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Da eterna falácia do relacionamento masculino compulsório

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Ainda que o mundo esteja evoluindo lentamente em direção a uma situação mais igualitária entre os gêneros — não estou dizendo que todo mundo esteja ajudando, apenas que acredito que a gente vá chegar lá –, ainda vivemos numa época em que alguns dos papéis masculinos e femininos são vistos com coisas bem delimitadas.
Homens são mais agressivos e mulheres são mais sensíveis enquanto homens são mais assertivos. Mulheres são mais carentes e homens não querem falar sobre sentimentos enquanto mulheres só querem falar sobre sentimentos (eventualmente parando para falar sobre gatos e chocolate, mas necessariamente voltando a falar sobre sentimentos).
E, no meio de todos esses estereótipos e definições, que com imensa freqüência se mostram cada vez mais falsos, existe um dos mais arraigados e que mais começou a me incomodar conforme fui chegando na vida adulta e lidando com relacionamentos mais estáveis como namoros, noivados e casamentos: a premissa do homem enquanto eterno contrariado na relação.
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São vários os sinais, que vão desde as manifestações das partes até a postura daqueles em torno, reagindo consciente ou inconscientemente. O bolo de casamento com o noivo sendo arrastado pela noiva, como que se obrigando a casar. Tem a camisa de casado onde se lê “game over”. Existe o fato de que as amigas da noiva estão felizes porque ela está se comprometendo, mas os amigos do noivo estão ironicamente dizendo que ele vai se “enforcar”.
O simples conceito de despedida de solteiro, que nasceu como ritual masculino, passa meio que uma ideia básica de que o noivo tem direito a uma última noite de diversão porque a boa vida vai acabar, enquanto a namorada está em casa recebendo uma coleção de tupperware. “Eba”, imagino a garota dizendo.
Mas essas coisas não se limitam necessariamente ao casamento. Existe toda uma gama de marcadores textuais, desde o cara se referindo a namorada como “patroa” — o que inevitavelmente dá ao namoro uma ideia de trabalho, como se fosse algo que ele é obrigado a fazer — até o fato de que, com freqüência — tanto na realidade quanto na ficção — é sempre visto como um tremendo esforço masculino fazer coisas que “agradem a mulher”, como ir a um teatro e assistir um filme romântico, como se, mesmo dentro dessa lógica, não representasse também um imenso esforço feminino tolerar um futebol ou maratona do Rambo.
Tudo isso para transmitir uma ideia de que, no geral, as mulheres são as interessadas no relacionamento e os homens, que obviamente preferiam estar solteiros, aceitaram aquilo como algum tipo de concessão, que lutam diária e bravamente para suportar, sem nunca conseguir esconder totalmente seu desconforto e sua inconformidade com essa norma social que poda sua natureza de machos livres, que possivelmente andariam pelas pradarias praticando o extrativismo vegetal e o sexo animal.
Ou posso ter exagerado um pouco. Eu mesmo não sei diferenciar a maior parte das árvores.
Mas não, nem estou aqui para discutir o inevitável machismo desse tipo de pensamento — o homem foi feito para ser livre, a mulher foi feita para ficar em casa — ou mesmo todas as implicações sociais desse tipo de mentalidade (pensando assim, você cria sua filha para namorar e seu filho para transar).
Na verdade, eu quero apenas tocar em um ponto bem menor e, talvez, bem mais particular, que é o fato de que quando você faz isso, tanto quanto machista, você está sendo bastante babaca.
Imagine se a sua namorada te chamasse de “chefe” e tratasse ficar contigo, mesmo que brincando, como um trabalho. Imagine ouvir as amigas dela dizendo na sua frente que agora ela se enforcou, que a boa vida vai acabar, é se preparar pra aguentar chateação e transar pouco.
Pensa que lindo ficaria um bolinho com você sorrindo e a noiva chorando e ela, de vez em quando, ressaltar o quanto é complicada essa coisa de namorar porque a vontade dela era continuar solteira mesmo. Muito provavelmente a sua reação não seria de conformidade ou uma risada constrangida, seria na maior parte dos casos um “pode ir embora então que ninguém aqui tá te prendendo”, que é o que, num mundo real, qualquer pessoa faria diante desse tipo de coisa.
Mas não. Sua namorada provavelmente não o faz.
Então, mesmo se você não puder fazer isso por questões ideológicas, por conta das conquistas femininas, por qualquer motivo mais elevado ou conceitual, vale a pena fazer isso em respeito a sua esposa, namorada, parceira, ficante. Menos camisa game over, menos tipinho, menos papo sobre os tempos de solteiro como se eles consistissem em pegação sem limites e não em noites jogandoAge of Empires e um pouco mais de percepção de que não é vergonha nenhuma admitir que você está tão investido emocionalmente em algo quanto a pessoa do seu lado e ninguém vai ser menos homem por causa disso.
Mesmo porque, se estar com ela fosse mesmo um trabalho, um comportamento assim já estaria gerando justa causa.
João Baldi Jr.

Escreve no (www.justwrapped.me/) e discute diariamente os grandes temas - pagode, flamengo, geopolítica contemporânea e modernidade líquida. No Twitter, é o (@joaoluisjr)

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