Mostrando postagens com marcador Alex Castro. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Alex Castro. Mostrar todas as postagens

Poliamor e filhos

Sempre que falo de poliamor e relacionamentos abertos, alguém pergunta:
Mas e os filhos? mas e se eu quiser constituir uma família?
Sinceramente, a escolha de ter ou não ter filhos e a escolha de viver ou não relações abertas e poliamorosas são duas esferas bem diferentes.
1. seus filhos não precisam saber
A decisão de viver relacionamentos abertos não influencia em nada os seus filhos porque, antes de tudo, quem disse que eles precisam saber qualquer coisa da sua vida amorosa e sexual?
Assim como os filhos em geral não sabem quando os pais transam um com o outro, eles também não precisam saber quando os pais vão transar com outras pessoas. ou, digamos, se os pais, na privacidade do seu quarto, praticam dominação e submissão e estão se chicoteando.
Assim como o papai e a mamãe muitas vezes saem com amigos, para passear, jantar ou viajar, também poderiam estar saindo com esses mesmos amigos para namorar ou transar e os filhos não teriam como saber e, aliás, não teriam nada a ver com isso.
Muitos e muitos casais vivem e viveram longas e frutíferas vidas poliamorosas, ao mesmo tempo em que criaram filhos, sempre cuidando tanto para suas relações amorosas e sexuais não interferissem na sua esfera familiar, mas também, e isso é muito importante, cuidando para que sua família não interferisse em suas relações amorosas e sexuais.
Afinal, papai e mamãe também precisam de privacidade para viver suas vidas de adultos sexuais
2. e daí se os seus filhos souberem?

Me acusam de ficar "reafirmando" meu estilo de vida

...Como se estivesse me gabando, como se fosse inseguro, como se quisesse convencer os outros.

Mas todas as forças do mundo nos impelem a nos conformar. a nos transformar no padrão que exigem de nós. a nos moldar em pais de família, trabalhadores, consumidores, monogâmicos, heterossexuais, eleitores do psdb.
Ser quem queremos ser é uma luta diária. um exercício constante de bater o pé, se recusar a ser coagido, articular quem se deseja ser -- e, então, e essa é a parte mais difícil, efetivamente ser essa pessoa.
Quem está sendo o que a sociedade espera que seja não precisa se auto-afirmar.
Quem está na contramão precisa.
É necessário articularmos sempre o nosso caminho -- justamente para não sair dele.
Ser bem-ajustado e bem-sucedido em um mundo escroto pode bem ser indicativo da sua própria escrotidão.
Aliás, quem é você?
As prisões são as bolas de ferro mentais e emocionais que arrastamos pela vida. são as ideias pré-concebidas, as tradições mal-explicadas, os costumes sem-sentido.
Comecei a questioná-las uma a uma:
verdade // dinheiro // privilégio // sexismo // racismo // monogamia // religião // patriotismo // escolhas // respeito // certezas // os outros // medo // ambição // felicidade // narcissismo
a palestra "as prisões" é uma conversa experimental. sempre no fim-de-semana, das 13h às 19h. um espaço livre para todos compartilharem suas histórias. com direito a intervalo e coffee break com comidinhas gostosas.
Será que você aguenta seis horas de ter todas as suas certezas chacoalhadas?
Mais detalhes, vídeos, depoimentos de quem foi, roteiro completo da palestra, tudo isso, aqui:

