Enquanto a população reclama nas ruas contra os serviços públicos, a centenária Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) apresenta resultados operacionais superiores aos das americanas Fedex e UPS.
Em 6 de maio último, como faço habitualmente, lia a edição do Valor Econômico quando, entre os tradicionais cadernos, encontro as demonstrações financeiras de 2012 da ECT. Um misto de nostalgia e curiosidade me fez separar a publicação para uma análise posterior. Havia 15 anos que não via os números da empresa em detalhes. Sabia apenas que os dividendos da companhia distribuídos à União Federal fizeram parte da “contabilidade criativa” e contribuíram para o cumprimento da meta do superávit fiscal em 2012.
No final da década de 90, trabalhei em uma gestora cujo fundo buscava oportunidades em companhias que poderiam ser privatizadas. Já se discutia o inchaço do Estado, a qualidade dos serviços públicos e a solvência fiscal. Parecia consenso na ocasião que a saída era repassar as estatais para a iniciativa privada. Com isso, o fundo era composto basicamente por ações do setor elétrico como a distribuidora baiana Coelba e a pernambucana Celpe, e as teles. Outra característica do fundo era apostar em “small caps”. Assim, nada de manter posições na líquida Telebras, mas, sim, nas operadoras regionais como a maranhense Telma e a catarinense Telesc . Havia ainda espaço para Comgas, a distribuidora de gás de São Paulo, além da expectativa de que as empresas de saneamento passassem para as mãos de particulares. Assim, compilávamos os dados das concessionárias estaduais. Não aconteceu. Hoje, apenas três companhias possuem ações em bolsa: a paulista Sabesp, a mineira Copasa e a ilíquida paranaense Sanepar. A carioca Cedae foi rechaçada pelos investidores ao tentar abrir seu capital no ano passado.
Mesmo com a aposta no setor de saneamento não vingando a contento, o fundo apresentou excelente desempenho no período, recebendo diversos prêmios. Foi nesse contexto que passei os olhos pela primeira vez no balanço dos Correios. Quem sabe, a empresa não entrasse no programa de privatização?
Como disse, pus o balanço dos Correios de lado à espera de uma melhor oportunidade para fazer um artigo. Chegou a hora. Em um momento no qual a bolsa de valores é dominada por pessimismo generalizado, os analistas e a análise fundamentalista perdem força. O que adianta dizer que uma carteira de ações deve ser formada quando todos estão pessimistas ou que se deve sempre adotar a máxima de comprar na baixa?
Em um país onde são raras as instituições centenárias – apenas um punhado de empresas e os clubes de futebol –, os Correios assumem posição quase mítica. A empresa foi fundada em 25 de janeiro de 1663. A atual ECT foi criada pelo Decreto-Lei 509 de 1969. É uma empresa pública, cujo controle é detido exclusivamente pela União. Possui o monopólio dos serviços postais em todo o território nacional. A lógica do monopólio é permitir que a remuneração dos serviços nos grandes centros subsidie as regiões de menor atrativo econômico. Embora seja improvável que os Correios recebam aporte de particulares, a brecha existe. O Decreto diz no artigo 6º, parágrafo 4º, que: “poderão vir a participar dos futuros aumentos do capital outras pessoas jurídicas de direito público interno, bem como entidades integrantes da Administração Federal Indireta”. Como sociedades de economia mista fazem parte da administração indireta, os minoritários desta sociedade poderiam vir a participar indiretamente dos resultados dos Correios. Contudo, são apenas devaneios jurídicos. Vamos à realidade: como a companhia está indo? A princípio, muito bem. Em um momento que a população protesta contra os serviços públicos, os Correios na “Pesquisa de Satisfação e Imagem Institucional 2012” aparece entre as três instituições em que os brasileiros mais confiam atrás apenas da família e dos bombeiros. A qualidade operacional atingiu o índice de 92,7% dos objetos postais entregues dentro do prazo. A rentabilidade sobre o patrimônio líquido (RPL) tem se mantido ao redor de 25% nos últimos cinco anos (a exceção foi 2009). Em 2012, alcançou 27%, bem superior ao das americanas Fedex (o ano fiscal termina em novembro) e UPS, com 12,5% e 13,6%, respectivamente. A margem líquida também foi bem superior – 7,4% comparado a 4,5% de Fedex e 1,5% da UPS. Apesar do PIB claudicante e das inovações tecnológicas, o crescimento médio anual da receita nos últimos três anos foi de 10%, similar ao de Fedex e superior ao da UPS (6,1%).
Além disso, a companhia possui nível de endividamento irrisório. Em relação aos dividendos, a companhia tem praticado “payout” (parcela do lucro destinada aos dividendos) de 50%. A União recebeu R$ 350 milhões em 2012.
Esses números são obtidos apesar da reconhecida ineficiência estatal. Se dependesse apenas dos Correios, a população não faria manifestações.
por: André Rocha