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O primeiro dever do poder é defender-se

Próceres do grupo dominante no Senado estão em busca de um partido, dos nanicos, para ameaçar com representações no Conselho de Ética contra luminares da oposição que não suportariam uma investigaçãozinha. Pode ser uma novidade na volta do recesso, se até lá PSDB e aliados dele não se enquadrarem no roteiro reservado pelos governistas: tudo bem fazer barulho, mas chega de pressionar pela saída de José Sarney (PMDB-AP) da cadeira de presidente. Até porque, raciocina o grupo, Renan Calheiros (PMDB-AL) seria o próximo a ter a cabeça na bandeja. E a base de Luiz Inácio Lula da Silva viraria uma geleia.

Governo que para se manter no leme depende do patriotismo da oposição não é governo. O primeiro dever do poder é defender-se dos adversários.

Terça-feira, em Alagoas, Lula fez questão de elogiar Renan. E ontem o senador Antonio Carlos Valadares (PSB-SE) renunciou ao Conselho de Ética, depois de lançado no dia anterior como potencial candidato a presidente do colégio. Valadares houve por bem declinar do pacote, que com certeza incluiria receber todo tipo de pressão para arquivar sumariamente as representações contra Sarney. Seria deselegante eleger-se com o apoio do sarneyzismo para logo depois esfaquear o líder do grupo. O Senado ainda tem regras de cavalheirismo. Por enquanto.

Valadares presidente era sinal de uma condução equilibrada dos trabalhos do Conselho de Ética. Mas o núcleo do bloco Sarney-Renan não quer correr riscos. Ou não pode. Talvez por avaliar que o presidente do Senado não aguenta um processo político, qualquer que seja. Por razões objetivas e subjetivas. Também e especialmente quando as acusações envolvem familiares.

Não será mesmo razoável fazer Sarney passar por isso, com a biografia dele. Ninguém merece, muito menos um ex-presidente da República. Se houver risco real de tamanho constrangimento, Sarney preferirá renunciar ao comando do Senado. No que fará bem. E aí virá uma crise de verdade para Lula administrar.

Daí que o grupo, com o apoio decidido do Palácio do Planalto, esteja a lutar pelo controle do Conselho como se disputasse um copo d'água no deserto.

Por falar em regras, há uma que vem sendo revogada no rebuliço dos últimos tempos. A nossa política vê esmaecer pouco a pouco sua face teatral. O que antes se dizia só nos camarins passou a ser dito no palco. “Por que não vão investigar nada? Ora, porque temos a maioria.” Queriam transparência? Pois nunca se viu tamanha transparência na política nacional.

Outro exemplo de transparência excessiva é a troca de comando na Receita Federal. Trata-se de um cargo-chave na administração, mas o governo não consegue dar uma explicação plausível, que ajude a esconder a explicação óbvia. A versão sobre o suposto mau desempenho da titular foi rapidamente rechaçada. E ela estava no cargo só há um tempinho, não havia motivo cronológico para a movimentação. Havia as razões políticas.

Trocar gente do governo por motivo político é coisa normal. Não é normal essa instabilidade na Receita, sem que o poder tenha uma singela satisfação a oferecer. Umazinha só, que não seja a de que a secretária incomodou quem não gosta de ser incomodado.

Haja transparência! A política brasileira vai sendo empurrada para uma beirada perigosa, em que a eventual maioria aritmética exime o protagonista de fazer as encenações teatrais de praxe. Pode funcionar por um tempo, mas a conta acabará vindo. Tenho insistido nisso.

Inversão de papéis

Quando Luiz Inácio Lula da Silva tomou posse em 2003, uma das primeiras cartadas políticas dele foi definir José Sarney (PMDB-AP) para presidir o Senado. A escolha gerou tensão no PT e cobranças de quem pedia ventos renovadores no parlamento. A então senadora Heloísa Helena (PT-AL) começava ali o caminho de saída do partido, exclusão depois precipitada na votação da reforma da Previdência.

Nos primeiros tempos de Lula, Sarney foi não apenas presidente do Senado. Foi, junto com Antonio Carlos Magalhães (então PFL-BA), o garante da precária estabilidade política na Casa. Tanto que Lula gostaria de lhe ter proporcionado mais um biênio em 2005. Não conseguiu. A resistência titânica do principal aspirante à vaga, Renan Calheiros (PMDB-AL), ajudou a derrubar na Câmara dos Deputados a emenda constitucional que permitiria reeleição no meio da legislatura.

Depois, Renan e Sarney entenderam-se novamente e recompuseram a parceria. Uma sociedade que ao longo dos últimos anos funcionou como bússola de Lula no Senado. Graças a movimentos pendulares meticulosamente executados Sarney e Renan mantinham o presidente da República sob controle. Lula passou a depender do que se convencionou chamar de “PMDB do Senado”.

Mas, como o poder -mais ainda quando forte- rejeita a tutela, o PMDB do Senado entrou na linha de tiro depois da reeleição de Lula. Em 2007, sob bombardeio, Renan Calheiros teve que renunciar à Presidência por pressão do PT, que ameaçava engrossar os votos pela cassação do senador alagoano. Depois, o PT aliou-se ao PSDB para tentar emplacar Tião Viana (PT-AC) . A aliança Sarney-Renan reagiu aliando-se ao Democratas e conseguiu manter-se na sela. Mas a represa já estava rachada, sem conserto.

A crise atual é consequência. Ou, como gostam de dizer os aliados de Sarney e Renan, resultado do caos político cozinhado na fogueira de vaidades e de ambições, especialmente do PT. O distinto público, que nada tem a ver com esses jogos, sai ganhando. Beneficia-se com o vazamento de lixo pelas brechas abertas na represa rachada. É o que costuma acontecer nessas situações. Quando o poder está coeso, tem ampla liberdade de movimentos com o dinheiro público. Quando não, fica como agora, à mercê da vigilância e da fiscalização.

O fato é que os papéis se inverteram. Hoje é Sarney quem, pendurado no pincel, depende de Lula para garantir a sobrevivência política. Daí que ontem tenha deixado isso claro, numa nota de menos de seis linhas. O DEM ainda está com Sarney, mas não se sabe até quando resistirá a engrossar o caldo de uma crise política nesta reta final antes da sucessão. E se o DEM aderir à coligação tucano-petista Sarney estará
liquidado. Terá que deixar o cargo.

A cadeira seria assumida interinamente por Marconi Perillo (PSDB-GO), que conduziria a sucessão. E o PMDB poderia retaliar o PT e o Palácio do Planalto, produzindo uma saída não incondicionalmente alinhada a Lula. É um risco que o governo não quer correr. 2010 está logo aí. Eis também por que Lula defende Sarney quase todo dia.

Há porém uma variável fora de controle. O fluxo de malfeitos no Senado parece inesgotável. São anos e anos de bagunça, impunidade e desfaçatez. Qualquer outro no lugar de Sarney já teria sido mandado para o corredor da morte do Conselho de Ética e apeado da cadeira.

Sarney está queimando aceleradamente gordura política. Porque nem o mais crédulo dos sarneyzistas acredita que as barbaridades agora descobertas aconteciam no Senado sem que nenhum senador tivesse conhecimento. É história da carochinha. Conversa para boi dormir.

Qual é o risco? Lula odeia ter que pagar a conta política pelas tropeçadas dos outros. O movimento de ontem de Sarney, ao dizer que os ataques a ele são na verdade dirigidos a Lula, soam como um pedido de socorro. Ou seja, um sinal de fraqueza. O poder tem horror à fraqueza. Mas o jogo está feito.