Foi com essa machete de página do jornal francês “Le Monde” que os ministros de Agricultura dos principais países desenvolvidos e emergentes desembarcaram ontem, em Paris, para o primeiro “G-20 agrícola”, com reuniões hoje e amanhã.
O influente periódico ilustrava a percepção de que “o Brasil será um dos pesos pesados do encontro”, diante de sua “irresistível ascensão”. Já líder no comércio de açúcar, café, suco de laranja e carnes, o Brasil, estima-se, poderá assumir a liderança do setor “nos próximos dez anos”.
Os protagonistas agrícolas chegam à reunião do G-20 divididos sobre como responder às fortes altas dos preços dos alimentos. O comunicado final, como sempre acontece nesse tipo de reunião, deverá deixar de lado as polêmicas. A começar por controle de preços, sem chance de ser aceita por países exportadores.
Tampouco se espera que o G-20 decida pela eliminação de subsídios na produção de biocombustíveis ou no comércio mundial. O Brasil não subsidia o etanol, mas EUA e Canadá, sim – apesar da recente decisão do Senado americano de retirar o apoio, medida que ainda terá de passar por outras aprovações. Para o Brasil, não tem sentido a alegação de algumas organizações multilaterais de que é impossível elevar a produção de biocombustíveis e alimentos ao mesmo tempo. O país acredita estar provando o contrário.
Também não há possibilidade de ir adiante a ideia de proibir os países de aplicarem impostos às exportações, ou mesmo de restringi-los. O texto final trará um acordo apenas sobre a proibição nas exportações “não comerciais ou humanitárias”.
Os assessores dos ministros vão começar a negociação final do plano de ação contra a volatilidade dos preços dos alimentos nesta quarta-feira às 8 horas da manhã, e podem se estender até a noite. Os franceses apontam divergências sobre a entrega de dados de estoques por parte de China e Índia, resistência dos britânicos e australianos sobre a regulamentação dos mercados futuros e desencontros sobre a restrição das exportações de alimentos.
Os custos das matérias-primas são o vilão no curto prazo. Mas o Brasil tem insistido que a questão é mais ampla e envolve desde o efeito perverso dos subsídios dos países desenvolvidos, que derrubam os preços e quebram a produção nos países pobres, até a baixa produtividade dessas nações por força de programas de ajuste impostos de fora.
Para se ter uma ideia dos desafios, o rascunho do comunicado dos ministros destacará que, para alimentar uma população mundial de 9,1 bilhões de pessoas em 2050, a produção agrícola precisará crescer 70% no período – quase 100% nos países em desenvolvimento. Isso requer um conjunto de medidas para elevar a produção, a produtividade e a eficiência dos recursos. E o Brasil é central.
Beneficiado pelos altos preços das commodities agrícolas e com candidato à direção geral da FAO, o braço de agricultura e alimentação da ONU, o Brasil sinaliza com planos de ampliar a cooperação agrícola em países africanos. A ideia é desenvolver projetos que garantam uma cesta de alimentos básicos, ao invés de se concentrar em produção destinada à exportação.
“Queremos ampliar a cobertura temática e geográfica da cooperação e ajudar a desenvolver e a diversificar a produção africana, aproveitando nossa experiência em áreas como o Cerrado”, disse o embaixador brasileiro na Organização Mundial do Comércio (OMC), Roberto Azevedo. O representante brasileiro diz que isso ocorre no rastro do êxito da cooperação na melhora da produção de algodão com os quatro grandes produtores africanos – Mali, Benin, Chade e Burkina Faso.
Na sexta-feira, em Roma, nada menos do que cinco ministros brasileiros deverão participar de seminário organizado pelo Itamaraty destinado a países africanos e do Caribe, as vésperas da eleição para a direção-geral da FAO. Os países africanos serão decisivos na eleição. A expectativa é que o candidato brasileiro José Graziano da Silva tenha apoio também na Africa. (AM)