Confira entrevista com o repórter de tecnologia da DINHEIRO, Bruno Galo
O aplicativo Instagram, que permite a qualquer usuário de iPhone inserir efeitos visuais em fotos digitais e compartilhá-las na internet, foi lançado em outubro de 2010, nos Estados Unidos. O sucesso foi instantâneo. Em uma semana, ele já contava com 100 mil usuários, marca que o microblog Twitter levou dois anos para alcançar. Atualmente, mais de três milhões de pessoas em todo o mundo utilizam o programa, o que também é uma façanha: o poderoso Facebook, a maior rede social do mundo, demorou um ano para chegar a essa marca.
Depois de virar febre na internet, o Instagram foi tema de reportagens da badalada revista de tecnologia Wired e de diários, como o inglês The Guardian e o americano The New York Times. O que confere um sabor especial a essa história é que por trás do mais novo fenômeno mundial da internet está um brasileiro: Michel Krieger, 24 anos. Ele criou o Instagram junto com o americano Kevin Systrom no Vale do Silício, o polo tecnológico situado ao sul da Baía de São Francisco, na Califórnia, de onde nascem as inovações que determinam os rumos do mercado internacional de tecnologia. Ter o próprio negócio faz parte da cultura do Vale do Silício, disse Krieger à DINHEIRO.
O Instagram recebeu em fevereiro um investimento de US$ 7 milhões, liderado por peixes graúdos do Vale, como Marc Andreensen, criador do Netscape, o primeiro navegador da internet, Matt Cohler, conselheiro do Facebook e sócio do fundo Benchmark Capital, e Jack Dorsey, fundador e presidente do conselho de administração do Twitter. Com o aporte, o Instagram está avaliado hoje em US$ 70 milhões.
O sucesso de Michel Krieger, que ao se mudar para os EUA adotou como seu primeiro nome Mike, é o mais comentado caso de brasileiro que está bombando no Vale do Silício, mas não é o único. Movidos pelo sonho de brilhar no berço da tecnologia mundial e quem sabe se tornar o próximo Mark Zuckerberg, o fundador do Facebook, outros empreendedores nascidos no Brasil desenvolvem projetos lá.
Os negócios ligados à internet, como redes sociais, jogos virtuais e mobilidade, estão entre as áreas nas quais eles mais empreendem. Alguns, como Krieger, trocaram o Brasil por São Francisco com o objetivo de estudar e acabaram se envolvendo em projetos de startups, o modo como são chamadas as empresas iniciantes geridas por pequenos empresários.
Isso acontece porque as universidades americanas não só estimulam o empreendedorismo como também fornecem o ambiente ideal para a criação de companhias, por intermédio de programas que auxiliam no desenvolvimento de negócios. Para completar o quadro, as principais empresas de venture capital, como a Sequoia Capital, assim como os investidores-anjo, que costumam dar o primeiro empurrão financeiro para as startups tecnológicas, estão baseadas na região do Vale do Silício.
Há ainda mais um ingrediente importante: compartilhar planos com outros empreendedores, colhendo conselhos, faz parte do jeito de ser no Vale do Silício. É comum o surgimento de parcerias a partir de conversas mantidas em cafés ou happy hours, o que também viabiliza o encontro com investidores. A experiência de ter cursado a universidade foi importante, pois lá conheci outras pessoas que também queriam montar o próprio negócio, afirma Krieger. Mas todo o ambiente do Vale é estimulante e facilita a vida de quem deseja viabilizar seus projetos.
O caminho percorrido até se tornar um empreendedor permitiu a Krieger se preparar bem para a entrada no mercado digital americano. Paulistano, ele passou boa parte da vida em São Paulo, mas, como o pai é executivo com carreira em multinacionais, morou também em Lisboa, Miami e Buenos Aires. Em 2004, desembarcou na cidade de Palo Alto, na Califórnia, a fim de fazer ciências da computação na prestigiada Universidade Stanford, que fica na região.
Foi lá que surgiu o interesse por novas tecnologias. Ainda na faculdade, ele participou de um programa para jovens empreendedores. Denominado Mayfield Fellows, o curso durava nove meses e previa um breve estágio em uma startup no caso de Krieger, a oportunidade surgida foi numa companhia chamada Foxmarks, que criava aplicativos para sincronizar os conteúdos favoritos entre diferentes navegadores e computadores.
