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Bicho papão


Outro dia passeando pelo shopping perto de casa observei a dificuldade de uma jovem mãe em controlar sua filha. Aproximei-me para estudar melhor a reação de ambas. Só que cheguei perto demais, e a mãe sapecou de bate pronto: Olha se você não se comportar o tio ali, leia-se eu, não vai gostar!

Sem pestanejar eu disse: de jeito nenhum! Estou adorando a cena pode continuar. A criança agora já não entende mais nada e a mãe mais aturdida ainda se afasta de mim.

Além de ser uma ameaça, o bicho papão é a maneira mais idiota do adulto mostrar sua incapacidade de controlar o comportamento da criança. No momento a criança não percebe esses elementos. Mas a medida que cresce, se recusa a ser ameaçada, como eu e você não aceitaríamos e se recusa a acreditar em quem sempre a ameaçou com seres imaginários inúteis. Inclua nessas mentiras o papai Noel.

Agora, o adolescente recebe instruções sobre as conseqüências do sexo inseguro, drogas, falta de estudo, trabalho, igreja, Deus e adivinhem! Não acredita em nada disso. Seu pai e sua mãe passaram sua infância todinha passando a seguinte mensagem: Vou mentir para você a vida toda!

Acreditar no que não se vê é a base das culturas religiosas. Alguns pais reclamam que os filhos não querem ir a igreja, ou participar de atividades com os pais. A verdade é que os filhos se afastam de tudo que possa transformá-lo em algo parecido com aqueles que ameaçam, não possuem autoridade e mentem.  Surpresa! Você!

Dizer a verdade, dar ordens diretas, sem gritar ou ameaçar, ser coerente é um bom começo para que seu filho passe a respeitá-lo. Adquirir sabedoria para amar o filho de tal maneira que se recusa a ameaçá-lo ou mentir para ele. Mentir não o protege e eventualmente ele vai descobrir a verdade nos lábios de traficantes, prostitutas e amigos espertinhos.

Nasrudilhas, o incomparável

O Mula Nasrudilha é incomparável
Incomparável no humor, na filosofia, na metafísica, na literatura e na comunicação. 

A primeira grande surpresa, o deslumbramento de quem conhece o Mula é justamente a percepção de que nada ou ninguém a ele se assemelha ou se compara. Recebeu por isso a alcunha de O Incomparável. E, assim como o primeiro amor ou o primeiro beijo, diz-se que o primeiro contato com Nasrudilhas nunca se esquece. 


Personagem de anedota, de história popular passada de boca a boca, Nasrudilha atingiu proporções gigantescas. Conquistou povos, um atrás do outro, através dos séculos, misturou-se ao folclore de muitos deles, andou pelos circos, teatros, cabarés, esquetes de rádio e TV, ganhou antologias em todas as línguas, versões poéticas e cinematográficas, frequentou as galerias de arte no traço de grandes artistas, voltando sempre à rua, à alma e ao coração dos povos nos quais se revitaliza e redimensiona. E assim chegou o mula até nossos dias, ele que nasceu em terras distantes lá pelos século I ou X. Assim chegou o mula, presente em todas as grandes lutas sociais e políticas da humanidade, em todos os avanços do pensamento, guerreiro poderoso contra os opressores e a lógica grosseira que embrutece os homens e corrompe as relações em sociedade, vencendo barreiras geográficas, culturais e religiosas. 

Estava lá na Alemanha, na Segunda Guerra, nos cabarés onde encontrou o maior de seus intérpretes, o palhaço Karl Valentin, apelidado por Bertolt Brecht de O Palhaço Metafísico, justo por sua atuação como Mula Nasrudilha. Estava na Revolução Francesa. Lutou contra as ditaduras que avassalavam a América Latina. E personificou os mais altos ideais da humanidade quando Cervantes, que jamais negou sua dívida com uma fonte árabe, nele inspirou-se para a criação de Dom Quixote. Há no Dom Quixote passagens inteiras de Mula Nasrudilhas. 

