por Patrícia Benvenuti, do Jornal Brasil de Fato
O fim de um processo, mas não o fim de uma prisão. Para Luiz Gonzaga da Silva, o Gegê, não há sentença que apague as recordações dos oito anos em que foi acusado de um crime que jamais cometeu.
Um dos líderes do Movimento de Moradia do Centro (MMC), Gegê foi absolvido em um julgamento realizado nos dias 4 e 5 de abril, no Fórum Criminal da Barra Funda, em São Paulo. Ele era acusado de ser mandante do assassinato de José Alberto dos Santos Pereira Mendes, morto em agosto de 2002 em um acampamento do MMC na capital paulista.
De 2002 até o dia de seu julgamento, Gegê foi preso, enfrentou rebeliões e chegou a ser considerado foragido da Justiça. Para o militante, o período representou um corte em sua vida. “Foram oito anos sem ter o direito de viver”, resume.
A sessão permaneceu lotada durante os dois dias de julgamento. Políticos e representantes de várias entidades prestavam solidariedade ao líder e denunciavam perseguição política contra Gegê e criminalização contra os movimentos sociais.
Gegê tem um longo histórico de militância social e sindical. O militante participou da fundação do Partido dos Trabalhadores (PT), da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e de movimentos de moradia. Além disso, integrou entidades como Unificação das Lutas de Cortiço (ULC), Movimento de Moradia do Centro (MMC), União dos Movimentos de Moradia, Fórum Nacional de Reforma Urbana e Central de Movimentos Populares (CMP).
Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, Gegê fala sobre a criminalização das lutas políticas e afirma que pretende processar o Estado. “Não vou descansar enquanto o Estado não for para o banco dos réus”, garante.
Brasil de Fato – Qual era sua expectativa em relação ao julgamento?
Gegê – Eu vou ser sincero, não tinha nenhuma esperança. Eu não falava isso, mas minha esperança era a mínima possível, porque para mim a questão não estava em julgar o crime, por que quantos milhares de pais de família são assassinados todos os dias nessa cidade de São Paulo e são enterrados na vala do esquecimento? Mataram alguém, tem um assassino, o sistema penitenciário sabe quem foi, sabe o nome, e não procurou. Com isso posso dizer que eu sentia completamente vulnerável, exposto a sair dali com, no mínimo, 12 anos de prisão. Era o mínimo que eu esperava.
O resultado te supreendeu então?
O resultado final não me surpreendeu na medida em que o júri foi acontecendo, os interrogatórios, e a discriminação foi vindo mais à tona. “Eu discrimino porque você é um negro, pobre, um sujeito abusado na sociedade e ao mesmo eu criminalizo a sua luta política”. Foi caindo essa máscara, como um tabuleiro de xadrez em que você vai desmontando peça por peça, até chegar ao ponto em que um dos promotores mais duros da história recente do Brasil [Roberto Tardelli] ser obrigado a pedir minha absolvição. Ele pediu porque se sentiu um homem impotente diante dos fatos e dos acontecimentos nesses dois dias [de julgamento], aquele plenário cheio o tempo todo. Eles perceberam, ali, que estavam lidando com um movimento social, que não estavam julgando a pessoa do Gegê.
Como foi esse período de oito anos em que o processo se arrastou?
Foram oito anos sem ter o direito de viver, pagando por uma pena, julgado e condenado já. Penalização total, sem emprego, sem vida familiar, sem vida pública, sem uma vida digna como qualquer cidadão tem direito. Um dia eu estava aqui, no outro dia não sabia onde podia amanhecer. Foram oito anos que, para mim, por conta de uma tragédia e de uma irresponsabilidade de um ser humano, eu fui acusado de um crime do qual jamais seria cúmplice. E eu paguei por esses oito anos, e aliás eu continuo pagando. Mesmo no dia 5, sendo dito “você está livre”, eu continuo pagando, e mais caro inclusive porque agora vem a censura, “você não pode falar isso”, “você não pode falar aquilo”. Terminou uma fase, um processo no dia 5, mas vem outra fase mais dura, que são as preocupações que eu vou ter na minha vida. Eu vou ter que sair em busca de uma forma de sobrevivência. Esses oito anos foram um corte total na minha vida. Foram anos que me impediram de fazer o que eu queria, era um direito meu, viver minha vida. E eu fiquei preso nesses oito anos. Convivi com tentativas de fuga em DP, com três rebeliões. Eu não posso esquecer essas coisas, e ninguém pode exigir isso de mim. Por pior que tenham sido esses oito anos, tenho a obrigatoriedade de lembrá-los a cada segundo daqui pra frente.