Em seguida, ele foi contratado pela Meebo, uma startup que desenvolvia simuladores de comunicadores instantâneos, como o MSN, da Microsoft, para PCs e smartphones. Em um ano e meio como funcionário da Meebo cuja sede fica na cidade de Montain View, também na Califórnia, a mesma do Google, Krieger atuou como designer digital e elaborou recursos para incrementar o site. O convívio com os fundadores, Seth Sternberg e Elaine Wherry, algo comum entre as startups, possibilitou a ele entender as etapas para a criação de uma pequena empresa.
Com essas experiências na bagagem, Krieger não titubeou quando Systron o convidou para participar do desenvolvimento do Burbn, um aplicativo que permitia às pessoas postar fotos e vídeos e indicar sua localização pelo GPS ou smartphone. Depois de se juntar ao amigo, o programa foi reformulado e manteve apenas o recurso para compartilhamento de fotos.
Nascia ali o Instagram. O Burbn era muito confuso e complexo. Por isso tornamos o aplicativo mais simples, uma qualidade fundamental na internet, diz Krieger. Um dos segredos do sucesso do Instagram é que foi pensado para a era da internet móvel. A mudança dos hábitos das pessoas, que usam menos a web via computador e navegam mais pelo celular, abriu uma imensa gama de oportunidades.
Ron Czerny, da PlayPhone
Essa capacidade para identificar novos nichos num mercado em fase de profundas transformações também foi fundamental para o paranaense Ron Czerny, de 43 anos, fixar-se como um importante empresário no berço mundial da tecnologia. Ainda jovem, Czerny foi estudar na San Jose State University e, como jogava tênis muito bem, passou a representar a instituição em competições esportivas.
Mas, como se tornar um astro das quadras não estava escrito em seu destino, ele voltou os olhos para o setor tecnológico e farejou, no início da década passada, que o futuro estaria na telefonia móvel. Assim, criou em 2003 a PlayPhone, empresa focada em conteúdo e entretenimento para celulares. Por se tratar de um mercado muito novo na ocasião, a companhia só engrenou mesmo a partir de 2005.
Primeira empresa dos EUA a vender conteúdos para celular diretamente ao consumidor, sem a participação das operadoras, a PlayPhone firmou parcerias com grandes produtoras de conteúdo, como a Cartoon Network e a Sony Music. Hoje, ela é uma das maiores do mundo no campo do entretenimento para celulares, com atuação em 25 países e 120 funcionários. Harvest Moon, que é similar ao Farmville, Máfia II e 24 Horas são alguns de seus jogos mais populares. Em 2009, alcançou uma receita de US$ 100 milhões. O balanço de 2010 ainda não foi fechado, mas Ron não espera um grande crescimento.
Isso porque o conteúdo de diversão está migrando dos celulares tradicionais, foco da PlayPhone, para os smartphones. Por isso, a empresa concentrou esforços em 2010 no desenvolvimento de uma plataforma própria de games para redes sociais nos celulares inteligentes. A estratégia contempla também o lançamento, neste ano, de seus jogos em aparelhos que rodam com sistema operacional Android, do Google, além do próprio iPhone. Estamos fazendo os ajustes no momento certo. A área de games sociais é a bola da vez no mercado de entretenimento móvel, diz Czerny.
João Lima, da Coffee Bean
Se é verdade que o faro para descobrir tendências pode marcar a diferença entre o sucesso e o fracasso, não se pode esquecer da sorte como parte importante do jogo. O potiguar João Lima, 54 anos, que o diga. Em 2006, ele e seu sócio paulista Daniel Dalarossa venderam a Cyclades, fabricante de equipamentos de redes de informática, para a americana Avocent, por US$ 90 milhões. Fundada em 1989, no Brasil, a Cyclades não obteve um retorno financeiro imediato.
Após se instalar em Fremont, no Vale do Silício, em 1991, Lima percebeu que não teria condições de enfrentar muitos dos concorrentes, todos de maior porte, que já estavam estabelecidos na região. Sem ter conseguido receber aportes de investidores, a empresa apostou, então, em uma estratégia de preços agressiva e adaptou seus produtos para o sistema operacional Linux. O salto, no entanto, se deu com o repentino boom da internet, a partir de meados dos anos 1990, nos EUA, que depois se estendeu para outros mercados, inclusive o brasileiro. De repente, as placas da Cyclades começaram a vender como água. A empresa chegou a 320 funcionários e abriu escritórios em 16 países.
Com a venda da Cyclades, Lima ficou milionário e voltou a empreender novamente. Sua atual companhia, a Coffee Bean, fundada em 2007, presta serviço para cerca de 20 clientes especialmente agências de marketing digital do Brasil e dos EUA de gerenciamento de relações com clientes integrado às redes sociais. É uma modalidade nova de negócios, que ainda não movimenta grande volume de dinheiro, mas se mostra muito promissora.