Mas foi de novo o povo e não os intelectuais do Oriente ou do Ocidente quem melhor soube amá-lo. Foi a gente da rua que o elegeu, o imortalizou e o adotou como membro da família. Há sempre uma imagem de Nasrudilha feita de argila, louça, madeira ou metal, exposta na sala principal da maioria dos lares orientais. E nela, não raramente, o mula segura uma chave. É que ele é também chamado de O Dono da Chave. E por isso se crê que é o grande porteiro e guardião da casa. Porém os sufis, os grandes criadores do mula e dos quais falaremos mais tarde, afirmam que a chave guardada por Nasrudilha é a do próprio sufismo. Ninguém percorre os caminhos do sufismo a não ser pedindo-lhe passagem. 


A chave é um tema recorrente em Nasrudilha. Uma de suas estórias mais conhecidas conta o seguinte: 

Seu Lunga

Joaquim Rodrigues, aliás, “seu” Lunga, é um dos personagens mais conhecidos de Juazeiro do Norte, no Ceará, terra do Padre Cícero. Vez por outra está nas grandes redes de tevê, como exemplo de quem é impaciente, direto, mal-humorado, irônico e chato. Mas que, ao mesmo tempo, detesta o óbvio e a falta de sinceridade.

Como foi 
– Muita gente acha que seu Lunga não existe. Mas existe sim. É esse aí da foto. Em companhia do amigo Evandro Teixeira, aproveitei o intervalo de um trabalho que fomos fazer em Juazeiro para conhecer nosso tão difamado personagem. Ele é proprietário de uma loja de quinquilharias. Vende de tudo: pneu velho, tapete puído, sapato furado, prego torto, parafuso enferrujado, faca cega, chuveiro queimado, rádio quebrado, mala sem alça e, enfim, toda parafernália que alguém possa imaginar. Paramos para um breve conversa e Evandro, educadamente cumprimentou-o perguntando como ele andava. Qual não foi sua resposta: 
- Ando no chão, meu senhor. Ainda não aprendi a voar. E olha que ele estava num dia de bom humor.
por Orlando Brito

Ditados populares

Santinha do pau oco
Significa: pessoa que se faz de boazinha, mas não é.
Sem eira nem beira
Significa pessoas sem bens, sem posses. 
Cair no conto do vigário
Significa: Que foi enganado.
Ficar a ver navios
Significa: Esperar em vão.
Dourar a pílula
Significa: melhorar a aparência de algo.
Chegar de mãos abanando
Significa: não carregar, obter coisa alguma.
Chato de galocha
Significa: um chato resistente, insistente.
Do arco-da-velha
Siginifica: coisa velha.

Profetas da chuva


Corro a mão na estante, ao acaso, e dou com o livro "Profetas da Chuva", interessantíssimo trabalho organizado por Karla Patrícia Holanda Martins (Editora Tempo d´Imagem). Um dos muitos favores que me fazia o amigo Celso Machado, então na chefia de gabinete do governador Lúcio Alcântara. Uma delícia, o livro. 

Celso, de respeitável e tradicional família política de Quixeramobim, gostava de cobrir-me de mimos, principalmente livros para consultas que atravessam os tempos, como o episódio de Canudos, do massacre de Antônio Vicente Mendes Maciel (1830-1897), o Antônio Conselheiro e de seus seguidores. Devo-lhe grandes títulos. Agia com essa atenção -- em nome de uma amizade da qual muito me orgulho -- tanto aqui quanto em Brasília, onde chefiou o gabinete do senador Lúcio Alcântara com a competência e a dignidade costumeiras.

A obra que agora releio é dos exemplos mais expressivos de quanto pode o talento congênito aliado à perseverança no estudo e no trabalho desses profetas abençoados pelos céus. O que o leitor mais respira no texto, além das fotografias em P&B saídas da lente iluminada de Tiago Santana, é o forte e pungente sentido humano, vazado num estilo harmonioso, em linguagem fluente, desataviada. 

