Quando Luiz Inácio Lula da Silva tomou posse em 2003, uma das primeiras cartadas políticas dele foi definir José Sarney (PMDB-AP) para presidir o Senado. A escolha gerou tensão no PT e cobranças de quem pedia ventos renovadores no parlamento. A então senadora Heloísa Helena (PT-AL) começava ali o caminho de saída do partido, exclusão depois precipitada na votação da reforma da Previdência.
Nos primeiros tempos de Lula, Sarney foi não apenas presidente do Senado. Foi, junto com Antonio Carlos Magalhães (então PFL-BA), o garante da precária estabilidade política na Casa. Tanto que Lula gostaria de lhe ter proporcionado mais um biênio em 2005. Não conseguiu. A resistência titânica do principal aspirante à vaga, Renan Calheiros (PMDB-AL), ajudou a derrubar na Câmara dos Deputados a emenda constitucional que permitiria reeleição no meio da legislatura.
Depois, Renan e Sarney entenderam-se novamente e recompuseram a parceria. Uma sociedade que ao longo dos últimos anos funcionou como bússola de Lula no Senado. Graças a movimentos pendulares meticulosamente executados Sarney e Renan mantinham o presidente da República sob controle. Lula passou a depender do que se convencionou chamar de “PMDB do Senado”.
Mas, como o poder -mais ainda quando forte- rejeita a tutela, o PMDB do Senado entrou na linha de tiro depois da reeleição de Lula. Em 2007, sob bombardeio, Renan Calheiros teve que renunciar à Presidência por pressão do PT, que ameaçava engrossar os votos pela cassação do senador alagoano. Depois, o PT aliou-se ao PSDB para tentar emplacar Tião Viana (PT-AC) . A aliança Sarney-Renan reagiu aliando-se ao Democratas e conseguiu manter-se na sela. Mas a represa já estava rachada, sem conserto.
A crise atual é consequência. Ou, como gostam de dizer os aliados de Sarney e Renan, resultado do caos político cozinhado na fogueira de vaidades e de ambições, especialmente do PT. O distinto público, que nada tem a ver com esses jogos, sai ganhando. Beneficia-se com o vazamento de lixo pelas brechas abertas na represa rachada. É o que costuma acontecer nessas situações. Quando o poder está coeso, tem ampla liberdade de movimentos com o dinheiro público. Quando não, fica como agora, à mercê da vigilância e da fiscalização.
O fato é que os papéis se inverteram. Hoje é Sarney quem, pendurado no pincel, depende de Lula para garantir a sobrevivência política. Daí que ontem tenha deixado isso claro, numa nota de menos de seis linhas. O DEM ainda está com Sarney, mas não se sabe até quando resistirá a engrossar o caldo de uma crise política nesta reta final antes da sucessão. E se o DEM aderir à coligação tucano-petista Sarney estará
liquidado. Terá que deixar o cargo.
A cadeira seria assumida interinamente por Marconi Perillo (PSDB-GO), que conduziria a sucessão. E o PMDB poderia retaliar o PT e o Palácio do Planalto, produzindo uma saída não incondicionalmente alinhada a Lula. É um risco que o governo não quer correr. 2010 está logo aí. Eis também por que Lula defende Sarney quase todo dia.
Há porém uma variável fora de controle. O fluxo de malfeitos no Senado parece inesgotável. São anos e anos de bagunça, impunidade e desfaçatez. Qualquer outro no lugar de Sarney já teria sido mandado para o corredor da morte do Conselho de Ética e apeado da cadeira.
Sarney está queimando aceleradamente gordura política. Porque nem o mais crédulo dos sarneyzistas acredita que as barbaridades agora descobertas aconteciam no Senado sem que nenhum senador tivesse conhecimento. É história da carochinha. Conversa para boi dormir.
Qual é o risco? Lula odeia ter que pagar a conta política pelas tropeçadas dos outros. O movimento de ontem de Sarney, ao dizer que os ataques a ele são na verdade dirigidos a Lula, soam como um pedido de socorro. Ou seja, um sinal de fraqueza. O poder tem horror à fraqueza. Mas o jogo está feito.
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