Uma reportagem que dignifica o jornalismo e faz justiça ao padre Júlio Lancellotti, vítima da mais iníqua perseguição jornalística dos últimos anos. Padre exemplar, autor de uma obra humanística de valor incalculável, padre Júlio caiu nas malhas de um chantagista.
O clima de macartismo fez o restante. Foi alvo de achincalhes, ataques escabrosos produzidos pelo mais fétido esgoto que o jornalismo contemporâneo já se permitiu. Sua Casa, destinada a acolher crianças portadoras de HIV, perdeu financiadores, devido à escandalização do episódio. Não se deu ao padre Júlio sequer o benefício da dúvida. Não se pensou um minuto nos desassistidos amparados pela obra social do padre Júlio.
Inicialmente a Justiça absolveu os acusados, alegando falta de provas. Voltaram a atacar. Desta vez foram pilhados e condenados.
Os achincalhes da mídia a um homem digno, os ataques sem limites a um padre missionário, permanecerão impunes.
Haverá correção dos ataques sofridos? Jamais. O Conselho Nacional da Justiça (CNJ), sob a presidência de Ayres Britto, jamais incluiu as vítimas da imprensa como seu objetivo.
Reitero, mais do que nunca os termos da "Carta Aberta ao Ministro Ayres Britto", esperando que seu sucessor, Joaquim Barbosa, tenha um mínimo de sensibilidade em relação às vítimas desses pequenos e grandes assassinatos da mídia.
O Estadão
Após 5 anos, Justiça dá razão ao religioso, que acusou duas vezes os mesmos bandidos
FAUSTO MACEDO - O Estado de S.Paulo
Chega ao fim a agonia do pastor dos excluídos. Aos 64 anos, toda a vida dedicada à missão tão inglória - a proteção ao pessoal da rua -, padre Júlio Renato Lancellotti resgata a paz que roga aos outros e agora se vê livre das ameaças morais que escreveram uma página infeliz de sua história.
Na semana passada saiu publicado acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo mantendo sentença contra seu algoz, Anderson Marcos Batista - condenado a 7 anos, 3 meses e 3 dias por crime de extorsão, pena também aplicada à companheira dele, Conceição Eletério.
Foi o segundo golpe na honra do padre, em 11 de janeiro de 2011. Naquela manhã, eram 6h30, ele saía de casa, no Belém, quando Anderson o abordou. O rapaz não estava armado e não agrediu fisicamente o religioso, mas intimidou-o e dele exigiu dinheiro. "Vou te matar", avisou. Só se afastou quando padre Lancellotti embarcou em um táxi rumo à Paróquia São Miguel Arcanjo, na Mooca.
Nesse tempo, quase dois anos entre o ataque sofrido e a sentença judicial definitiva, ele manteve em segredo o seu drama. Temia a volta daquele inferno de maledicências e deboches, como na primeira provação, aqui e ali as histórias do missionário da fé que acolheu Anderson com outras intenções e até o sustentou por livre e espontânea vontade. Não fora exatamente assim em 2007, quando o acusado o extorquiu pela primeira vez e a Justiça o inocentou por falta de provas?
Assustado com o novo cerco, este de 2011, Lancellotti recorre ao amigo e advogado Luiz Eduardo Greenhalgh. "Vamos à polícia", orienta o causídico. Amargurado demais com os resultados da primeira investigação, que levou à absolvição de Anderson, o padre relutou. "Fui muito humilhado na delegacia."
Greenhalgh muda a estratégia e leva a demanda à mesa de Antonio Ferreira Pinto, então secretário da Segurança Pública do Estado. Sensibilizado, o chefe da polícia aciona o DHPP, sigla do famoso Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa, reduto dos tiras experientes.
Joaquim Dias Alves, delegado perspicaz, foi escalado para conduzir o inquérito. Seu primeiro ato foi uma visita à Rua Irmã Carolina, onde mora o padre. Logo, percebeu que em um prédio próximo havia uma câmera de TV, dessas que registram os movimentos do entorno. As imagens confirmam o relato da vítima - Anderson aborda Lancellotti, faz gestos ameaçadores, a mão direita simula uma arma de fogo.
A investigação revela que os réus eram conhecidos da vítima em razão dos trabalhos de cunho social da Lancellotti. Segundo a polícia, antes da abordagem daquela manhã, Conceição ligou diversas vezes para o padre, solicitando uma "ajuda".
Foi requerida, e a Justiça ordenou, a prisão preventiva de Anderson, que acabou detido ocasionalmente, em uma briga em um ônibus. A primeira instância forense, 25.ª Vara Criminal da Capital, impôs a Anderson e a sua companheira a pena superior a 7 anos, em regime fechado.
A defesa apelou pela absolvição, alegando ao Tribunal de Justiça "insuficiência e fragilidade probatórias". Sustentou que não havia indícios das ameaças, como degravações telefônicas. O Ministério Público recorreu, pleiteando "afastamento da continuidade delitiva e fixação da sanção base acima do limite legal", pelo menos acima de 8 anos de reclusão. Greenhalgh, como assistente da acusação, requereu a condenação de Anderson também por tortura psicológica.
Fim da linha. A corte não atendeu nenhuma parte, mas a condenação acabou mantida nos termos iniciais. "Claras e irrefutáveis a autoria e a materialidade delitivas", assevera o desembargador Antonio Manssur, relator, acompanhado em seu voto por Guilherme Strenger e Maria Tereza do Amaral.
Destacou Manssur: "As negativas de autorias ofertadas pelos réus acabaram isoladas e dissociadas, nos autos, visto que as declarações da vítima e o depoimento da testemunha de acusação Joaquim Dias Alves, delegado de polícia que presidiu as investigações, são coerentes e harmônicos, descrevendo, de forma segura e convincente, sem deixar margem a dúvidas, como ocorreram os fatos, afastada a tese defensiva de absolvição".
É com alívio que o pregador tomou conhecimento do acórdão. Agora, pode retomar com serenidade e sem sobressaltos a jornada na Pastoral de Rua e no Centro de Defesa dos Direitos Humanos. Amanhã, às 17 horas, o vigário episcopal para o Povo da Rua da Arquidiocese de São Paulo estará no Arsenal da Esperança, que abriga 1.200 desassistidos. Ele e o cardeal d. Odilo Scherer vão celebrar a missa de Natal para o rebanho sem teto.