– Em meu segundo artigo, escreverei sobre dois temas importantes no mundo atual: fome e energia. Aparentemente, seriam dois temas sem qualquer relação. Mas não são.
Em tempo de votação do Código Florestal cujo relatório é tão criticado, esta análise que farei entre agricultura, alimentos, geração de energia e fontes de energia limpas é de grande importância.
Um dos pontos polêmicos da reforma do Código Florestal é se deve manter a Reserva Legal, incluindo nos cômputo destas áreas de APP e excluindo áreas que seriam agricultáveis. Segundo os ruralistas, estaríamos realizando um desfavor ao setor que mais contribui à balança comercial brasileira, aquele cujas exportações são o carro-chefe do Brasil.
De fato, o Brasil, um país continental de clima tropical, permite o cultivo de diversas culturas, entre elas a cana-de-açúcar, soja, milho, mamona, cacau entre outras. Estas culturas servem de matéria-prima para os biocombustíveis, gerando o etanol – proveniente da cana-de-açúcar – e o biodiesel – proveniente de plantas e gordura animal.
O biocombustível é uma fonte de energia renovável e teoricamente limpa. O exemplo da cana-de-açúcar explica o porquê do etanol ser considerado um combustível limpo. Apesar de emitir gases de efeito estufa na sua combustão, seqüestra gás carbônico no seu cultivo, isto é, na prática a emissão e o seqüestro se equivalem. O ciclo de vida do etanol possui lançamento zero de gases de efeito sstufa. Assim, em comparação aos combustíveis fósseis que não são renováveis e contribuem para o aquecimento global, os biocombustíveis aparecem como parte da solução.
Visando a independência dos combustíveis fósseis e de seus preços voláteis, bem como o incremento ao mercado brasileiro de combustíveis, em 2005 foi promulgada a Lei nº 11.097. Ela se preocupou com os efeitos econômicos, sociais e ambientais. Vejam só! Está presente o triple botton line da sustentabilidade. Tem a vertente econômica porque seu preço é mais barato que o da gasolina (com exceção do período entressafras), social na medida em que favorece a produção familiar ao isentar em 100% de PIS e Confins caso proveniente de agricultura familiar do Norte ou Nordeste contra apenas 32% se não oriundo de cultivo familiar, e ambiental, por óbvio, pelos motivos supracitados.
Estabeleceu, ainda, que a ANP seria responsável pela implementação da Política Nacional de petróleo, gás natural e, agora, dos biocombustíveis e pela fiscalização e aplicação de sanções das atividades neste setor. Autorizou a inserção de biocombustíveis no diesel na proporção de 2% do diesel até 2008, 5% até 2013 e hoje já se pensa em 20%, mas com a certeza de podermos evoluir muito mais, tendo em vista que nos Estados Unidos os automóveis movidos com 100% de biodiesel têm apresentado rendimentos surpreendentes.
Hoje este setor está consolidado e muito se celebra a vocação dos biocombustíveis. Tanto é, que até mesmo os Estados Unidos, considerados a segunda força deste setor logo atrás de nós, estão considerando a possibilidade de importar nossos biocombustíveis, além de enviarem técnicos americanos para verificarem e aprender com a produção brasileira.
Deixando de lado os benefícios ambientais e econômicos, deve ser ressaltado um dos grandes problemas sociais que os bicombustíveis provocam. Questiona-se se a utilização destes vegetais para a produção de energia seria o ideal em detrimento da produção de alimentos e a erradicação da fome. Esta última, aliás, tem sido uma das principais bandeiras levantas pelos governos petistas de Lula e Dilma.
Ao permitir que leguminosas sejam fontes de matéria-prima dos biocombustíveis, milhões de brasileiros que estão abaixo da linha de pobreza deixarão de ser alimentados. E não apenas os brasileiros. A cada década a população mundial cresce exponencialmente demandando cada vez mais por alimentos. Caberia deixar de produzir alimentos, bem tão básico da vida humana, para produzir energia? Ou ainda, valeria ter o preço dos alimentos majorados a favor do barateamento dos combustíveis?
Relatório da O.N.U. divulgado em 2007 chamou a atenção para este fato. Segundo o relatório, “Os biocombustíveis líquidos podem ameaçar a disponibilidade de suprimentos de comida adequados ao desviar terra e outros recursos de produção das plantações para alimento”. “Muitas plantações hoje usadas como fonte de biocombustível requerem terra agricultável de alta qualidade uso significativo de fertilizantes, pesticidas e água.” Contudo, este documento de 64 páginas, reconhece que “sistemas de bioenergia modernos bem projetados podem de fato aumentar a produção local de comida”. Se o combustível ficar significativamente mais barato, a cadeia de produção e distribuição de alimentos também pode baratear o produto final.
Outro problema, a produção de monoculturas, como a soja no Mato Grosso, tem contribuído para o avanço da fronteira agrícola na Amazônia. A custa de desmatamento, as monoculturas rumam em direção à região Amazônica, o que prejudicaria o benefício ambiental do combustível. Para a produção de cana-de-açúcar, milhares de hectares da Mata Atlântica foram suprimidos. Do que adianta ser um combustível limpo se ao mesmo tempo provoca o desmatamento de milhares de árvores?
Diante deste cenário, urge uma maior atuação do IBAMA cuja maior atribuição é exercer o poder de polícia ambiental, fiscalizando se há ocorrência de desmatamento para a plantação destas monoculturas. Ao governo serve o exemplo da Europa que em 2008 através de lei comunitária, determinou que é proibido a produção de bicombustível em florestas, áreas pantanosas, reservas
naturais ou áreas de extrema biodiversidade, além de forneceram incentivos fiscais para sua produção.
É verdade que o Programa Proálcool incentivou a produção a partir da cana-de-açúcar. Mas é necessário estender e criar outros programas federais a outras culturas. Já há um tímido incentivo à produção da mamona no Nordeste e na Caatinga como um todo, do dendê no Norte e Amazônia e da soja no Cerrado, Sul e Sudeste. Contudo, o conhecimento sobre o cultivo destas leguminosas é pequeno e o investimento em tecnologia está longe do ideal. A exploração de muitas delas, hoje, é economicamente inviável. Faz-se imperativo, assim, o investimento em pesquisas para o descobrimento de novas fontes de biocombustíveis baratas e competitivas.
A energia, sem dúvida, é fundamental para o progresso da humanidade. Já dizia Lavoisier que na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma. Não há transformação sem energia. Mas antes de querer a transformação é necessária a sobrevivência. E para isso é necessário o acesso a alimentos a preços razoáveis.
Portanto, cultive os alimentos. Alimente esta ideia. Esse é o principal combustível da humanidade.
* Jean Marc Sasson é advogado com especialização em gestão ambiental pela COPPE/UFRJ. O colunista também é editor do blog Verdejando (www.verdejeando.blogspot.com)