Menos perssuação

Acontece muito: Escrevo sobre monogamia e algumas pessoas acham que estou tentando convencê-las a abraçar o poliamor; escrevo sobre ateísmo e acham que estou tentando convencê-las a abdicar de seus deuses; etc etc.
Esse comentário é puro ego, um sintoma do narcissismo galopante do nosso tempo.
Nem tudo que alguém escreve, ainda mais se a pessoa nem te conhece, é sobre você, gira a sua volta, quer te convencer de alguma coisa. repita comigo:
Escrevo sobre estilos de vida alternativos não para convencer quem optou pela escolha da maioria (faz sentido tentar convencer alguém que deus não existe ou que a monogamia é castradora?) mas para mostrar às pessoas que já pensam como eu que a escolha da maioria é somente isso: uma escolha.
Que elas não precisam escolher o que todo mundo escolheu. que existem outras possibilidades, outros caminhos, outras opções.
Que elas não estão sozinhas. que não são as únicas que pensam como pensam. que não são loucas por rejeitar o caminho mais trilhado. que são livres. livres.
Se você está feliz com seus deuses e com sua monogamia e com as suas escolhas, então, eu fico sinceramente feliz por você. e te pergunto: por que veio se enfiar logo aqui, em plena conversa de uma pessoa insatisfeita com outras pessoas insatisfeitas? 
O assunto não é você. não é de você que estamos falando. não queremos te convencer de nada.
Fica em paz. e, se as suas escolhas algum dia começarem a te oprimir, você sabe onde estamos. sinta-se sempre livre para juntar-se a nós.
Se você é uma pessoa insatisfeita com as escolhas que nos foram impostas, dê uma olhada nos links abaixo:

Palavras são perfumarias

Não confio em nada do que as pessoas falam e confio em tudo do que as pessoas fazem.
Não confio no que as pessoas falam não porque desconfio de todo mundo e acho que estão sempre me enganando, mas porque conheço as limitações da palavra e tenho empatia com as vacilações da alma.
Não confio no que as pessoas falam porque as pessoas quase sempre não sabem o que querem e não sabem o que sentem.
Mesmo quando sabem, muitas vezes não conseguem articular verbalmente;
E, mesmo quando conseguiriam articular verbalmente, muitas vezes não ousam falar, porque têm vergonha, porque são fracas, porque querem agradar, porque pegaria mal, porque magoaria alguém.
* * *
Quem diz que ama brócolis mas nunca compra brocólis, nunca coloca brócolis no prato e, quando o prato vem com brócolis, não come…
Essa pessoa não ama brócolis.
Mas, apesar disso, nos nossos relacionamentos amorosos, inflados de amor e esperança, desesperados por acreditar e perdoar, invertemos essa regra e inventamos inúmeras explicações para o que está bem na nossa frente.
Preferimos mais nos agarrar a um “eu te amo” verbalmente articulado uma vez do que a mil gestos de abandono, desprezo, desinteresse, descompromisso ao longo de semanas e meses.
É o que nos faz humanos.
* * *
Na verdade, não é nem que não confio no que as pessoas falam: não me dou nem ao trabalho de ficar duvidando do discurso das pessoas.
É bem mais simples:
O que a gente fala não conta. Palavras são perfumaria pra encher o tempo e evitar o silêncio. 
O que conta é o que a gente faz.
Palavras são perfume para inibir o cheiro natural do silêncio e da ação

Era uma vez

...digamos asssim, um Mundão.

Mundão queria fazer X da sua vida. mas o pai, a mãe, a sociedade, a mídia, o professor, o zé do 502, etc, disseram que betão iria se fuder se fizesse X, não iria ganhar dinheiro, não iria ter vida sexual, etc. aí, moço de bom-senso que sempre foi, betão sacrificou sua vida, recalcou suas vontades, fez tudo exatamente como mandaram e viveu a vida que projetaram pra ele e não a vida que queria viver.
Um dia, apareceu o Claudio Gustavo.
claudio gustavo vivia exatamente a vida que o betão sempre quis viver e, pasmem, claudio gustavo não se fodeu, se sustentava, tinha uma vida sexual e amorosa, etc -- nenhum daqueles medos que colocaram na cabeça do betão se realizou.
betão poderia tomar o simples fato da existência do Claudio Gustavo como um exemplo positivo para mudar sua vida, recuperar o tempo perdido, tentar fazer o que sempre quis.
mas mudar a vida dá um trabalho danado. além disso, Mundão agora já estava muito investido vivendo a vida que tinham mandado ele viver. Na verdade, aconteceu o contrário: Mundão tomou o simples fato da existência do Claudio Gustavo como exemplo negativo.
Sem nem entender direito o motivo e de forma totalmente inconsciente, betão desenvolveu verdadeira ojeriza ao Claudio Gustavo.
Agora, quando betão se senta entre outros homens que também viveram as vidas que lhes mandaram viver, exaustos de tanto trabalhar, cheios de dívidas e bebendo muito, a ojeriza geral ao Claudio Gustavo é tão auto-evidente que não precisa nem mesmo ser articulada ou justificada.
Enquanto isso, o Claudio Gustavo continua lá, vivendo a vida que escolheu, sem nem se dar conta de estar agredindo tanta gente.


