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A passagem de Arthur


Começava um carnaval meio trôpego

Com a lama das minas ainda grudada em nós
Quando o pequeno Arthur
Fez sua passagem.

O carcereiro dá a notícia atroz

E sobre Lula desce um véu negro.
De todos as outras mortes nenhuma o abateu tanto.
E ela veio novamente, inexorável.
O pequeno Arthur fez sua passagem.

As outras mortes doídas as derrotas políticas, a prisão injusta. O desmonte das coisas que ele fez pelos pobres. O ódio insidioso dos fascistas deformados. De todos os revezes, nenhum outro doeu tanto. Uma criança inverte a ordem, desgraçadamente. O pequeno Arthur fez sua passagem.

Lula e o aceno proibido, por Armando Rodrigues Coelho Neto

Escrevo em estado de choque, como resultado da morte de alguém que não conheci: Arthur Lula da Silva, sete anos. O nome disso é empatia, ou seja, “a capacidade psicológica para sentir o que sentiria uma outra pessoa, caso estivesse na mesma situação vivenciada por ela. Consiste em tentar compreender sentimentos e emoções, procurando experimentar de forma objetiva e racional o que sente outro indivíduo”. Ser empático é superar o egoísmo, é se colocar quase involuntariamente no lugar do outro. É um ato de entrega humana. É o que consta em verbetes da rede mundial de computadores.
Não tenho netos legítimos, mas tenho uma coleção de falsos netos. Tenho uma belíssima relação com eles e meus amigos avôs e avós não precisam explicar muito seus vínculos com eles. Menos ainda explicar a dor que sentiriam com a morte de um deles. Daí me haver doído sobremaneira o desprezo da horda presidencial para com o neto do Lula. Do mesmo modo, o escárnio, as ironias e tripúdios impublicáveis quanto à morte daquela criança. Veio de gente até da Polícia Federal, um deles tentando responsabilizar o ex-presidente Lula com um pretenso veto de vacina contra meningite. Gente que de forma gratuita e imediata transferiu para o garoto o ódio sem nexo que sente pelo avô dele.
Mais que transferência de ódio, foi constrangedor ver pessoas considerarem a morte do garoto como pena suplementar para Lula, por conta de crimes que nem o verdugo Sejumoro conseguiu demonstrar.

Lula: um homem


Lula, em silêncio, comandou com os olhos o espetáculo de dor e esperança do que deveria ter sido apenas um enterro triste, como sempre são devastadoramente tristes os enterros de crianças.

Em silêncio, coroado de cabelos brancos, Lula fez o mundo tremer.

Pois o mundo todo que viu os seguranças, as polícias, os soldados, as armas e o rancor mobilizados, todos cagados de medo, sem compreender a força daquele homem.

Aquele homem que os deixou nus.

Quanta dor Lula ainda pode suportar? Por que o temem tanto os sem-caráter?

Ao se despedir do neto, o ex-presidente Lula disse a Arthur que ele agora está com dona Marisa no céu. E prometeu que quando for encontrá-los também, vai levar o diploma de sua inocência, que vai redimi-lo de todo bullying que o Arthur sofreu na escola. E vai provar que Moro e Dallagnol mentiram.
Quanta dor um homem é capaz de suportar? É impossível saber. A natureza humana é vasta, os limites, extensos. Aos 73 anos de idade, Luiz Inácio Lula da Silva parece forçado a testar esses limites.
O ex-presidente foi preso em 7 de abril passado, dia do aniversário de 67 anos de sua companheira de vida, Marisa Letícia. A mulher com quem foi casado por 43 anos morreu em 3 de fevereiro de 2017.

Familiares e amigos atribuem a morte prematura de Marisa Letícia a todo o sofrimento vivido por Lula, pelos filhos e por ela própria. A ciência comprova a relação entre tristeza, angústia, adoecimento.
Depois de 10 meses sem poder conviver com os filhos, netos, com sua bisneta, seus amigos e sem o contato permanente com o povo – vivência que dá ao ex-presidente energia e juventude –, em 29 de janeiro último Lula perdeu o irmão mais velho, Vavá. Também metalúrgico em São Bernardo do Campo, Vavá estava com 79 anos e lutava contra um tipo raro de câncer que afeta os vasos sanguíneos. Contrariando a Lei de Execuções Penais, o ex-presidente foi proibido de participar do velório até o último momento.