- Não se ponham a imaginar que eu vim trazer a paz à terra. Eu não vim trazer a paz, eu vim trazer a guerra - Mateus 10:34
Conforme afirmei há certo tempo, a classe dominante brasileira, promovendo nas massas uma irascível revolta contra um triplex chinfrim e dois pedalinhos foscos, entregou o comando do país aos protagonistas da série Narcos. A sentença, que quando escrita tinha um conteúdo mais retórico do que propriamente analítico, hoje parece ir ao encontro da realidade brasileira. Os acontecimentos dos últimos dias, expondo a intimidade palaciana de milicianos assassinos, evidenciam o quão irresponsável foi a nossa burguesia quando se viu diante da responsabilidade de, em tempos de crise, garantir a lucratividade dos seus negócios, o quão irracionais foram os homens da Casa Grande quando, diante da prova do sufrágio universal, tiverem que preservar a racionalidade da austeridade neoliberal no país.
Poucos meses antes do último pleito, alguns de nós, analistas do processo político, acreditávamos que, no caso de fracasso de seu insípido candidato tucano, a burguesia brasileira optaria, ainda que resignada, por devolver o comando dos seus negócios aos seus representantes bastardos, os quais, não obstante todos os inconvenientes simbólicos, haviam se mostrado aptos para a função, ao menos em tempos de bonança. Erramos feio, erramos rude, segundo o recente adágio humorístico. Racionalmente, tentamos imputar uma racionalidade ideal à burguesia, uma espécie de racionalidade adjudicada, no sentido lukacsiano da expressão, ignorando que a razão burguesa é, em última análise, a razão automática do capital, ou seja, uma razão eminentemente ideológica cuja lógica última é socialmente irracional. Mistificadora por excelência, a racionalidade burguesa, ao obedecer aos imperativos imediatos, de curto prazo, da lucratividade do capital, se mostra não só responsável pela irracionalidade da vida social cotidiana, isto é, pela barbárie da sociabilidade burguesa, como também pode provocar resultados irracionais a médio e longo prazo para a própria burguesia, para quem a totalidade social nunca é capaz de ser fundamentalmente compreendida.