Clik no anúncio que te interessa, o resto não tem pressa...

Mostrando postagens com marcador Goa. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Goa. Mostrar todas as postagens

Na reunião do BRICS, em Goa, Temer não foi recebido nem por Putin, nem por Xi Jinping

Beto Barata
Embora um tanto chocante, era previsível.
O governo golpista escolheu um lugar para o Brasil no mundo. Um lugar pequeno, de quem pensa pequeno. O de aliado menor dos EUA.
Voltamos aos tempos neoliberais de FHC, nos quais a nossa inserção no mundo e na "globalização" passava pela órbita estratégica dos EUA. Na época, deu-se prioridade ao eixo Norte-Sul e buscou-se o que se chamou de "autonomia pela integração", isto é, pela inserção na globalização conduzida pelos EUA e numa ordem mundial unipolar e profundamente assimétrica.
Foi um desastre. A autonomia pela integração não produziu nem maior autonomia, nem maior integração. Apesar do "bom comportamento" e do desarmamento, o protagonismo internacional do Brasil não aumentou, a economia encolheu, em termos relativos, e nossa participação no comércio mundial se reduziu de 1% para 0,88%.
O governo Lula reverteu essa tendência de fragilização do Brasil. Sem rupturas com o Norte geopolítico, a nossa política externa "ativa e altiva" passou a priorizar o eixo Sul-Sul, a integração regional, a aproximação à África e ao Oriente Médio e a busca de parcerias estratégicas com a China, a Rússia, a Índia, a África do Sul e muitos outros. O país passou a investir muito no multilateralismo e na construção de uma ordem mundial multipolar, mais equilibrada e justa. O Brasil tornou-se respeitado. Sentou-se à mesa com os grandes do mundo.
Nesse contexto, o BRICS teve grande prioridade. Antes apenas um acrônimo sem significado real, o BRICS, com o tempo, se constituiu no mais importante bloco geoestratégico do mundo, o principal contraponto político à hegemonia que os EUA e aliados exercem na ordem mundial.
Na realidade, o BRICS nasceu da necessidade de criar um espaço de articulação desses grandes países emergentes para a defesa dos seus interesses próprios, conflitantes com a ordem mundial unipolar dominada pelos EUA.
O que está por trás da criação do BRICS é a disputa pela Eurásia e a construção de uma ordem mundial multipolar.
A Eurásia é o eixo geoestratégico do mundo, como bem definiu Zbigniew Brzezinski. Trata-se de um supercontinente, que concentra boa parte do território e dos recursos naturais do planeta e conecta os dois grandes polos econômicos do mundo além dos EUA, a União Europeia e o Leste da Ásia.
Para Brzezinski, que definiu a estratégia norte-americana para a região, é vital que os EUA tenham o controle desse supercontinente, caso queiram permanecer como a única e inconteste superpotência. Essa geoestratégia previa, entre outras coisas, o enfraquecimento da Rússia e o enquadramento de sua política externa nos imperativos geopolíticos dos EUA e seus aliados.
Porém, tal geoestratégia colidiu, obviamente, com o fortalecimento da Rússia sob Putin e a formação do BRICS. Para enfrentar a estratégia norte-americana de enfraquecimento da Rússia, Putin lançou projeto da União Euroasiática, que pretende unir a Europa e o Leste da Ásia, tendo a Rússia como elemento de conexão.A crise da Ucrânia nada mais é que a expressão visível e aguda desse choque geoestratégico.
A geoestratégia dos EUA também previa que a China permanecesse como economia complementar à norte-americana. Mas a China, como a Rússia, tem outras ideias. Com a criação do Banco do BRICS, a expansão do Banco da China e a troca de suas reservas em dólar por investimentos no mundo, a China se prepara para tornar o renminbi uma moeda mundial, que competirá com o dólar e o decadente euro. A China se prepara, na verdade, para ser a primeira economia do mundo, com interesses próprios. Nesse sentido, lhe interessa muito a articulação geoestratégica do BRICS. Quando eclodiu a crise da Ucrânia, China e Rússia rapidamente se reuniram e fizeram um pacto de defesa mútua.
Mas está por trás do BRICS também a criação de um mundo multipolar, uma nova ordem mundial que desconstrua a unipolaridade norte-americana e beneficie todos os países emergentes e em desenvolvimento. Daí o interesse do Brasil, da Índia e da África do Sul em sua formação.
Ante essa articulação dos grandes países emergentes e a ascensão do BRICS, os EUA lançaram sua nova geoestratégia, explicitada, em 2012, com o documento "Sustentando a liderança global dos EUA: Prioridades para a Defesa do Século 21", a qual pretende se contrapor à crescente erosão de poder econômico e geopolítico dos EUA e realizar movimentos de contenção da ascensão de países emergentes independentes.
Fazem parte dessa contraofensiva a TPP, a TrasnPacific Partnership, que inclui países asiáticos próximos à China, mas que exclui Beijing, e a Transatlantic Trade and Investment Partnership (TTIP), que pretende reforçar os laços econômicos entre os EUA e a União Europeia. Na América Latina, a contraofensiva norte-americana se expressa, entre outros projetos, na Aliança Para o Pacífico, que almeja se contrapor ao Mercosul, projeto que tentava articular a América do Sul como região de interesses próprios, independente dos EUA.
Os governos da política externa altiva e ativa somavam à geoestratégia do BRICS, com sua aposta na integração regional autônoma, no eixo Sul-Sul e num mundo multipolar.
O governo golpista, não. O governo ilegítimo vê o BRICS como mero balcão de negócios, de olho nos mercados da China e da Índia. Serra, inimigo histórico do Mercosul e da política externa independente, tomou a decisão de implodir nosso bloco regional e recolocar o Brasil na órbita estratégica dos EUA. Assim, o governo golpista soma-se claramente à contraofensiva estratégica norte-americana contra o BRICS e a construção de ordem mundial multipolar.
Os governos de Moscou e Beijing desconfiam, com razão, de que o governo golpista do Brasil é, em grande parte, uma criação de Washington. Mesmo que não o seja, o governo golpista fez uma escolha estratégica que não agrada os demais países do BRICS.
Quem pratica política externa de país pequeno, periférico, acaba virando isso mesmo: país pequeno e periférico. País que não senta à mesa com os grandes, em condição de igualdade.
Em Goa, antiga colônia portuguesa, o governo golpista viu confirmada a nova posição do Brasil como país colônia.