguirão. Darão com os burros n'agua.
Eu convivi, certa feita, com dois idiotas, ambos de péssimo caráter, a quem chamávamos de Azeitona e Empada, de tanto que se completavam as suas nulidades.
Como não tinham capacidade de raciocinar com profundidade, apelavam para expressões pernósticas para explicar suas estultices, e a preferida era “quebrar os paradigmas”.
Volta e meia, quando não tinham o que dizer, falavam que “era preciso quebrar os paradigmas”.
Nem é preciso dizer que eu e outros ironizávamos:
- Ah, vou me atrasar, o carro quebrou o paradigma…
- Fulano está no hospital? Por que? Quebrou o paradigma, coitado…
Por isso, fico incomodado quando vejo Marina Silva falando em disruptura.
Bem, vamos achar que ela está querendo falar em disrupção, do latim disruptio, fratura, quebra, despedaçar, romper, destruir…
Em política, o significado seria, então, o de revolução, não é?
Por que fugir da palavra, mesmo com as ressalvas de que seria pelo voto, sem violência ou atropelos?
Porque Marina adotou, como todos vemos, uma agenda cheia de palavrórios mas, em termos de conteúdo, idêntica a do conservadorismo.
Apresentou-se, logo que teve oportunidade, como a defensora do status quo.
O tripé, a santíssima trindade do neoliberalismo.
É o crucifixo que não se pode deixar de adorar, embora se saiba que o crucificado ali é o povo.
Nega-lo é heresia e heresia é fogueira.
Tanto que se diz que Dilma o negligencia e ela tem de vir a público dizer que nele crê, mesmo  que não seja sempre “praticante”.
Mas em Marina, não se pode negar, a fé é fundamentalista.
Ao ponto de seu “irmão” Aécio o reconhecer:
Ele (Aécio)ainda se colocou ao lado da ex-senadora Marina Silva, que afirmou que o governo atual flexibilizou o controle da inflação e da política fiscal. O senador disse que considera que as propostas da candidatura do PSB com a Rede são “muito semelhantes” às do PSDB.
- Vejo que há uma aproximação do discurso da Marina com aquilo que o PSDB vem pregando. Tenho certeza que uma eventual candidatura do PSB nasce exatamente por essa visão muito semelhante à nossa, de que esse ciclo de governo do PT, em beneficio do Brasil, tem que ser encerrado.
Pouco importa se Marina Silva é ou não uma pessoa de direita, embora eu tenda a achar que ninguém possa ser de esquerda com seu fundamentalismo moral.  O fato objetivo é que parte da direita sentiu nela – e no seu comportamento marcado por personalismo, rancores e vaidades – a oportunidade de dividir e derrotar um projeto progressista que, ficou claro, as ambições traiçoeiras de Eduardo Campos, o vazio de Aécio Neves e a repugnância de José Serra não permitiriam.
Tal como Fernando Henrique, na sua gabolice estúpida, disse que chegava ao poder para sepultar a Era Vargas, Marina vem para tentar sepultar a quadra histórica mais semelhante àquela que já tivemos: a Era Lula.
Só que vai ter de se defrontar com o retrato do Velho, outra vez. E de um Velho vivo, vivíssimo.
por Fernando Britto no Tijolaço