Diferente do que se tem dito na imprensa, o projeto do RDC não flexibiliza em nada os controles. Pelo contrário, ele é muito mais rigoroso e competitivo do que a Lei 8.666, que está reconhecidamente defasada. Para se ter uma ideia, a Lei 8.666/1993 foi editada numa época em que nem existia internet – e, portanto, não havia pregões eletrônicas, bem mais abertos e competitivos. O RDC é inspirado nas melhores práticas internacionais, especialmente nas recomendações da OCDE para combater o conluio, nas diretivas de contratação da União Europeia e nas regras de contratação vigentes nos Estados Unidos.
Pela complexidade do assunto, divido minha resposta em três tópicos:
1. CONTRATAÇÃO INTEGRADA
Ao contrário do que disse o colega Jorge Stolfi – e com todo o respeito –, a segregação das fases de projeto e de execução não protege o interesse público e gera ineficiências. Não é à toa que tem sido abandonada nos Estados Unidos e na Europa.
O grande problema é que se vê hoje nas licitações é que os projetos não são bem feitos, e as empresas vencedoras das licitações cobram do governo sucessivos aditivos para acrescentar valores em decorrência de erros nos projetos básicos. E elas têm direito a isso, garantido pela Lei 8666. Afinal, o risco pelos erros do projeto é todo do governo, nos termos da Lei 8666.
O que é que os americanos e europeus perceberam? Que seria muito mais eficiente reunir num mesmo ator as etapas de elaboração do projeto e de execução da obra. Se houver erros no projeto, o problema será da própria empresa, já que ela que o elaborou. Desse jeito, FICAM PROIBIDOS OS ADITIVOS por falha no projeto. É isso o que diz expressamente o RDC. E é por isso que há tanta resistência: as empreiteiras faturam muito com o modelo atual e perderão com o RDC, já que não poderão mais aditar os contratos. O preço que oferecerem na licitação é o preço que receberão – os riscos de erro no projeto ficam por conta da empresa vencedora, e não por conta do poder público.
É isso que os americanos e europeus chamam de “design-and-build projects”, em lugar do tradicional “design-bid-build”. Ou seja, antigamente (ainda hoje no Brasil, pela 8666), fazia-se o projeto (design), abriam-se as propostas de licitação (bid) e só depois era construído. Viu-se que é muito melhor conjugar as fases, para conferir ganhos de eficiência e transferir os riscos para o particular. Adota-se, então, o modelo “design-and-build”, conjugadamente.
Veja, por exemplo, a Diretiva 2004/18, do Parlamento Europeu (disponível na internet), que assim menciona:
Artigo 1.o Definições
(...)
b) «Contratos de empreitada de obras públicas» são contratos públicos que têm por objecto quer a execução, quer conjuntamente a concepção e a execução, quer ainda a realização, por qualquer meio, de trabalhos relacionados com uma das actividades na acepção do anexo I ou de uma obra que satisfaça as necessidades especificadas pela entidade adjudicante.
No mesmo sentido vão os regimes de contratação dos Estados Unidos, que permitem o “design-build selection procedure”, conforme excerto abaixo (disponível na página de contratação dos EUA, https://www.acquisition.gov/far/loadmainre.html):
Subpart 36.3—Two-Phase Design-Build Selection Procedures
(...)
36.300 Scope of subpart.
This subpart prescribes policies and procedures for the use of the two-phase design-build selection procedures authorized by 10 U.S.C. 2305a and41 U.S.C. 253m.
(...)
36.302 Scope of work.
The agency shall develop, either in-house or by contract, a scope of work that defines the project and states the Government’s requirements. The scope of work may include criteria and preliminary design, budget parameters, and schedule or delivery requirements. If the agency contracts for development of the scope of work, the procedures in Subpart 36.6 shall be used.
É assim que o setor privado contrata no Brasil. Diz as especificações básicas do que quer e pede que as empresas interessadas apresentem seus projetos e seus orçamentos. É assim também que a Petrobras contrata no Brasil, graças ao Decreto de 1998, editado ainda no governo de FHC. Lá fala-se expressamente em contratação integrada. E tem dado excelentes resultados na Petrobras, inclusive economia de preços e inovações nos projetos.
Além de se tratar da melhor prática internacional, o modelo de contratação integrada joga os riscos para a empresa, estimula a inovação (projetos diferentes, com custos mais baixos serão considerados) e traz mais segurança para o poder público (não haverá aditivos por falhas de projeto).
