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Paul Krugman - o dogma da incompetência

Tivesse o economista trocado o assunto do artigo abaixo (Lei de saúde a preço acessível - por organização da Copa) daria no mesmo. Por que de fato a essência do texto diz respeito ao título. Onde tiver reforma da saúde, leia "organização da Copa", o resultado será o mesmo. Confiram:


Você tem acompanhado as notícias sobre o Obamacare? A Lei de Atendimento de Saúde a Preço Acessível (a reforma da saúde de Obama) saiu da primeira página, mas as informações sobre como está se saindo continuam chegando – e quase todas as notícias são boas. De fato, a reforma da saúde prossegue bem desde março, quando ficou claro que as inscrições superariam as expectativas apesar dos problemas no site federal.

O que é interessante a respeito dessa história de sucesso é que tem sido acompanhada a cada passo por gritos de desastre iminente. A esta altura, no meu entender, os inimigos da reforma da saúde estão tomando de 6 a 0. Isto é, eles fizeram pelo menos seis previsões distintas sobre como a Obamacare fracassaria – e todas elas erraram.

"Errar é humano", escreveu Sêneca. "Persistir é diabólico." Todo mundo faz previsões incorretas. Mas estar tão errado de modo tão consistente exige um esforço especial. Logo, do que se trata isso?

Muitos leitores não ficarão surpresos com a resposta. Trata-se de política e ideologia, não de análise. Mas apesar dessa observação não ser particularmente surpreendente, vale a pena apontar o quanto a ideologia pisou nas evidências no debate da política de saúde.

E não estou falando apenas de políticos; eu estou falando dos especialistas. É impressionante o quanto os supostos peritos em saúde fizeram alegações sem base a respeito da Obamacare. Por exemplo, lembra do "choque de preços"? No final do ano passado, quando recebemos as primeiras informações sobre os prêmios dos planos de saúde, os analistas conservadores de saúde se apressaram em alegar que os consumidores sofreriam um aumento enorme de gastos. Estava óbvio, mesmo àquela altura, que as alegações eram enganadoras; nós agora sabemos que a grande maioria dos americanos que compraram planos pelas novas bolsas está obtendo cobertura a preço mais baixo.

Ou lembre das alegações de que as pessoas jovens não se inscreveriam, de modo que a Obamacare sofreria uma "espiral de morte" de alta dos custos e encolhimento das inscrições? Não está acontecendo: uma nova pesquisa Gallup aponta que mais pessoas obtiveram seguro-saúde por meio do programa e que o mix etário dos novos segurados é muito bom.

O que era especialmente estranho a respeito das previsões incessantes de desastre da reforma da saúde é que já sabíamos, ou deveríamos saber, que um programa na linha da Lei de Atendimento de Saúde a Preço Acessível provavelmente funcionaria. A Obamacare foi modelada mais ou menos de acordo com a Romneycare, que funciona no Estado de Massachusetts desde 2006, e tem forte semelhante com sistemas bem-sucedidos no exterior, como na Suíça, por exemplo. Por que o sistema seria inviável nos Estados Unidos?

Mas uma convicção firme de que o governo não é capaz de fazer nada útil – uma crença dogmática na incompetência do setor público – agora é uma parte central do conservadorismo americano, e o dogma da incompetência evidentemente impossibilitou uma análise racional das políticas.

Nem sempre foi assim. Se você voltar duas décadas, até a última grande batalha em torno da reforma da saúde, os conservadores pareciam relativamente cientes das perspectivas da política, apesar de profundamente cínicos. Por exemplo, o famoso memorando de William Kristol de 1993, pedindo aos republicanos para matarem a reforma da saúde de Clinton, alertava explicitamente que a Clintoncare, se implantada, poderia ser vista como bem-sucedida, o que, por sua vez, desferiria "um duro golpe contra as alegações republicanas de defesa da classe média ao restringir o governo". Logo, era crucial assegurar que a reforma nunca acontecesse. De fato, Kristol dizia para algumas pessoas que as histórias sobre a incompetência do governo são coisas vendidas aos eleitores para fazê-los apoiar cortes de impostos e desregulamentação, não algo em que você necessariamente acredita.