Rede sociais
Lima diz ter abraçado esse segmento porque as empresas, a cada dia, se interessam mais em entender como transformar as informações geradas nas mídias sociais em base para ações de marketing com os consumidores. O objetivo do software que desenvolvemos é permitir que os clientes descubram oportunidades de vendas com os usuários de redes sociais, diz Lima. O nome da companhia é uma homenagem ao negócio de café que o pai, com quem teve suas primeiras aulas de empreendedorismo, começou, há mais de quatro décadas, no Nordeste.
No embalo, Lima resolveu mudar seu prenome. Adotei o John em minha assinatura porque os clientes não conseguiam nem falar meu nome de batismo, João, que dirá fechar um negócio comigo, afirma. À primeira vista, a questão da identidade soa como capricho, mas não é. Tudo o que puder ser feito para estabelecer boas relações com a comunidade local de negócios é bem-vindo. Afinal, os investidores americanos dão um extremo valor à biografia de um possível empreendedor. Querem conhecer seu passado e ter uma relação franca e aberta com o candidato a receber investimentos. Muitas vezes, investe-se na pessoa, no time, e não na ideia, diz o brasileiro Patrick Kann, que trabalha como investidor no fundo Idealab, no Vale.
André Leb, da CompassLabs
Formado em economia pela Universidade da Califórnia (UCLA), o paulistano André Leb conhece bem essa realidade. Fundador do PreçoMania, site comparador de preços, lançado no início da década passada no Brasil, ele hoje é sócio e vice-presidente da CompassLabs, uma plataforma de publicidade segmentada e direcionada nas mídias sociais, avaliada em US$ 50 milhões. Em ambos os projetos, Leb diz ter aprendido que se cercar de profissionais qualificados, desde o início, é essencial para atrair investimentos. A solidez da sua equipe é que vai garantir o resultado final, afirma Leb, que mora em Los Angeles com a família.
Ele se tornou sócio da CompassLabs, cuja sede fica na cidade de San Jose, também na Califórnia, poucos meses depois da criação da companhia, em maio de 2010. Até o momento, a empresa recebeu aportes que totalizam US$ 6 milhões, feitos por fundos, como o New Enterprise Associaton (NEA), e investidores destacados de tecnologia, como Mike Ramsey, cofundador e ex-CEO da companhia americana TiVO. A CompassLabs já fez campanhas para clientes como Coca-Cola e o grupo de comércio eletrônico eBay.
Hélcio Nobre e Guilherme Bastos, do Muzambo
Há negócios de brasileiros no centro tecnológico do planeta que ainda se encontram em estágios bem iniciais. Entre esses exemplos está o Muzambo, site de comércio eletrônico sediado em Sunnyvale, na Califórnia, especializado na exportação para o Brasil de produtos ainda não lançados no mercado nacional. Entre os itens comercializados estão desde equipamentos de computação, como o iPad, até videogames, passando por smartphones e artigos para cozinha, como batedeiras.
O projeto está no ar desde outubro de 2010 e foi idealizado pelo mineiro Hélcio Nobre e pelo curitibano Guilherme Bastos. Nobre conta que o desejo de empreender o levou a escolher os EUA para morar, há dez anos, quando foi cursar MBA na Universidade Stanford. Ele foi um dos responsáveis diretos pela abertura do escritório no Brasil, em 2010, da PayPal, empresa de pagamentos online, enquanto Bastos trabalhou no eBay. Na hora de decidir em que setor investir, não houve dúvidas. Focamos na área em que nossas competências poderiam se complementar, ou seja, o comércio eletrônico, diz Nobre.
Adriano Blanaru, da Clipik
A exemplo do Muzambo, a Clipik, de Adriano Blanaru, 32 anos, nascido em São Paulo, também dá agora os seus primeiros passos. Plataforma de edição de vídeos pessoais, a Clipik nasceu no ano passado enquanto ele cursava seu MBA na Universidade da Pensilvânia, na Filadélfia, instituição na qual se matriculou depois de abandonar uma carreira de dez anos no mercado financeiro no Brasil.
Durante o tempo livre entre uma aula e outra, Blanaru e alguns colegas se encontravam em um café para discutir a possibilidade de criação de um negócio, até que tiveram o estalo: Todas as pessoas têm fotos e vídeos digitais feitos durante uma festa ou viagem, esperando por uma edição mais caprichada, diz Blanaru. O que fizemos foi elaborar uma forma de facilitar isso para o público leigo. O fôlego para sustentar a empreitada enquanto o negócio ganha corpo está garantido. Baseada em São Francisco, a Clipik recebeu apoio financeiro, de valor não revelado, do fundo americano Valhalla Partners.
