Por sorte meus passos são silenciosos, e isso me evitava o cuidado com a possibilidade de acordar alguém, de sorte que pude caminhar tranquilo, olhando os nomes gravados nas lápides, alguns conhecidos, que me faziam lembrar fatos de minha vida. Uns tantos túmulos me encheram de inveja, pelo zelo dos familiares: isso era respeito à memória de seus mortos. Outros, não. Percebi, no desleixo em que estavam mergulhados, o alívio com a partida do ente querido. Seu olvido.
Minha silenciosa viagem trouxe-me inúmeras recordações: amigos que haviam partido antes de mim, e as aventuras que compartilhamos; um professor, morto em idade avançada, que declarava com toda a honestidade não gostar de mim; um vizinho com quem tive de brigar por causa do volume excessivo de seu aparelho de som. Coisas da vida, pensei, ninguém se livra delas.
Enquanto caminhava, parando, olhando e lembrando, por aqueles longos corredores, não me dava conta de que tudo era feito para retardar a chegada a meu túmulo. Postergava o momento. Eu queria vê-lo e ao mesmo tempo tinha medo do que veria.
O lugar em que me enterraram fica em um dos extremos mais retirados do cemitério. E é incrível que o tenham conseguido, pois suicidas não podem jazer (quase disse “conviver”) na companhia daqueles que tiveram morte cristã. E o único cemitério da cidade é este onde estou sepultado, o cemitério da Igreja. Não sei quais foram os argumentos utilizados, as mentiras piedosas com que convenceram o padre de que meu corpo não poderia viajar até a cidade mais próxima em que houvesse um campo santo administrado pela prefeitura.
Só a desesperança em sua dimensão absoluta, ia pensando, pode explicar o desejo do fim. Pois foi o meu caso. Elevei o amor por minha mulher à condição de supremo bem, a única razão por que continuar a vida.