Mas isso foi antes dos conservadores recuarem plenamente para seu próprio universo intelectual. A "Fox News" ainda não existia. Os analistas de políticas dos centros de estudos de direita costumavam iniciar suas carreiras em empregos relativamente não políticos. Ainda era possível entreter a noção de que a realidade não era o que você desejava que fosse.

Agora é diferente. É difícil pensar em alguém na direita americana que já tenha considerado a possibilidade de que a Obamacare pudesse funcionar ou que esteja disposto a admitir essa possibilidade em público. Em vez disso, até mesmo os supostos especialistas continuam vendendo histórias improváveis de desastre iminente, mesmo após suas chances de deter a reforma da saúde terem acabado, e eles vendem essas histórias não apenas para os caipiras, mas também uns para os outros.

E vamos ser claros: apesar de ter sido divertido ver a direita se agarrar às suas ilusões a respeito da reforma da saúde, também é assustador. Afinal, essas pessoas mantêm uma capacidade considerável de promover estragos políticos e, algum dia, podem retomar a Casa Branca. E você realmente não quer ali pessoas que rejeitam os fatos de que não gostam. Quero dizer, elas poderiam fazer coisas impensáveis, como começar uma guerra sem motivo. Oh, espere...

Artigo semanal de Paul Krugmen


 Devolvendo o GINI à garrafa

Paul Krugman
Será que a política econômica é capaz de transformar a desigualdade? Em especial, será que os governos são capazes de reduzir a desigualdade sem assassinar a economia? Como parte da preparação para um curso, tenho analisado uma história que, ao que me parece, tem sido pouquíssimo debatida nos Estados Unidos, mas é no mínimo muito interessante: o notável declínio na desigualdade ocorrido na América Latina.
Espere aí – os países latino-americanos não são extremamente desiguais? Sim, eles – ainda – são. Mas esta desigualdade é hoje muito menos gritante do que já foi. Politicamente, a região avançou para a esquerda perto do ano 2000, voltando parcialmente as costas para o Consenso de Washington – e houve uma reversão dramática nas tendências que regem a desigualdade:
E quanto ao desempenho econômico? O estudo indicado no link acima divide os regimes em três tipos: os social-democráticos (o Brasil, por exemplo), os populistas de esquerda (Venezuela) e aqueles que não se situam à esquerda do centro. (LOC é a sigla para left of center. Na tradução: à esquerda do centro)
Há muito para ser analisado aqui, e não faltam perguntas a respeito da relevância disto para os países mais ricos. Mas quem se lembra de como a direita elogiou o sistema chileno de aposentadoria privada pouco tempo atrás? (Descobrimos que os próprios chilenos não se mostravam tão entusiasmados em relação a este sistema.) Bem, talvez nossos vizinhos do sul tenham uma lição diferente a nos ensinar.

Os valores tradicionais não são tão importantes quanto os conservadores gostariam que nós acreditássemos

