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Multiculturalismo: A farsa intelectual

Os atentados na Noruega deram um gás ao debate sobre o multiculturalismo. O conceito propõe validar as diversas culturas no mesmo nível, rejeitar a ideia de umas estarem acima de outras.

E portanto rejeitar a prerrogativa de umas imporem normas e restrições a outras.

Em geral a crítica ao multiculturalismo é "ocidentecentrada". Uma forma extrema foram os terríveis atentados de Oslo. O maluco -no grau em que ainda for diagnosticado- imbuiu-se da missão de guerrear contra a presença islâmica na Europa.

Um parêntese. Não é por o sujeito ser maluco que seus atos estão imunes à análise política. Aliás, sanidade mental nunca foi requisito para a atividade.

De volta. Agora na Noruega um sujeito decidiu pelo terror contra o multiculturalismo.

Ainda que o assassino possa recusar o rótulo. Dizer que é guerra, não terror. Nem é tão novidade assim. O terrorismo sempre encontra uma justificativa, uma maneira de apresentar-se legítimo.

De um lado e de outro, se for mesmo para dividir a coisa em dois lados antagônicos, como propôs a mente perturbada de Anders Behring Breivik.

Entrar na polêmica sobre o multiculturalismo é complexo. O debate costuma vir carregado de sentimento de culpa ocidental-cristão. Ou judaico-cristão.

Assim, as demais culturas e religiões ganham legitimidade adicional para se apresentar como formas de resistência.

No Brasil tolera-se que índios matem seus filhos portadores de deficiência. É olhado como traço cultural a respeitar. Porque são índios.

É capaz de o mesmo sujeito numa hora criticar, com razão, os governantes incapazes de providenciar acessibilidade e na outra defender o indígena cuja cultura autoriza matar crianças deficientes.

E se olhássemos os atos do maníaco de Oslo pelo ângulo do multiculturalismo? Ainda que apenas como exercício intelectual? A conclusão seria aterradora. Em vez de simplesmente condenar, estaríamos obrigados a “tentar entender”.

Condenados a “combater a origem do problema, e não suas manifestações" extremistas.

Assim como “tentamos entender”, ou tentávamos, o Exército Republicano Irlandês (IRA), o Pátria Basca e Liberdade (ETA). Ou o Hamas. Ou o Hezbollah. Ou a insurgência iraquiana. Ou o terror curdo contra a dominação turca.

Ou talvez o Unabomber.

Supostos motivos para o terrorismo sempre haverá, sempre será possível formulá-los, construí-los sobre os alicerces da vitimização.

Pode ser o Islã vitimizado diante de um Ocidente sedento de petróleo. Ou pode ser a Europa vitimizada por uma invasão bárbara.

Note-se que a posição de vítima, por essa linha, é fonte suficiente de legitimidade para praticar a violência não-estatal, para romper o monopólio estatal da violência. Daí a batalha por esse nicho, o do vitimizado.

É uma guerra central de nossa época. Se a vítima pode tudo, ser vítima confere uma vantagem insuperável.

O portador da insígnia dominará uma posição estratégica, autorizado a usar todo tipo de arma contra o inimigo. E sem a recíproca.

Essa disputa pelo spot de vítima tem base lógica, talvez na autodefesa da espécie, porque o multiculturalismo para todos seria, no limite, completamente disfuncional. Como se deduz do caso norueguês.

Para a sobrevivência de alguma civilização, uns precisariam ter mais direito ao multiculturalismo que outros. Ou, aí sim, viria a barbárie.

No multiculturalismo para todos, o assassino de Oslo deveria, na preliminar, receber a mesma carga de compreensão piedosa reservada, por exemplo, aos insurgentes iraquianos.

E em vez de condenação talvez merecesse concessões.

Idem os agentes iranianos que explodiram o centro comunitário judeu em Buenos Aires.

Eis por que o dito multiculturalismo é forte candidato a farsa intelectual.

Ou seria para todos ou para ninguém. Mas quem defendesse a primeira opção estaria obrigado, entre outras barbaridades, a sair em defesa do assassino de Oslo.

