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O vírus da desconfiança

Das muitas chamadas para visitar blogs, recebo uma em que a autora adverte, ao final do texto, que o link de acesso ao site não é um vírus. Não conferi, mas possivelmente não fosse mesmo. Passo a imaginar então se, ao enviar convites para o casamento, os noivos fizessem constar, em pequena nota no envelope, que a correspondência nas mãos do destinatário pode ser aberta sem qualquer risco à sua integridade física.
É na toca do anonimato que a sórdida fraqueza mina a confiança de quem ainda ousa crer no próximo. Há algum tempo uma empresa americana que produz softwares de segurança divulgou pesquisa, segundo a qual a Alemanha já ultrapassara a Espanha como o país europeu mais contaminado por vírus de computador. Três países estavam então na ponta do ranking mundial, quando o assunto é disseminar um prejuízo estimado em 100 bilhões de euros anualmente: China, Rússia e Brasil. A informação veio de Eugene Kaspersky, considerado um dos maiores especialistas do mundo em antivírus. Ele lembrava que a criminalidade é mais baixa em países desenvolvidos economicamente. Porém mais que o fator econômico, sobressai o aspecto da mentalidade. “No Japão ninguém programa vírus, os japoneses não praticam cibercriminalidade. Para eles seria uma vergonha”, dizia Kaspersky.
Martin Rees, professor de cosmologia e astrofísica da Universidade Cambridge, já citado aqui em Pretextos-elr, vê no uso indevido ou descuidado da ciência um dos mais sérios perigos para a Humanidade. Sua preocupação não se limita a terroristas organizados, mas chega, principalmente, ao que ele chama de “idiotas individuais, com a mentalidade dessas pessoas que hoje produzem vírus de computador”. Portanto, a crise é sobretudo de confiança.
A caminho do Brasil, o papa Francisco chamou nossa atenção para “a sabedoria dos idosos”, pouco valorizados na terrinha. Mais tarde, no Palácio Guanabara, pediu licença para bater delicadamente no coração dos brasileiros, e em especial no dos jovens.
Palavras de alento, mornas de aconchego. Porque palavra-verdade é coisa cada vez mais rara de se ver, ler e ouvir. Há exemplos cotidianos que vão dos mais modestos aos, digamos, mais desconcertantes. Como o caso do membro da corte de justiça que, segundo denunciou a imprensa, “rejuvenesceu” dois anos para alcançar sua vez de presidir o tribunal a que serve, sem abrir mão de confortável aposentadoria no Poder Legislativo.
O fato é que nos acostumamos não apenas com a mentira, mas também com a sua “profissionalização”. Na rua onde moro, a autoridade mandou reforçar a tinta que indica, no asfalto, a presença do radar que controla a velocidade. Só que os aparelhos desapareceram há muito dos postes onde haviam sido instalados.
A atendente da operadora de telefonia (Oi) onde, apesar de ressabiado, contratei um plano englobando ligações de telefone fixo, celular e banda larga, me assegurou três dias de prazo para que os serviços entrassem em vigor. Quinze dias e vários números de protocolo depois da conversa amável da Gabriela, só um dos dois aparelhos celulares tinha sido alcançado pela tal portabilidade. Quanto à velocidade de banda larga contratada, até o momento em que escrevo este texto nada mudou.
Das tribunas da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal ouvem-se elogios diários, queixas, protestos e promessas que quase nunca ultrapassam os registros oficiais das duas Casas. Nem fumante inveterado tem fôlego mais curto.
O valor da palavra desabou, rasteja na imundície de promessas que não se cumprem na política, nas relações interpessoais, na vida pública. Vamos nos deixando enganar, com leniência rara, numa sociedade onde é comum que instrumentos para a defesa do cidadão, quando existem, sejam ultrapassados ou encontrem-se emperrados em sua maioria. Em cruel vantagem porém, os que se usam para monitorar os movimentos do eleitor e tributar o contribuinte costumam ser atualizados sempre, imunes às vacinas do questionamento e da desconfiança cívica.
Marca de produtos, serviços e até nome de clube de futebol, confiança é valor que não se encontra em prateleira de supermercado. Conquista-se ao longo da vida e, guardadas as proporções, é mais ou menos como o dinheiro: difícil de ganhar e fácil de perder.
Há sinais de que ainda dispomos de doses da confiança que só a limitada paciência pode fornecer.
Paciência que, no caso brasileiro, é amazônica não apenas quanto às dimensões, mas também quanto ao descaso de quem deveria zelar por ela. 


(Texto reeditado, originalmente publicado em Pretextos-elr em Agosto/2010)