2. SIGILO DOS ORÇAMENTOS NA ETAPA INICIAL
Eis um assunto mal compreendido, porque deliberadamente mal divulgado na imprensa.
O sigilo proposto no RDC é apenas na etapa inicial da licitação, para evitar combinação de preços e encarecimento da obra. Nenhum comprador (incluindo os particulares) anuncia previamente quanto tem para gastar. Quem vai comprar carro usado não diz que tem 20 mil para gastar. Quem vai comprar um apartamento não anuncia para o vendedor que quer gastar 150 mil. Ele vê a oferta do vendedor e tenta negociar. A lógica é a mesma.
Assim que encerrada a licitação, o preço estimado será divulgado, conforme prevê o projeto do RDC. E durante toda a etapa inicial o preço estará disponível para o TCU e a CGU, garantindo o controle.
De novo, essa é a melhor prática internacional. Na já citada Diretiva 18/2004 da União Europeia, consta expressamente que nas licitações de empreitada não deve ser divulgado o orçamento estimado (art. 35, inciso 1, alínea c). Em complemento, o texto do Parlamento Europeu diz ainda o seguinte:
Podem não ser publicadas certas informações relativas à adjudicação de um contrato ou à celebração de um acordo-quadro, caso a sua divulgação possaobstar à aplicação da lei, ser contrária ao interesse público, lesar os legítimos interesses comerciais de operadores económicos públicos ou privados, ouprejudicar uma concorrência leal entre eles.
Nos Estados Unidos, há uma disposição equivalente nas suas regras para contratação de obras, disponível na mesma página citada acima. Transcrevo:
36.203 Government estimate of construction costs.
(…)
(c) Access to information concerning the Government estimate shall be limited to Government personnel whose official duties require knowledge of the estimate. An exception to this rule may be made during contract negotiations to allow the contracting officer to identify a specialized task and disclose the associated cost breakdown figures in the Government estimate, but only to the extent deemed necessary to arrive at a fair and reasonable price. The overall amount of the Government’s estimate shall not be disclosed except as permitted by agency regulations.
Para completar, não posso deixar de citar a recomendação da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), entidade que reúne os países desenvolvidos e tem os mais respeitados estudos sobre combate a carteis em licitações públicas. Eis o que diz a OCDE, em sua cartilha sobre combate a conluios (disponível no seguinte endereço: http://www.oecd.org/dataoecd/27/19/42851044.pdf):
4. DESIGN THE TENDER PROCESS TO EFFECTIVELY REDUCE COMMUNICATION AMONG BIDDERS
(…)
Use a maximum reserve price only if it is based on thorough market research and officials are convinced it is very competitive. Do not publish the reserve price, but keep it confidential in the file or deposit it with another public authority.
3. OUTRAS VANTAGENS DO RDC
Além disso tudo, o RDC usa o aprendizado do pregão eletrônico no Brasil. Hoje ele só é aplicável a bens e serviços comuns, mas não a obras. O RDC permite o uso do pregão eletrônico. Por ser na internet, aumenta-se a competitividade, já que os concorrentes não precisam se deslocar para o local da licitação e, mais importante, não sabem quem está concorrendo (os lances são virtuais). Com isso, evita-se o cartel.
Também será usada a inversão de fases. Com isso, a etapa de habilitação (hoje lenta, burocrática e propícia a direcionamentos) fica para depois da disputa de preços. Ou seja, quando se discute preço, há mais empresas participando, aumentando a competitividade. Além disso, só será avaliada a habilitação da empresa vencedora, diminuindo a burocracia, agilizando o processo e evitando a judicialização.
Há vários outros aspectos, mas não vou me alongar. Na imprensa, alguns têm falado mal do projeto porque não leram. Outros porque não entendem do assunto, ou fizeram uma avaliação apressada, contaminado pela imagem transmitida pela imprensa. Mas há sobretudo os que têm interesse na manutenção do modelo atual, claramente ultrapassado e propício à corrupção.
Por todas essas razões, não tenho dúvidas de que o RDC é muito superior à Lei 8.666/1993. Não é à toa que o TCU e a CGU apoiam o projeto e reconhecem seus avanços. Além de menos burocrático, a grande vantagem do RDC é que ele é também muito mais competitivo. Daí a enorme resistência das empreiteiras, que hoje faturam com o atual modelo.
Robson Rodrigues