Além do financiamento de risco mais abundante, os empreendedores brasileiros que começam a se projetar no Vale do Silício contam com uma vantagem adicional na facilidade e na simplicidade para se abrir um negócio nos Estados Unidos, mercadorias ainda escassas no Brasil.
Paulo Lerner, da Frugar
No caso do carioca Paulo Lerner, 29 anos, a facilidade jurídica foi um estímulo a mais para uma jornada no Vale. Lerner é CEO da Kleintech, empresa que mantém a Frugar, uma rede social de opiniões sobre produtos. Dos trâmites burocráticos para locação de salas ao registro da futura companhia, tudo é descomplicado, o que faz com que o empreendedor possa se concentrar em questões relacionadas ao negócio. O marco regulatório aqui é muito propício, diz Lerner.
A Frugar faz parte de uma tendência que os americanos chamam de social shopping. A novidade pode ser descrita como a aproximação das compras online um negócio que fatura anualmente quase US$ 200 bilhões apenas nos EUA das redes sociais, como o Twitter, e até mesmo os sites de compras coletivas. Para entender melhor o conceito, pense numa plataforma digital que reúna transações virtuais e permita a interação entre usuários nas mídias sociais. Lerner já levantou US$ 2 milhões em investimentos e soma mais de 100 mil usuários de seu serviço, que ainda está em fase de testes.
Reinaldo Normand
Daqui a alguns meses, quem também passará por testes é uma nova empresa de um brasileiro que já é veterano no Vale. O mineiro Reinaldo Normand está envolvido na criação da startup 2 Mundos, do setor de videogames, cujos detalhes ele prefere ainda não revelar. Diz apenas que ela conta com investidores brasileiros e americanos, terá sede no Vale do Silício e atuará no Brasil. Será um empreendimento relacionado à área de games para redes sociais, afirma.
Nascido em Belo Horizonte, Normand se estabeleceu há pouco menos de seis meses na Califórnia, depois de retornar de uma temporada na China, no ano passado. Sua relação com a Meca da tecnologia da informação, no entanto, existe há mais de uma década, pois morou muitos anos em San Diego, cidade californiana próxima ao burburinho high tech. Normand é um dos fundadores do Zeebo, o primeiro videogame a fazer downloads de jogos via rede 3G. Esse projeto foi lançado, em 2009, junto com a brasileira Tectoy e companhias de sete países, entre os quais Estados Unidos, China e Japão.
Normand vendeu sua parte no projeto no ano passado e agora quer se dedicar, além da nova empresa, à formação de uma rede internacional de mentores do Vale. Trata-se de um grupo composto por investidores e pessoas experientes na formulação de startups, que terá o objetivo de ajudar jovens empreendedores. Por meio de encontros no Brasil e nos EUA, esse núcleo pretende colocar gestores americanos de venture capital frente a frente com os brasileiros, abrindo a possibilidade de multiplicar o número de estrelas nacionais que brilham lá fora. Sei de muitos investidores que se interessam em fazer negócios na área digital no Brasil, mas não o fazem porque não conhecem ninguém aí, diz. É preciso conectar o País ao Vale do Silício.
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Eduardo Saverin e o Facebook
A história de brasileiros no Vale do Silício é em grande parte feita de jovens que se fixaram lá para estudar e que, depois de formarem suas redes de contatos, fundaram empresas. O caso do paulistano Eduardo Saverin, no entanto, tem peculiaridades que o diferenciam dos demais. Em primeiro lugar, ele se mudou com a família para Miami quando ainda era criança e depois se naturalizou americano. Mas a principal diferença é que nenhum outro conterrâneo alcançou tamanha fama e riqueza.
A razão para o estrelato é que Saverin financiou os primeiros US$ 1 mil para que o Facebook começasse a funcionar. O projeto surgiu quando ele e Mark Zuckerberg, o criador do site, estudavam na Universidade Harvard, em Cambridge, nos Estados Unidos. Quando a empresa foi transferida para Palo Alto, no Vale, ele foi afastado da operação, o que motivou uma longa batalha judicial. Resolvidas as pendengas, hoje Saverin detém 5% do Facebook e uma fortuna avaliada em US$ 2,5 bilhões.
A relação do paulistano com o Vale do Silício não se limita ao Facebook. Ele liderou investimentos superiores a US$ 15 milhões em startups, como o Qwiki, uma espécie de Wikipédia multimídia. Como é avesso a entrevistas, não se sabe ao certo onde mora hoje, mas acredita-se que viva a maior parte de seu tempo em Cingapura.