Dinheiro e Moral

por Paul Krugman

A desigualdade se tornou assunto de debate nacional. Entre os países ricos, os Estados Unidos se destacam como aquele no qual o status social e econômico tem maior probabilidade de ser transferido de geração a geração.
E isso tornou inevitável o que aconteceu a seguir: os conservadores subitamente começaram a nos dizer que a questão real não é de dinheiro, mas sim de ordem estritamente moral.
Mas será que a questão é realmente moral? Não: ela gira principalmente em torno de dinheiro.
É justo ressaltar que “Coming Apart: The Status of White America, 1960-2010″, o livro de Charles Murray que embasa o ataque conservador, ilumina algumas tendências notáveis.
Entre os norte-americanos brancos com nível educacional de segundo grau ou inferior, o número de casamentos e a participação masculina na força de trabalho estão em queda, enquanto o número de crianças nascidas fora do casamento está crescendo.
Fica claro que a classe operária branca mudou para um comportamento que não parece bom. Mas a primeira pergunta a ser feita deveria ser: as coisas vão realmente tão mal no que tange aos valores?
Murray jamais menciona a queda no número de gestações na adolescência entre todos os grupos raciais, desde 1990, ou a queda de 60% no número de crimes violentos, da metade dos anos 90 até os dias de hoje.
No entanto, para os homens com nível educacional mais baixo, tudo vem sendo negativo. Ajustado pela inflação, o salário inicial de um homem com educação de segundo grau caiu em 23%, de 1973 para cá. Enquanto isso, os benefícios dos trabalhadores despencaram.
Em 1980, 65% dos formandos recentes no segundo grau empregados pelo setor privado contavam com planos de saúde oferecidos pelos empregadores; em 2009, essa proporção havia se reduzido a somente 29%.
Assim, nos tornamos uma sociedade na qual os homens com menor nível de educação encontram grande dificuldade em encontrar empregos com salários decentes e bons benefícios.
Mas ainda assim devemos nos surpreender por esses homens se inclinarem menos a entrar na força de trabalho ou se casarem, e concluir que a causa só pode ser algum misterioso colapso moral causado por progressistas entojados.
E Murray também nos informa que os casamentos na classe trabalhadora, quando acontecem, se tornaram menos felizes. Estranho? É preciso considerar que problemas de dinheiro em geral têm essa consequência.
Assim, deveríamos rejeitar os esforços para desviar o diálogo nacional da desigualdade cada vez mais alta para as supostas deficiências morais dos norte-americanos que estão sendo deixados para trás.
Os valores tradicionais não são tão importantes quanto os conservadores gostariam que acreditássemos -e, de qualquer forma, as mudanças sociais em curso na classe trabalhadora norte-americana são fundamentalmente consequência de uma alta acentuada na desigualdade, e não sua causa.
Tradução de PAULO MIGLIACCI

Os miblionários, impostos e a dança dos 7 véus

Vocês podem me achar esquisito, mas estou me divertindo com o espetáculo de Mitt Romney fazendo a dança dos sete véus -em parte por voyeurismo, claro, mas também porque é hora de discutir esse assunto.
O tema da dança são os impostos. Ainda que divulgar declarações de renda seja prática padrão entre candidatos, Romney jamais o fez. Declarou que acredita pagar apenas 15% de sua renda em impostos e deu a entender que talvez divulgue sua declaração de 2011.
A questão mais ampla não é aquilo que as declarações de renda de Mitt Romney têm a dizer sobre ele, e sim o que elas têm a dizer sobre a política tributária dos Estados Unidos. Existe algum bom motivo para que os ricos arquem com uma carga tributária surpreendentemente leve? Pois é o que acontece. Se Romney estiver dizendo a verdade, ele representa exemplo bem típico de norte-americano muito rico.
Desde 1992, o serviço de receita vem divulgando os dados de renda e impostos dos 400 norte-americanos com as declarações de valor mais elevado. Em 2008, o ano mais recente para o qual dados estão disponíveis, esse grupo pagou apenas 18,1% em imposto de renda federal.
O motivo principal para que os ricos paguem tão pouco é que a maior parte de sua receita toma a forma de ganhos de capital, tributados à alíquota máxima de 15%, bem abaixo da alíquota mais alta sobre os salários. Assim, a questão é determinar se os ganhos de capital de fato merecem tratamento tributário especial.
Os defensores dos baixos impostos sobre os ricos empregam basicamente dois argumentos: o de que impostos baixos sobre os ganhos de capital são uma norma estabelecida há muito tempo e que são necessários para promover o crescimento econômico e a criação de empregos. As duas alegações são falsas.
Quando você se informa sobre os impostos baixíssimos pagos por gente como Romney, é importante saber que nem sempre foi assim.Os dias em que os muitos ricos pagavam impostos altos não são coisa do passado distante. Em 1986, Ronald Reagan - sim, Reagan - assinou uma reforma tributária que adotava a mesma alíquota máxima para os impostos de renda e sobre ganhos de capital: 28%.As alíquotas baixíssimas hoje vigentes, as mais baixas desde os dias de Herbert Hoover, datam apenas de 2003, quando o presidente George W. Bush forçou a aprovação de um corte nos impostos sobre ganhos de capital e nos impostos sobre dividendos pelo Congresso, algo que ele conseguiu explorando a ilusão de um triunfo rápido no Iraque.
Existem argumentos teóricos para o tratamento especial aos ganhos de capital, mas também existem argumentos contrários.No primeiro mandato de Bill Clinton, quando os muito ricos pagavam impostos bem mais altos do que agora, a economia criou 11,5 milhões de empregos, o que apequena qualquer ganho obtido até mesmo nos melhores anos do governo Bush.
Assim, a dança dos impostos de Romney está nos fazendo um favor ao destacar os favores insensatos, injustos e dispendiosos que a classe mais alta vem recebendo. Em um momento no qual pessoas que se declaram sérias nos dizem que os pobres e a classe média têm de sofrer em nome da probidade fiscal, impostos assim tão baixos sobre os mais ricos são indefensáveis.