Ajudar é muito difícil. Aceitar ajuda pode ser mais difícil ainda.

Ajudar é muito difícil.
É difícil se reconhecer em posição superior e, mesmo assim, se abaixar para socorrer outra pessoa sem demonstrar soberba ou arrogância, sem cobrar e sem humilhar.
Aceitar ajuda é muito difícil.
É difícil se reconhecer em situação precária e vulnerável, se admitir precisando de ajuda. É difícil aceitar essa ajuda de maneira não-humilhante e digna, mantendo intacto nosso respeito-próprio. É difícil às vezes engolir pequenas insensibilidades por parte das pessoas que nos ajudam – rudezas que ofendem mas não anulam o efeito positivo da ajuda.
Quando dividia minha sala de aula em pares, sempre fazia questão de juntar uma pessoa que tenha mais facilidade na matéria com uma outra que esteja passando por dificuldades.
Se você tem facilidade em uma matéria e está indo bem, é importante que aprenda que nem todas as pessoas têm essa mesma facilidade que você, que algumas colegas precisam de mais ajuda e que você pode ser a pessoa a oferecer essa ajuda, de igual para igual, com generosidade.
Se você tem dificuldade em uma matéria e está indo mal, é importante que aprenda a reconhecer a sua dificuldade, que saiba pedir e aceitar ajuda. E, mais importante ainda, que durante o laboratório de química, que você domina mas que outras pessoas não conseguem nem começar, que se lembre da colega que tinha facilidade em línguas e te ajudou com a conjugação dos verbos.
* * *
Eu ensinava espanhol, português e cultura brasileira em uma universidade norte-americana. Mas, se minha turma saísse do curso sabendo ajudar e aceitar ajuda, já teria sido bem mais importante do que saber diferenciar ser e estar.
Alex Castro

alex castro é. por enquanto. em breve, nem isso. // todos os meus textos são rigorosamente ficcionais. // se gostou, mande um email, me siga no facebook, compre meus livros, faça uma doação ou venha às minhas palestras. e eu te agradeço.

Outros artigos escritos por 

Um homem ridículo pode mudar a vida da gente.