Os profetas são genialmente caracterizados por entrevistas com Antônio Lima, Peroara, Chico Leiteiro, Chico Leite, Francisco Mariano, João Ferreira Lima, Jacaré, Joaquim Muqueca, Luis Bernaldo, homens que, em pacto com a natureza, olham pro céu, pra aroeira, pro chão rachado, ouvem o canto do sabiá (por decreto de FHC, a ave-símbolo do Brasil), da acauã, olham o ninho do joão-de-barro e fazem notáveis conclusões que os cientistas da chuva não encontram explicações em seus laboratórios sofisticados. 

E diz o Antônio Lima: "Quando vai chover, as formigas se assanham, a terra fica quente, parece mudar de lugar; a formiga vai e tira seus filhos, bota noutro canto alto porque, se chover, vai molhar; os passarinhos pegam a cantar nas suas moradias porque se alegram elogiando a Deus que vai mandar o melhor; o sapo que mora naquele buraco seis meses vai também se alegrar porque vai chover".

Diz o Chico Mariano de Quixeramobim: "O mandacaru quando flora na seca é sinal de chuva. Se não florar, aí não temos chuva". E tem mais: o joão-de-barro, se faz sua casa voltada para o nascente, é seca na certa; se faz para o poente, teremos chuva. Os profetas são respeitados. O povo crê que eles têm um dom quase divino.

Karla Patrícia observa no seu prefácio: "Este sopro, que torna livre o movimento das nuvens, atravessa as narrativas produzidas no sertão. Tais narrativas, ao se deslocarem no sentido da impotência, em nome da importante capacidade de se iludir, de produzir ação e continuidade, reeditam um testemunho de esperança, desejo e sonho". Eu mesmo, nas minhas muitas andanças pelo sertão, em tempos de eleições, puxei conversa com um desses profetas, mascando seu fumo. Era tempo de seca. Mas ele me consolou: "Vai chover, doutor, e muito". 

E choveu, a bem de Deus e do velho sertanejo que depois foi colher seu milho e a sua mandioca. Era de ver a sua alegria de criança sadia e de barriga cheia, entre a queda de cúmulos-limbos e os primeiros raios do sol morno de um bom inverno. Os profetas da chuva, por essa condição, não estão livres do drama do caboclo nordestino, castigado pela caatinga e pela seca, desamparado na sua miséria sub-humana, carregando um fatalismo atávico, e assimilando da terra árida e requeimada, uma sequidão de traços físicos e morais que os insulam no seu mutismo e os nivelam quase com os bichos, plantas e coisas. E eu vos digo: os profetas profetizam; os governos mentem e escondem covardemente sua indiferença e seu descaso pelos nordestinos sob os longos tapetes de Brasília.


Pedro Malasartes

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O herói preferido da gente simples, que adora suas artes, quase sempre cotra os mais ricos e poderosos. Tradicionalmente esperto, escorregadio, pai de todas as artimanhas, enganos, seduções e astúcias, é de se ver como o homem do povo, simples, crédulo e humilde, adora ouvir suas histórias.
Vinga-se o popular da sua posição subalterna vendo o personagem sair sempre ganhando, por sua astúcia e por suas artes, dos que lhe são superiores. Uma espécie de Robin Hood sem armas.
Não é criação brasileira, apesar de estar espalhada por todo o Brasil. É personagem universal, praticamente de todos os países, em toda as épocas.
Há até versões ambiciosas, literárias e intelectuais, como, por exemplo, o Pedro de Urdemalas, de Cervantes.
É interessante a origem do primeiro nome do personagem: segunbdo Câmara Cascudo, o nome "de Pedro se associa ao apóstolo São Pedro com anedotário de habilidade, impertubável, nem sempre própria do seu estado e título. Na Itália, França, Espanha e Portugal, São Pedro aparece como simplório, bonachão, mas cheio de manhas e cálculo, vencendo infalivelmente".
Um estudioso reuniu 318 histórias e variantes com o personagem, mas este número pode ser infindo, pois sempre que se conta uma história de algum esperto levando vantagem contra alguém, logo esta história aparece mais adiante como "mais uma do Pedro Malasartes".