O levanta-e-corta entre o MP e Sabesp
O levanta-e-corta entre MP e SABESP na crise da água
O cenário que conjecturamos há alguns meses começa a se delinear. No dia seguinte à reeleição de Alckmin, os Ministérios Públicos Estadual e Federal protocolaram uma Ação Civil Pública solicitando a redução da vazão de saída do Cantareira. Dois dias depois da reeleição de Alckmin, a SABESP, “em atendimento ao MP”, diz que irá realizar a mencionada redução, ainda em prazo a ser definido. Hoje, três dias depois da reeleição de Alckmin, a presidenta da SABESP, Dilma Pena, admite na CPI realizada na Câmara Municipal que falta água, sim, em São Paulo – e vale dizer que ela postergou por duas vezes o depoimento, fazendo-o apenas agora, após o sucesso de Alckmin logo no 1º turno. Não é preciso ser mais claro para explicar a mecânica do estelionato eleitoral promovido pela gestão Alckmin, apoiada pela imprensa e pelas instituições que deveriam fiscalizar o governo.
O compadrio entre MP e SABESP não começou nessa semana, como sabemos. Em Agosto, o parquet chegou a requerer explicações do Governo de São Paulo sobre a gestão da crise hídrica, demandando respostas em 15 dias. Alckmin não respondeu, e não houve repercussões, críticas ou comentários por parte do órgão fiscalizador. Acabou sendo um jogo de cena. O silêncio permaneceu até agora, curiosamente. A SABESP, a partir dessa manifestação mais recente, ainda poderá ser arvorar do argumento de que está apenas cumprindo uma decisão judicial – mais uma mostra de sua inimputabilidade e, em sentido prático, de sua falta de gestão e de capacidade de conduzir o problema da falta de água de uma outra maneira.
Conforme comentei ontem, é provável que as ações mais impopulares só sejam tomadas após o 2º turno, considerando-se o eventual impacto que elas teriam na candidatura de Aécio Neves – algo admitido pelo próprio Alckmin. O problema é que, em um regime de obras de improviso, há maior suscetibilidade a falhas. A SABESP, então, terá de “segurar as pontas” ao máximo até, pelo menos, o final do mês. Para piorar o quadro, “São Pedro” não está sendo generoso, e Outubro, o primeiro mês da tão mencionada estação chuvosa, está com as piores vazões de entrada da história do Cantareira: 3,9 m³/s. Mesmo com todas as reduções de vazão de saída que já ocorreram, as represas estão perdendo, ao dia, 1,7 bilhão de litros de água – 500 milhões a mais do que a “pessimista” previsão de Mauro Arce, Secretário de Recursos Hídricos. Vale dizer, na verdade, que os próprios relatórios da SABESP, historicamente, consideram como chuvoso, efetivamente, apenas o período Dezembro-Março (é apenas aí, em geral, quando os reservatórios têm as suas perdas do resto do ano compensadas).
É curioso notar o verdadeiro curto-circuito de declarações contraditórias e desencontradas por parte dos próprios representantes do governo, bem como o completo desapego da imprensa em, apenas, dar uma estudada nos números que são apresentados. Como pode, a essa altura do campeonato, um superintendente da SABESP nos dizer que ainda há muito da primeira cota do volume morto a ser extraído e que é bastante improvável que a segunda cota venha a ser utilizada? Como pode a SABESP dizer em nota que há, ainda, 60 bilhões de litros de volume morto a serem retirados se o valor correto é 33? Como podem ainda fazer declarações sobre a chuva como se as precipitações previstas para o final deste mês pudessem vir a recuperar o nível dos reservatórios ao ponto de não mais precisarmos da segunda cota?
Alguns colegas do blog, com razão, aventaram a possibilidade de que a crise da água venha a ser utilizada por Aécio Neves contra o governo federal, naquilo que constituiria uma espetacular inversão de papéis e responsabilidades. Com a conivência (e o apoio) da mídia, isso é, realmente, uma possibilidade. Com efeito, o próprio MP deu um jeito, na Ação Civil Pública, de também responsabilizar a ANA pelo colapso do Sistema, e a SABESP deu a inacreditável declaração de que apenas segue as determinações dessa Agência Reguladora quanto às vazões de saída – quem acompanha minimamente o caso sabe que o Comitê Anticrise, formado por esses dois órgãos mais o DAEE, foi desconstituído após a SABESP se recusar a cumprir o acordo que já havia feito com a entidade federal a respeito das reduções de vazão. A tentativa de reescrever a história apenas 20 dias após esse acontecido nos mostra bem a sensação de controle da opinião pública que possui o Governo de São Paulo.
No entanto, é preciso ponderar o seguinte: ainda que, de forma sui generis, Alckmin venha a tentar expor a sua inimputabilidade por meio da transferência de culpa ao governo federal por uma crise que está totalmente em seu domínio, esse procedimento não poderá ser feito com relação a outras represas que estão sob a égide, inteiramente, da SABESP, como é o caso do Alto Tietê. Hoje, ele está com 11%, e nos próximos dias o volume morto das represas Biritiba-Mirim e Jundiaí, forçosamente, terão de ser extraídos. Na verdade, como cada reservatório está com cerca de 10 cm de cota de água, as bombas já estão sendo utilizadas – eu coloquei fotos ao final do post de ontem que comprovam isso (embora a grande mídia, é claro, não noticie).
Além disso, outras represas também estão secando, e poderão, muito em breve, se tornar um grande problema para o governo recém-reeleito. O Rio Claro, pequeno tanque, está perdendo quase 1% ao dia, e hoje está com 57%; o Alto Cotia, com 34% (mostrei em outro texto que ele já entrou em racionamento, em outra oportunidade, quando chegou a 28%); o Guarapiranga, com 49%. Em parte, a aceleração da redução de seus níveis ocorre por estarem ajudando o Cantareira. Como é improvável que este se recupere, esse auxílio continuará a ocorrer, sobrecarregando esses outros sistemas.
Na eventualidade de o colapso também ocorrer nos outros sistemas, é perfeitamente possível que a gestão tucana, incapaz de formular um discurso que contenha um mínimo civilizado de autocrítica, venha a querer incluir todas no eventual pacote de “transmissão de responsabilidades” para o governo federal. Não seria, também, nenhum conspiracionismo pensar que a grande imprensa, longe de informar, se limitará a reproduzir esses discursos. O que mais lamento, contudo, é que há quem tenha ficado efetivamente feliz com o estelionato eleitoral, apenas porque significou mais uma vitória do PSDB no Estado. E há, também, quem não tenha juízo de assumir suas obrigações constitucionais, os seus encargos legais. O estadismo, esse compromisso com as decisões que se toma e com as virtudes da ação política, deveria não depender de ideologia. Pelo visto, estava enganado.