Para jurista, projeto aprovado no Senado tem efeito midiático, mas terá pouco resultado prático no combate à corrupção
São Paulo – A transformação da corrupção em crime hediondo, aprovada pelo Senado ontem (26) como parte da agenda prioritária em resposta à onda de manifestações pelo país, pode não ter efeito prático na diminuição da corrupção. Essa é a avaliação de Túlio Vianna, professor de Direito Penal da Universidade Federal de Minas Gerais. Para ele, o endurecimento de penas pouco importa para os grandes corruptos, que contam com a certeza de não serem condenados.
“A lei é uma pegadinha para enganar o eleitor e acalmar as massas num momento tumultuado, uma lei simbólica. Na corrupção pequena, o guardinha que recebe dinheiro na esquina talvez pense duas vezes. Mas o grande corrupto tem a certeza da imunidade: uma pena maior ou menor não faz diferença para ele”, afirma o jurista. Junto com a lei, foi aprovada também uma emenda do senador José Sarney (PMDB-AP) para incluir homicídio simples na categoria de crimes hediondos.
Para Vianna, o maior problema do ponto de vista penal para punir a corrupção de políticos é o foro privilegiado, definido legalmente com o termo "prerrogativa de função". Pela norma, ocupantes de diversos cargos públicos, eleitos ou não, como governadores, deputados, senadores, ministros, membros dos Tribunais de Contas, comandantes das forças armadas e até mesmo prefeitos e deputados estaduais, não são julgados em tribunais de primeira instância.
“Se mantém o foro privilegiado, mantém a possibilidade da impunidade. Por exemplo, o prefeito de uma cidade pequena, em vez de ser processado na justiça local, é processado no Tribunal de Justiça. Deputados são processados nos tribunais de Brasília. É uma blindagem que faz com que os processos acabem prescrevendo”, avalia o jurista.
Vianna considera preciso um procedimento que valorize a Justiça Federal e Estadual de primeira instância. Ele não concorda com a justificativa apresentada pelos defensores do foro privilegiado, de que os juízes de primeira instância estariam sujeitos a pressões políticas.
“Juiz criminal está acostumado com pressões gigantescas, de homicidas que ameaçam o juiz, sua família. Faz parte da profissão do juiz criminal em qualquer fase da carreira suportar pressões, até do crime organizado. A dos crimes de corrupção seria mais uma, a meu ver, mais leve que a do crime organizado”, defende.
Reforma política precisa de tempo
A resposta para combater a corrupção, no entanto, não está no sistema penal, na avaliação de Vianna. Ele considera necessário mudar a cultura política do país, sendo uma reforma política que acabe com o financiamento privado de campanhas um passo importante nesse sentido.
“O financiamento privado favorece a corrupção, ele é feito para isso. Ninguém vai financiar campanha por acreditar na causa, por ideologia. Para uma empresa capitalista, o interesse é o lucro: se financia um candidato não é por interesse cívico. Se temos financiamento privado de campanha, querer que o político não se corrompa é ilusório”, sustenta.
Vianna, no entanto, vê com cautela a discussão em curso no meio político de um plebiscito para que a população defina os principais temas da reforma política, especialmente quanto ao prazo dessa discussão.
“A reforma política é importante, mas não sei se é um tema fácil de convencer a população a curto prazo. A maioria das pessoas nunca se informou desses temas, que são difíceis. Dependendo do prazo que for dado, não parece que teremos tempo hábil para incluir as pessoas num debate complexo. É preciso ter mais tempo, sob pena de ser um plebiscito simplesmente para legitimar o que está aí”, alerta.
O jurista vê como “casuísmo” a proposta defendida por várias personalidades políticas de que a consulta popular ocorra ainda este ano, de forma que as leis aprovadas sejam aplicadas já na eleição de 2014. “Mais uma vez a gente cai na situação de casuísmo. Fazemos leis para casos concretos, quando deveriam ser feitas para algo muito maior do que um caso específico”, afirma.
“A eleição de 2014 é muito grande e importante, mas reforma política é uma alteração na Constituição, se pressupõe de longo prazo. Tivemos reformas políticas, como a aprovação da reeleição do FHC e dos cinco anos do Sarney, feitas na correria para atender a interesses específicos do momento. Ela tem que ser pensado como projeto de longo prazo”, defende.
O risco, segundo avalia, é que a legislação eleitoral, em lugar de promover avanços na qualidade da representação política, consagre retrocessos. “A discussão sobre voto distrital, por exemplo, tende a criar um problema muito grande para as minorias políticas. O sujeito vai criar seu ‘curral distrital’, digamos assim, e as minorias perderão representatividade”, afirma.
“Os candidatos na eleição distrital têm que ser muito mais palatáveis, convidativos para a população do que no voto em lista. Por exemplo, um deputado como Jean Wyllys (Psol-RJ), que tem um perfil progressista na defesa da população homossexual. Se tivéssemos voto distrital, ele dificilmente seria eleito, pois no distrito não teria homossexuais o bastante”, explica.
Para Vianna, é difícil precisar um prazo mínimo de discussão para que a população se aproprie do debate, mas menos de seis meses seria “muito precipitado”.