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Crônica do dia


Às vezes sim, às vezes não

Alguns dias são alegres, outros tristes. Mas os piores, por aqui ou por acolá, são os dias vazios, inodoros, incolores.

Ninguém me ensinou o que fazer com os dias vazios. Tenho medo e logo tento me ocupar, como se houvesse esquecido para que os dias vazios são e servem.

Pego o celular e logo saltitam mensagens sobre como eu deveria me sentir plena comigo mesma, satisfeita com meu corpo e seu formato peculiar, sagrada em relação ao mundo, pequena em relação à existência e organizada em cinco ou seis passos para acabar com aquela eterna vida de pendências. E se encontrar algum problema no meio desse caminho, é claro, posso contar com o cuidado de um life coach que seja, que isso é das coisas mais fáceis de fazer, arrumar a vida do outro.

Que coisa, né? Arruma a vida. Sob os critérios de quem?

Semana passada peguei uma carona pra voltar pra casa. Saímos de São Paulo quatro mulheres e um homem no carro. Papo vai papo vem, me percebo calórica ao defender a ideia de “deixar as antas que sejam antas, quem sou eu pra querer que alguém mude apenas pra caber no meu gabarito? Só não quero conviver, tampouco argumentar de forma a orientar qualquer mudança… mudança vem de dentro, de escolha individual”. Sei que preciso caminhar com mais afinco sobre a estrada do não julgamento, mas é que tem sido tão novo esse separar vidas e olhar os cultivos pra onde direciono energia de forma singular… sei também que em uma viagem de quase quatro horas é improvável que faça sentido alguém que fala em humildade com a voz tão alta, mas basicamente é isso: sob que critérios a gente vem se abrindo ou se fechando para experiências de desgaste? Somos obrigados a nos envolver com toda e qualquer pessoa que passa pelo nosso caminho sob o risco de sermos considerados arrogantes caso não? Não vale apenas um “boa tarde, boa sorte” educado e cada um segue seu baile ali, como bem deseja dançar? Não seria este um cenário muito mais verdadeiro e possível de caminhar do que eu me esforçando pra caber onde você acha melhor pra mim e vice-versa?

Acho mesmo que estamos atolados pelos tempos do online. Leituras curtas. Qual foi o último livro que você leu? Postagens fantasiosas. Qual delas você é, essencialmente? Fôrmas de pessoas que são parecidas demais, equalizadas em sons que não sei se emitem, tamanha uniformidade do que desenharam pra gente ser. Presta atenção, só um pouquinho: não é possível que todo mundo precise ser amigo de todo mundo. É muita gente! Educação, por sua vez, é primordial – vale desenvolver e parece que as regras são mais simples do que pular amarelinha: você usa bom dia/boa tarde/boa noite e diz por favor e obrigada, além de me desculpe quando se equivocar (variáveis aceitas, todas elas, as que passeiam entre a gratidão e o obséquio).

Atolados em falta de tempo pra gente mesmo, que dirá pro outro e, nessa correria moderna imputada pelo acesso ao tudo ao todo a qualquer momento (via smartphone, bem smart mesmo, hein?!), pode ser da gente ficar assim, sem saber o que fazer com os dias vazios e, de repente, de repente mesmo, se pegar pensando em voz alta e compartilhando com um monte de outra gente que sim, tudo bem não saber o que fazer e então pra não ficar ranzinza ou maluquinha da cabeça, escrever, escrever e escrever.

Pensar em dar conta de mim antes e ao mesmo tempo em que me entrego para relações mais verdadeiras entre eu e o outro não me torna egoísta ou arrogante. Me torna autêntica e responsável – mas só com mais tempo do que o rolar da tela é possível refletir sobre isso. Você tem esse tempo?

Eu tento. Me relaciono com o tempo, com o Tempo, como posso. Se eu consigo? Depois de checar e-mail, telefonar perguntando onde está meu parzinho, lavar a louça do café solitário dessa manhã e abrir incontáveis abas do navegador pra eliminar o que me procrastina e xeretar o que bem me faz sorrir, entendo: às vezes sim, às vezes não.

Mariana Nassif

"As vezes caio, mas me levanto e sigo em frente, nunca desisto, porque a mão que me ampara não é a do cão, é a de Cristo"

Mariana Nassif: O exílio de Jean Wyllys e pra onde o ódio cego ao PT vai levando a gente


O Deputado Jean Wyllys, do PSOL, decidiu deixar o país esta semana. Nunca pensei que, aos quase 40 anos, vivenciaria um movimento de exílio tão descarado e, pasma com o contexto histórico – porque veja bem, isso precisa e será estudado no futuro, assim espero – leio e releio o tuíte do presidente da república, percebem o peso das palavras? PRESIDENTE DA REPÚBLICA, que postou “um grande dia”, seguido de um emoji com o sinal de joinha.
É assustador tanto quanto o próprio exílio que estejamos presenciando este momento assim, como expectadores imóveis, porque também estamos com medo. Medo de falar, medo de escrever, medo de estarmos por aqui enquanto isso aparece e a merda transborda seriamente por todos os lados mas tudo bem, porque pelo menos não é o PT.
E, desde que não seja o PT, está tudo bem: perguntei pra uma menina que conheço e que vez ou outra postava coisas contrárias ao Haddad no meu perfil no Facebook o que ela estava achando das alianças com as milícias, do desvio de dinheiro, da postura do presidente e sabe o que ela me respondeu? “Ah, mas vai dizer que o PT não fazia a mesma coisa?”. Quer dizer, o ódio cegou as pessoas, que sequer conseguem ter foco na pergunta direta e reta e discorrer sobre isso sem envolver a ladainha falaciosa de que o PT isso, o PT aquilo. Uma obsessão doentia, perigosa. Não estou querendo informações sobre o PT, nem opiniões. Estou querendo saber o que você acha do que o seu candidato tem feito e com o que está envolvido. Mas essa pergunta, claro, jamais será respondida. As técnicas de ódio e medo não permitem que as pessoas pensem, conscientemente, sobre os eventos reais, mas sim sobre a ameaça terrível da qual foram libertadas.







Enquanto isso, um deputado eleito abre mão do cargo e bate em retirada para se manter vivo. Se esta não é (mais) uma coisa séria no meio de um tanto de outras coisas sérias, eu não sei o que é. A pauta da Folha de S. Paulo de ontem dá conta de noticiar, e me enredo apenas na sensação esquisita e na reflexão de que, é, começou. Aquela fase que tantos de nós insistimos em achar que talvez não fosse existir, que era só ameaça, “ele fala de brincadeirinha”, bem, essa fase chegou. Temos nosso primeiro gay pessoa pública exilado. Escrevo assim porque as pessoas privadas, especialmente os pretos e pobres, já estão em exílio, porém ainda em risco iminente de perderem suas vidas – e isso é tão literal que não sei como não está todo mundo enjoado, enojado e extremamente engajado em resgatar culturas de resistência e alterar este cenário.