texto de Paul Krugman 
tradução de Paulo Migliacci

EUA no caminho para o status de república das bananas

Um acordo para elevar o teto de endividamento [do governo americano] está sendo fechado. Se passar, muitos comentaristas vão declarar que um desastre foi evitado. Mas eles estarão errados.
Pois o acordo, dada a informação sobre ele disponível, é um desastre, e não apenas para o presidente Obama e seu partido. Vai danificar uma economia já deprimida; provavelmente vai tornar o antigo déficit dos Estados Unidos ainda pior, não melhor; e, mais importante, ao demonstrar que extorsão nua e crua funciona, sem causar custo político, vai colocar os Estados Unidos no caminho para o status de república das bananas.
Comecemos pela economia. Nós atualmente temos uma economia profundamente deprimida. Vamos continuar a ter uma economia deprimida por todo o próximo ano. E provavelmente teremos uma economia deprimida até 2013, se não além.
O pior que se pode fazer nestas circunstâncias é cortar os gastos do governo, já que isso vai deprimir a economia ainda mais. Não preste atenção naqueles que invocam a fadinha da confiança, alegando que ações duras no corte do orçamento vão dar segurança aos empresários e consumidores, fazendo com que eles gastem mais. Não funciona desse jeito, um fato que é confirmado por muitos estudos históricos.
Na verdade, cortar gastos quando a economia está deprimida não vai nem mesmo ajudar muito na situação do orçamento, pode até piorar. De um lado, os juros em empréstimos federais já estão bem baixos; assim, os cortes vão fazer pouco para reduzir os custos de juros futuros. De outra parte, enfraquecer a economia agora vai prejudicá-la a longo prazo, o que por sua vez vai reduzir a arrecadação futura. Assim, aqueles que exigem cortes são como médicos medievais que tratam os pacientes com sangramento, tornando-os ainda mais doentes.
E então temos os termos do acordo, que representam uma rendição abjeta da parte do presidente. Primeiro, haverá grande corte de  gastos, sem aumento da arrecadação. Em seguida, um comitê fará recomendações sobre futuras reduções do déficit — e se estas recomendações não forem aceitas, haverá novos cortes de gastos.
Os republicanos supostamente terão um incentivo para fazer concessões da próxima vez, porque gastos em defesa poderão ser incluídos nos cortes subsequentes. Mas o Partido Republicano acaba de demonstrar que aceita o risco de um colapso financeiro até obter o que os mais extremistas de seus integrantes querem. Por que esperar que serão mais razoáveis da próxima vez?
Na verdade, os republicanos vão se sentir encorajados pela maneira como o sr. Obama se entrega diante de ameaças. Ele se rendeu em dezembro passado, ao estender todos os cortes de impostos de Bush; ele se rendeu na primavera, quando os republicanos ameaçaram fechar o governo; e ele se rendeu em grande estilo agora, sob extorsão pura e simples, na questão do teto da dívida. Talvez só eu veja uma tendência nisso.
Desta vez o presidente tinha alguma alternativa? Sim.
Em primeiro lugar, ele poderia e deveria ter exigido um aumento no teto da dívida em dezembro passado. Quando perguntado porque não o fez, respondeu que estava certo de que os republicanos agiriam com responsabilidade. Boa!
Mesmo agora, o governo Obama poderia ter recorrido a manobras legais para driblar o teto da dívida, usando qualquer uma de várias opções. Em circunstâncias normais, isso poderia parecer um passo extremo. Mas Obama enfrentava a realidade do que está acontecendo, ou seja, da extorsão de um partido que, afinal, controla apenas uma das casas do Congresso, e assim seria totalmente justificável.
Pelo menos o sr. Obama poderia ter usado a possibilidade de uma disputa legal para fortalecer sua posição de barganha. Em vez disso, no entanto, ele descartou isso desde o começo.
Mas se ele jogasse duro isso não ia preocupar os mercados? Provavelmente, não. Na verdade, se eu fosse um investidor eu ia me sentir seguro, não desanimado, com a demonstração de que o presidente era capaz e desejava enfrentar a chantagem dos extremistas de direita. Em vez disso, ele escolheu demonstrar o oposto.
Não se enganem, o que estamos testemunhando aqui é uma catástrofe em múltiplos níveis.
É, naturalmente, uma catástrofe política para os democratas, que por algumas semanas pareciam ter os republicanos em fuga por causa do plano deles de desmantelar o Medicare [programa federal de saúde]; agora o sr. Obama jogou tudo aquilo fora. E os danos não acabaram: haverá outros pontos de estrangulamento que os republicanos poderão usar para criar uma crise a não ser que o presidente se renda e agora eles podem agir confiantes de que Obama vai se render de novo.
No longo prazo, no entanto, os democratas não serão os únicos perdedores. O que os republicanos conseguiram foi colocar em questão nosso próprio sistema de governo. Afinal, como a democracia americana pode funcionar se a política é ditada pelo partido mais preparado para ser cruel e para ameaçar a segurança econômica da Nação? E a resposta é… talvez não possa.
by Paul Krugman