Estava eu sentado em uma mesa de calçada, tomando meu café da manhã, quando passa por mim um homem ridículo.
Andando pela rua de forma confiante e decidida. Completamente ignorante do fato de ser tão ridículo. De estar tão fora do padrão, da regra, do correto. De ser tão feio, tão mal-vestido, tão tosco. O homem ridículo estava todo errado.
ão vou descrever o homem ridículo. Seria impossível descrevê-lo sem ser cúmplice de sua ridicularização, sem fazer vocês também o acharem ridículo.
Porque, um segundo depois, bateu a culpa, caiu a ficha, estourou a consciência.
E pensei: para uma ou mais pessoas, esse homem ridículo é a pessoa mais amada da vida, a pessoa mais importante do mundo. Para algumas pessoas idosas, ele sempre vai ser o bebê lindo que foi um dia, a criança cheia de promessa, o adolescente vigoroso e energético.
Que apesar dele estar passando pela rua a vinte metros de mim, de eu só estar enxergando-o por breves segundos, de eu nunca ter ouvido sua voz ou interagido com ele de qualquer maneira, de ele ser para mim só um figurante sem fala no ó-tão-importante filme da minha vida, de ele ser apenas uma figura de cartolina exemplificando o total oposto do padrão de beleza vigente….
Que ele era uma pessoa.
Caralho, uma pessoa.
Vocês entendem a enormidade disso?
Uma pessoa igual a mim. A MIM! Com os mesmos sentimentos. Que dá tanta importância a si mesmo quanto eu me dou. Que sempre viu tudo pelos seus próprios olhos. Que sempre sentiu todas as suas dores. Uma pessoa plena. Um homo sapiens adulto. Um indivíduo da espécie dominante do único planeta habitado que conhecemos. Por tudo que se sabe, ele é o ápice da evolução do cosmos. Ali, passando por mim, já se afastando. Tão ridículo.
Se esse homem ridículo morresse hoje, agora, fulminado por meu implacável julgamento, haveria gente sofrendo dor profunda, chorando, trabalhando o luto, relembrando melhores momentos compartilhados. Aquele homem ridículo deixaria um vazio talvez insuperável em corações que nem conheço.
Então, ele sumiu atrás de uma esquina, mas apareceu uma senhora de vestido verde, depois, uma adolescente patinadora, um ruivo e seu beagle, um gari de laranja, e foi quase que como uma sobrecarga de informação: todos pessoas. Cada um. Nenhum deles figurantes do filme da minha vida. Todos protagonistas de seus próprios filmes. Pessoas plenas.
Aí, finalmente, me dei conta: o único homem ridículo ali era eu.
.
Alex Castro

alex castro é. por enquanto. em breve, nem isso. // todos os meus textos são rigorosamente ficcionais. // se gostou, mande um email, me siga nofacebook, compre meus livros, faça uma doação ou venha às minhaspalestras. e eu te agradeço.

Outros artigos escritos por 
Desde já agradeço a todos que compartilharem a postagem

Quem tem medo de morrer?