por Luis Fernando Verissimo

O resto

Anders Behring Breivik é um belo espécime de raça superior. Aquela que, segundo ele, deve se defender da mestiçagem e do multiculturalismo para não perder sua identidade, sua religião e finalmente seu espaço numa Europa ocupada por inferiores.
E Breivik não contribuiria apenas com sua boa estampa para hipotéticos cartazes promovendo a causa. Ele próprio é um exemplo da eficiência e da produtividade que caracterizam a raça nórdica, em contraste com as outras e com os mestiços. Fazer o que ele fez, em tão pouco tempo, requer uma organização e uma racionalização de meios incomuns.
Como já se disse sobre a política de extermínio dos nazistas, abstraindo-se o resto a simples engenharia do feito foi admirável. O "resto" a ser abstraído são os milhões de seres humanos assassinados pela engrenagem mortal, certo. Mas, julgada pela eficiência e a produtividade, que para Breivik distinguem os puros dos híbridos e das raças menores, a engrenagem funcionou.
Seu pequeno genocídio de noruegueses inocentes também funcionou. Assim, ao mesmo tempo que sua estampa nos mostra um ideal da raça que deve ser preservada, ele nos dá uma aula prática da sua superioridade. Se conseguirmos abstrair o "resto", claro.
CHICO
O crítico Edward Said escreveu sobre o "estilo tardio" que em muitos casos — o Beethoven dos últimos quartetos é o exemplo mais notório — distancia o artista do seu público. O artista quer evoluir e experimentar e o público quer a repetição do que gosta.
No caso do Chico Buarque o estranhamento causado pelo seu novo CD pode durar uma ou duas audições de algumas das músicas (com outras a rendição é instantânea), mas não resiste à terceira audição, quando o estranhamento vira encantamento.
Chico experimenta com rimas insólitas e sutilezas tonais (esmiuçadas naquele antológico artigo do Artur Nestrovski sobre o disco no "Estadão", e pelo Wisnik no GLOBO, semana passada), letras que misturam naturalmente o coloquial e o literário, canções que se esfarelam num quase recitativo, um blues e até um dueto de amor inevitável, que termina com o moço e a moça cantando "e lalari, lairiri" em vez de completar a letra. O estilo tardio do Chico é um estilo rarefeito, mas insista. O estranhamento acaba logo. E mal dá para esperar o que virá depois.
DEFINIÇÃO
Ouvi uma perfeita definição de super-herói, que serve para todos:
— São aqueles caras que usam a cueca por fora das calças.
E...

Aprendizados duros

Não há nada de bom em tragédias como a que aconteceu na Noruega. Foi uma coisa estúpida, que causou a morte de quase 80 pessoas e trouxe dor a todo um país. Alguém teria coragem de dizer que foi boa, em qualquer sentido que seja?
A respeito das tragédias, só uma coisa se sabe. Que, quase sempre, poderiam ser piores. Em chacinas e atentados como esse, mais gente poderia morrer, mais destruição advir, maiores os custos humanos e materiais. Nos desastres ambientais, como o recente no Japão, maior o impacto e o tempo de recuperação.
No morticínio na Noruega, tudo seria pior se o assassino não fosse um nórdico louco de direita. Se não tivesse as características exteriores de um “legítimo” cidadão de seu país.
Quem viu o manifesto deixado por ele terá notado o paradoxo do ato que cometeu à luz das ideias em que acreditava. Diz que a Europa precisa se proteger de três forças que ameaçam destrui-la: o “marxismo cultural”, o “multiculturalismo” e o “islamismo”. Era um militante de extrema direita, um convicto defensor do “monoculturalismo” (segundo sua definição) e um devoto do extremismo cristão.
O paradoxo está em que, por suas mãos, a morte veio de dentro, e não de fora da sociedade. Dizendo-se defensor, foi o verdadeiro agressor. Quem matou não foi “o estrangeiro”.
E se tivesse sido? Se estivesse certo e fosse real uma ameaça como aquela que imaginava? Se as 76 mortes tivessem sido causadas por um outro louco, só que imigrante? Árabe? Africano? Sul-americano? Se fosse esquerdista? Anarquista? Eco-radical?
O fortalecimento de partidos de direita na Europa é a parte visível de um movimento mais profundo, de xenofobia e preconceito, que se dissemina por todo o continente, dos maiores aos menores países. São cada vez mais frequentes os episódios de conflito social e racial, que só fazem subir as tensões entre europeus de diferentes origens.
Se um radical islâmico, por alguma razão maluca, matasse 68 jovens noruegueses, na festa alegre de uma sexta feira de verão, um tsunami de intolerância varreria a Europa. É difícil imaginar o que aconteceria, mas é certo que as fogueiras estariam queimando.
O governo social-democrata norueguês reagiu ao massacre de forma exemplar. O primeiro-ministro prometeu que enfrentaria suas consequências andando para diante e não recuando. Seria com mais democracia e mais liberdade que seu país responderia, e não aumentando controles e reduzindo direitos civis.
Trata-se de receita inversa à que mistura paranóia e vingança (na base do “olho por olho”), tão típica nas reações de vários países quando passam por traumas parecidos, a começar pelos Estados Unidos.
A experiência brasileira com esse tipo de tragédia é pequena. Não que sejamos uma sociedade menos violenta (ao contrário), mas, no Brasil, são raros os casos de assassinos com motivações e comportamentos semelhantes.
No evento mais grave de nossa historia, o da escola de Realengo, em abril deste ano, a reação do sistema político e da sociedade foram tão elogiáveis quanto agora na Noruega. Por mais chocados que tenhamos ficado com a morte de 12 crianças, ela não nos levou a retroceder em opções fundamentais.
Não mudou, por exemplo, a política de abertura das escolas, por mais que, logo após o tiroteio, tivesse havido quem pedisse que fossem cercadas e contratados guardas armados para servir de porteiros.
No fundo, não há mais o que fazer em tragédias. É possível encontrar algum conforto imaginando que poderiam ser piores. E torcer para que tenhamos sabedoria para não afundar com elas.
Marcos Coimbra