por Leonardo Boff

A perda de confiança na ordem atual

Na perspectiva das grandes maiorias da humanidade, a atual ordem é uma ordem na desordem, produzida e mantida por aquelas forças e países que se beneficiam dela, aumentando seu poder e seus ganhos.
Essa desordem se deriva do fato de que a globalização econômica não deu origem a uma globalização política. Não há nenhuma instância ou força que controle a voracidade da globalização econômica.
Joseph Stiglitz e Paul Krugman, dois prêmios Nobel em economia, criticam o Presidente Obama por não ter imposto freios aos ladrões de Wall Street e da City, ao invés de se ter rendido a eles. Depois de terem provocado a crise, ainda foram beneficiados com inversões bilionários de dinheiro público. Voltaram, airosos, ao sistema de especulação financeira.
Estes excepcionais economistas são ótimos na análise mas mudos na apresentação de saídas à atual crise.
Talvez, como insinuam, por estarem convencidos de que a solução da economia não esteja na economia mas no refazimento das relações sociais destruídas pela economia de mercado, especialmente, a especulativa.
Esta é sem compaixão e desprovida de qualquer projeto de mundo, de sociedade e de política. Seu propósito é acumular maximamente, apropriando-se de bens comuns vitais como água, sementes e solos e destroçado economias nacionais.
Para os especuladores, também no Brasil, o dinheiro serve para produzir mais dinheiro e não para produzir mais bens. Aqui o Governo tem que pagar 150 bilhões de reais anuais pelos empréstimos tomados, enquanto repassa apenas cerca de 60 bilhões para os projetos sociais.
Esta disparidade resulta eticamente perversa, consequência do tipo de sociedade a qual nos incorporamos, sociedade essa que colocou, como eixo estruturador central, a economia que de tudo faz mercadoria até da vida. 
Não são poucos que sustentam a tese de que estamos num momento dramático de decomposição dos laços sociais. Alain Touraine fala até de fase pós-social ao invés de pós-industrial.
Esta decomposição social se revela por polarizações ou por lógicas opostas: a lógica do capital produtivo cerca de 60 trilhões de dólares/ano e a do capital especulativo, cerca de 600 trilhões de dólares sob a égide do “greed is good”(a cobiça é boa).
A lógica dos que defendem a maior lucratividade possível e a dos que lutam pelos direitos da vida, da humanidade e da Terra.
A lógica do individualismo que destrói a “casa comum”, aumentando o número dos que não querem mais conviver e a lógica da solidariedade social a partir dos mais vulneráveis.
A lógica das elites que fazem as mudanças intrasistêmicas e se apropriam dos lucros e a lógica dos assalariados, ameaçados de desemprego e sem capacidade de intervenção.
A lógica da aceleração do crescimento material (o PAC) e a dos limites de cada ecossistema e da própria Terra. 
Vigora uma desconfiança generalizada de que deste sistema não poderá vir nada de bom para a humanidade. Estamos indo de mal a pior em todos os itens da vida e da natureza.
O futuro depende do cabedal de confiança que os povos depositam em suas capacidades e nas possibilidades da realidade. E esta confiança está minguando dia a dia.
Estamos nos confrontando com esse dilema: ou deixamos as coisas correrem assim como estão e então nos afundaremos numa crise abissal ou então nos empenharemos na gestação de uma nova vida social, capaz de sustentar um outro tipo de civilização.
Os vínculos sociais novos não se derivarão nem da técnica nem da política, descoladas da natureza e de uma relação de sinergia com a Terra. Nascerão de um consenso mínimo entre os humanos, a ser ainda construído, ao redor do reconhecimento e do respeito dos direitos da vida, de cada sujeito, da humanidade e da Terra, tida como Gaia e nossa Mãe comum.
A essa nova vida social devem servir a técnica, a política, as instituições e os valores do passado. Sobre isso venho pensando e escrevendo já pelo menos há vinte anos. Mas é voz perdida no deserto.
“Clamei e salvei a minha alma”(clamavi et salvavi animam meam), diria desolado Marx. Mas importa continuar. O improvável é ainda possível.