“O impossível” (1940), de Maria Martins
As pessoas mais felizes, as que vivem no presente e aproveitam cada minuto, são as que menos têm medo da morte.
As pessoas que mais escuto falar em medo da morte são sempre aquelas que mal vivem.
Quem viveu quarenta anos felizes, lindos e intensos não tem medo de morrer, pois sempre terá tido quarenta anos felizes, lindos e intensos.
Quem viveu setenta anos de freio puxado, eternamente adiando sua gratificação, sonhando sempre com um futuro que nunca chega, essa pessoa se péla de medo de morrer, pois a morte é justamente a negação concreta do futuro lindo que ela sempre se enganou que teria.
* * *
Antes de irmos mais longe: muita gente confunde “ter medo de algo” com “não querer que algo aconteça”, mas são coisas bem diferentes. Por exemplo, ninguém quer morrer em desastre de avião mas nem todo mundo tem medo de avião.
* * *
Eu não tenho medo de morrer. Minha vida foi linda e foi vivida intensamente, nos meus termos, do meu jeito. E o futuro, bem, o futuro nos reserva a todos a velhice, a decadência física, a dor, a solidão, a morte. Quem teve um bom passado e vive intensamente o presente não tem nenhum amor pelo futuro.
Quem tem mais medo de morrer são justamente aquelas pessoas que tiveram passados chatos e vivem presentes frustrantes, que depositam todas as suas esperanças em um futuro mítico, onde se mudarão para a casa dos sonhos, encontrarão o príncipe encantado, se aposentarão do trabalho chato, conseguirão escrever aquele livro… e aí tudo ficará bem, todas as promessas se realizarão, o futuro… finalmente… acontecerá em toda a sua plenitude!
Para elas, morrer não é somente o fim de um presente feliz (algo já desagradável em si), mas a negação de todos os sonhos que fariam seu presente tedioso valer a pena.
A morte, se acontecer antes do futuro prometido que lhes daria sentido à vida, roubaria suas próprias vidas de sentido.
Daí, tanto medo de morrer.
* * *
Guimarães Rosa sofreu um ataque cardíaco enquanto escrevia Grande Sertão: Veredas, um dos maiores monumentos da língua portuguesa. Depois de finalmente publicar o livro, em 1956, nunca mais empreendeu nada de peso, por medo de deixá-lo inconcluso.
Sua produção depois disso fica mais fraca, sem ambição: nada no nível de Sagarana ou Corpo de Baile, as obras anteriores ao seu grande romance.
Finalmente, como tinha previsto, morreu de ataque cardíaco em 1967.
Estou há seis anos escrevendo um romance chamado Cria de casa: histórias de empregadas & escravos. Já tenho duzentas boas páginas escritas e o livro vai ficar enorme. Seria bem chato morrer antes de terminar. Mas não seria o fim do mundo.
Maria Martins
* * *
Algumas pessoas duvidam que não tenho medo de morrer. Dizem que é claro que todo mundo tem medo de morrer! Óbvio! Como não?
Tenho vontade de abraçar essas pessoas. De lhes dar consolo e carinho. Porque, para elas, esse medo existencial é tão vasto e profundo, tão entranhado e constitutivo, que nem mesmo conseguem conceber a vida sem isso.
Que horror viver cheio de tanto horror.
* * *
Algumas pessoas justificam seu medo da morte por causa da prole. É como se elas mesmas não fossem razão suficiente para permanecerem vivas:
“Não posso morrer… O que seria dos meus filhinhos??!!”
Ou como se ter filhos de algum modo significasse que sua sobrevivência era mais importante que a dos outros pobres mortais:
“Me deixem entrar no último bote! Tenho três filhinhos pequenos!”, etc.
Ou como os filhos finalmente justificassem seu terror e os deixassem livres para chafurdar à vontade nos seus medo existenciais:
“Sim, tenho medo-pânico da morte… Fico acordado à noite pensando em como morrer deve ser apavorante… Mas não é por mim, sabe? É pelo Paulinho e pela Julinha!”
* * *
Já eu não tenho filhos. Não tenho nem funcionários, sócios, associados. Ninguém depende de mim. Nem mesmo o Oliver, meu cachorro, que seria disputado à faca por umas três amigas.
O mundo não precisa da minha presença. O mundo não sentiria minha falta. (Nos comentários, muita gente vai concordar e até vibrar.) Tudo continuaria igual, a terra ainda girando, nenhuma criança morreria de fome.
Existe nisso uma enorme alegria, uma grande liberdade, um profundo alívio.
* * *
Maria Martins
* * *
Todas as imagens desse texto são escultoras da impressionante artista brasileira Maria Martins. Até setembro, sua obra está em exposição no MAM-SP.
Alex Castro

alex castro é. por enquanto. em breve, nem isso. // todos os meus textos são rigorosamente ficcionais. // se gostou, mande um email, me siga no facebook, compre meus livros, faça uma doação ou venha às minhas palestras. e eu te agradeço.

Outros artigos escritos por 

Poucos conselhos são mais perversos e canalhas do que o popular

...Trate as outras pessoas como gostaria de ser tratada!

E sabe por quê?
Porque a outra pessoa é outra pessoa.
Ela teve outra vida, outras experiências.
Ela tem outros traumas, outras necessidades, outros preconceitos.
Ela não é você.
E você não foi, não é nem nunca será a medida das coisas.

Se você se usa como parâmetro sobre qualquer coisa deve repensar isso.

A outra pessoa não deve ser tratada como você gostaria de ser tratada, mas como ela merece, precisa e gostaria de ser tratada.