por Paul Krugman


"LIÇÕES DA CRISE FINANCEIRA DE 2008 ESTÃO ESQUECIDAS"!
            
1. Com uma rapidez vertiginosa, as lições da crise financeira de 2008 foram esquecidas, e aquelas mesmas ideias que nos jogaram nesta crise – a regulamentação é ruim, aquilo que é bom para os banqueiros é bom para os Estados Unidos e as reduções de imposto são a cura universal para todos os problemas – recuperaram a sua influência.  A economia do trickle-down (doutrina econômica baseada no estímulo à prosperidade dos mais ricos, que “gotejaria” para os mais pobres) – e especificamente a ideia de que tudo o que fizer aumentar os lucros das corporações é bom para a economia – está retornando ao cenário econômico.
          
2. Esse fato parece ser bizarro. Nos últimos dois anos, os lucros das companhias dispararam, enquanto o desemprego continuou em níveis desastrosamente elevados. Por que alguém deveria acreditar que a entrega de mais dinheiro às corporações, de forma incondicional, provocaria a criação mais rápida de empregos?  O argumento básico é que tudo aquilo que deixar mais dinheiro nas mãos das corporações significará mais empregos. Ou seja, temos a teoria do trickle-down na sua forma pura.
          
3. As corporações dos Estados Unidos deveriam pagar impostos sobre os lucros das suas subsidiárias no exterior – mas somente se esses lucros forem transferidos para a sede da companhia. Agora há um movimento solicitando que seja oferecida uma anistia segundo a qual as companhias poderiam repatriar os seus lucros sem praticamente pagarem impostos. E até mesmo alguns democratas estão apoiando essa ideia, alegando que isso criaria empregos. Um presente fiscal similar foi oferecido em 2004. E o fracasso foi total. As companhias de fato tiraram proveito da anistia para transferir bastante dinheiro para os Estados Unidos. Mas elas usaram esse dinheiro para pagar dividendos, saldar dívidas, adquirir outras companhias, comprar de volta as suas próprias ações – ou seja, para tudo, menos aumentar os investimentos e criar empregos.
          
4. Todos sabem que as corporações já estão com reservas enormes de capital e que elas não estão investindo esse dinheiro nos seus próprios negócios. É pura besteira afirmar que um presente fiscal para as corporações criaria empregos ou que a suspensão dos cortes de impostos para jatos executivos destruiria empregos.  A nossa economia necessita é da criação direta de empregos pelo governo e de um alívio da dívida de hipotecas para os consumidores estressados. Mas ela não necessita de uma transferência de bilhões de dólares para corporações que não têm a menor intenção de contratar ninguém, a não ser mais lobistas.