Aí você me pergunta:


" Alex, como vou saber de que maneira essa outra gostaria, merece e precisa ser tratada?"

Carta aberta as pessoas privilegiadas




Escuto muito: homens reclamando da histeria das feminazis, pessoas cis reclamando da agressividade das militantes trans, brancas reclamando do vitimismo do movimento negro, religiosas reclamando da chatice das ateias militantes.
Essa gente não tem mesmo nenhuma empatia? 

Menos e-mails

Um outdoor na barra da tijuca, bem ao lado da réplica da estátua da liberdade. jovem descolado, de sorriso perfeito e abotoaduras douradas, mostra seu modernoso celular inteligente e diz:
"Seus emails, sempre com você."
Pode algo ser mais apavorante? Meus emails sempre comigo. nunca mais desanuviar, nunca mais desligar, nunca mais desconectar. onde eu for, os emails estarão sempre chegando, sempre piscando, sempre acumulado, exigindo atenção, exigindo leitura, exigindo respostas, sem parar, sem descanso, sem trégua.
Meus emails sempre comigo! 

Você terá sucesso na sua carreira?

Um jovem escritor desconhecido me perguntou se terá sucesso na carreira. Respondi que não sei.

O sucesso na carreira de escritor independe da qualidade do trabalho e sim da capacidade de aguentar uma a uma todas as derrotas, humilhações e indignidades da carreira, e ainda assim perseverar.

Uma das melhores escritoras da minha geração publicou dois livros ótimos e desistiu, por total falta de feedback. o mesmo vai acontecer com quase todos nós, menos os loucos, os iludidos, os desesperados, os que não tem mais nenhuma opção.
Aí, o jovem escritor suspira e muda a pergunta:
"O texto é bom, Alex?" Respondo: 

Basta ser

[...] Ser quem eu quero ser é o mínimo que devo a mim mesmo. 
Se não sou nem isso...
Não sou nada.

O porta-retrato

[...] sem retrato
Dormi recentemente na casa de um amigo. Em sua estante tinha um porta-retrato sem fotografia.
Em algum momento ele abriu o porta-retratos e retirou dali seja a foto antiga:
  • Amigo estremecido? 
  • Ex-namorada?
  • Ou a foto genérica que veio com o produto?

Então, com o porta-retratos aberto em sua frente, ela poderia ter simplesmente já colocado uma nova foto (amiga recente? sobrinho recém-nascido?) ou guardado o porta-retratos em uma gaveta à espera de novos momentos recordáveis.

A boneca de sal

Para quem vive preocupado com o velho dilema, quem sou eu? Recomendo que leiam com atenção:

Era uma vez uma boneca de sal. após peregrinar por terras áridas, descobriu o mar e não conseguiu compreendê-lo. perguntou ao mar: 
- “Quem é você?” e o mar respondeu: 
- “sou o mar.”
- “Mas o que é o mar?” e o mar respondeu: “o mar sou eu.”
- “Não entendo”, disse a boneca de sal, “mas gostaria muito de entender. como faço?” o mar respondeu:
- “Encoste em mim.” Então, a boneca de sal timidamente encostou no mar com as pontas dos dedos do pé. sentiu que começava a entender mas também sentiu que acabara de perder o pé, dissolvido na água.
- “Mar, o que você fez?!” E o mar respondeu:
- “Eu te dei um pouco de entendimento e você me deu um pouco de você. para entender tudo, é necessário dar tudo.” Ansiosa pelo conhecimento, mas também com medo, a boneca de sal começou a entrar no mar. quanto mais entrava, e quanto mais se dissolvia, mais compreendia a enormidade do mar e da natureza, mas ainda faltava alguma coisa:
- “Afinal, o que é o mar?” Então, foi coberta por uma onda. em seu último momento de consciência individual, antes de diluir-se completamente na água, a boneca ainda conseguiu dizer:
- “ O mar… o mar sou eu!”
Alex Castro