por Leonardo Boff

O duelo entre a vida e a morte

Num dos mais belos hinos da liturgia cristã da Páscoa, que nos vem do século XIII, se canta que “a vida e a morte travaram um duelo; o Senhor da vida foi morto mas eis que agora reina vivo”.
É o sentido cristão da Páscoa: a inversão dos termos do embate. O que parecia derrota era, na verdade, uma estratégia para vencer o vencedor, quer dizer a morte. Por isso, a grama não cresceu sobre a sepultura de Jesus. Ressuscitado, garantiu a supremacia da vida.
A mensagem vem do campo religioso que se inscreve no humano mais profundo, mas seu significado não se restringe a ele. Ganha uma relevância universal, especialmente, nos dias atuais, em que se trava física e realmente um duelo entre a vida e a morte.
Esse duelo se realiza em todas as frentes e tem como campo de batalha o planeta inteiro, envolvendo toda a comunidade de vida e toda a humanidade.
Isso ocorre porque, tardiamente, nos estamos dando conta de que o estilo de vida que escolhemos nos últimos séculos, implica uma verdadeira guerra total contra a Terra.
No afã de buscar riqueza, aumentar o consumo indiscriminado (63% do PIB norte-americano é constituído pelo consumo que se transformou numa real cultura consumista) estão sendo pilhados todos os recursos e serviços possíveis da Mãe Terra.
Nos últimos tempos, cresceu a consciência coletiva de que se está travando um verdadeiro duelo entre os mecanismo naturais da vida e os mecanismos artificiais de morte deslanchados por nosso sistema de habitar, produzir, consumir e tratar os dejetos.
As primeiras vítimas desta guerra total são os próprios seres humanos. Grande parte vive com insuficiência de meios de vida, favelizada e superexplorada em sua força de trabalho. O que de sofrimento, frustração e humilhação ai se esconde é inenarrável.
Vivemos tempos de nova barbárie, denunciada por vários pensadores mundiais, como recentemente por Tsvetan Todorov em seu livro O medo dos bárbaros (2008). Estas realidades que realmente contam porque nos fazem humanos ou cruéis, não entram nos cálculos dos lucros de nenhuma empresa e não são consideradas pelo PIB dos países, à exceção do Butão que estabeleceu o Índice de Felicidade Interna de seu povo.
As outras vítimas são todos os ecossistemas, a biodiversidade e o planeta Terra como um todo.
Recentemente, o prêmio Nobel em economia, Paul Krugmann, revelava que 400 famílias norte-americanas detinham sozinhas mais renda que 46% da população trabalhadora estadounidense.

Quando os mortos-vivos vencem

By PAUL KRUGMAN
Quando historiadores olharem de volta no período 2008-10, o que mais vai intrigá-los, acredito, é o estranho triunfo de ideias falidas. Os fundamentalistas do mercado erraram sobre tudo — ainda assim eles dominam a cena política mais completamente que nunca. [Nota do Viomundo: Basta ver quantas vezes o Estadão já subiu os juros antes mesmo de Dilma Rousseff assumir o poder]
Como isso aconteceu? Como, depois que bancos descontrolados colocaram a economia de joelhos, acabamos com Ron Paul, que diz “não penso que precisamos de regulamentação”, assumindo um comitê-chave do Congresso que vigia o Banco Central? Como, depois das experiências dos governos Clinton e Bush — o primeiro aumentou impostos e presidiu sobre uma espetacular criação de empregos; o segundo cortou impostos e presidiu sobre um crescimento anêmico mesmo antes da crise –, acabamos com um acordo bipartidário para cortar os impostos ainda mais?
A resposta da direita é que os fracassos econômicos do governo Obama mostram que as políticas de “grande governo” não funcionam. Mas a resposta a eles deveria ser, que política de grande governo?
Pois o fato é que o estímulo econômico de Obama — que em si era quase 40% baseado em cortes de impostos — foi muito cauteloso para dar uma guinada na economia. E isso não é uma crítica feita em retrospectiva: muitos economistas, dentre os quais me incluo, alertaram desde o começo que o plano era grosseiramente inadequado. Coloquem assim: uma política sob a qual os empregos públicos foram reduzidos e na qual os gastos do governo em bens e serviços cresceram mais devagar que durante os anos Bush não contitui exatamente um teste de economia keynesiana.
Bem, talvez não tenha sido possível ao presidente Obama conseguir mais diante do ceticismo do Congresso em relação a seu governo. Mas mesmo que fosse verdade, apenas demonstra o contínuo controle de uma doutrina falida sobre nossa política.
Também vale a pena dizer que tudo o que a direita falou sobre os motivos do fracasso da Obamanomicsestava errado. Por dois anos temos sido advertidos de que os empréstimos do governo fariam disparar os juros; na verdade, as taxas flutuaram com o otimismo ou pessimismo sobre a recuperação econômica, mas se mantiveram consistentemente baixas se comparadas a padrões históricos. Por dois anos fomos alertados de que a inflação e até mesmo a hiperinflação estava a caminho; em vez disso, a deflação continuou, com a inflação básica — que exclui a volatilidade dos preços de alimentos e energia — sendo a menor do último meio século.
Os fundamentalistas do livre mercado cometeram tantos erros sobre os Estados Unidos quanto sobre eventos no Exterior — e sofreram poucas consequências disso. “A Irlanda”, declarou George Osborne em 2006, “é um brilhante exemplo da arte do possível na formulação econômica de longo prazo”. Epa! Agora o sr. Osborne é a maior autoridade econômica britânica.
E nessa nova posição ele está copiando as políticas de austeridade implementadas pela Irlanda depois que a bolha local estourou. Aliás, conservadores dos dois lados do Atlântico passaram boa parte do ano passado saudando a austeridade irlandesa como um sucesso absoluto. “A política irlandesa funcionou em 1987-89 e está dando certo agora”, declarou Alan Reynolds do Cato Institute em junho passado. Epa!, de novo.
[Nota do Viomundo: Depois das "previsões" acima, vale dizer, a Irlanda faliu!]
Mas tais fracassos não parecem importar. Emprestando o título de um livro recente do economista australiano John Quiggin sobre doutrinas que a crise deveria ter matado mas não matou, estamos ainda — talvez mais que nunca — sendo governados pela “economia dos mortos-vivos”. Por que?
Parte da resposta, certamente, é que as pessoas que deveriam ter tentado matar as ideias mortas-vivas tentaram, em vez disso,  fazer acordo com elas. E isso é especialmente verdadeiro do presidente [Obama], mas não apenas dele.
As pessoas tendem a esquecer que Ronald Reagan muitas vezes cedeu em questões políticas de substância — mais notadamente, ele aprovou múltiplos aumentos de impostos. Mas ele nunca foi mole com ideias, nunca recuou da postura de que sua posição ideológica estava correta e de que a dos adversários estava errada.
O presidente Obama, por contraste, tem consistentemente tentado fazer acordo com o outro lado, dando cobertura aos mitos da direita. Ele felicitou Reagan por restaurar o dinamismo dos Estados Unidos (quando foi a última vez que você ouviu um republicano elogiando Roosevelt?), adotou a retórica da oposição sobre a necessidade do governo de apertar o cinto mesmo diante da recessão e ofereceu congelamento simbólico de gastos e salários federais.
Nada disso fez com que a direita deixasse de denunciá-lo como socialista. Mas essa postura ajudou a dar poder a ideias ruins, de forma que elas podem causar danos imediatos. Neste momento o sr. Obama está saudando o acordo para corte de impostos [dos ricos] como uma forma de estimular a economia — mas os republicanos já estão falando em cortes de gastos do governo que acabariam com qualquer estímulo resultante do acordo. E como é que ele pode enfrentar os republicanos se ele mesmo abraçou a retórica de apertar o cinto?
Sim, política é a arte do possível. Todos entendemos a necessidade de fazer acordos com inimigos políticos. Mas uma coisa é fazer acordo para adiantar seus objetivos; outra é abrir as portas para as ideias dos mortos-vivos. Quando você faz esta concessão, os mortos-vivos acabam comendo o seu cérebro — e possivelmente também a sua economia.
PS do Viomundo: O mesmo acontece no Brasil com um grupo de petistas que assimilou o “jeito tucano de ser”. É fácil identificá-los: estão na fila de espera das páginas amarelas da Veja. Eu diria que essa turma sofre da síndrome de Estocolmo.