Iniciei, nesta semana do Natal, a leitura do terceiro volume da biografia/estudo crítico da obra de Fiódor Dostoiévski, escrita por Joseph Frank, intitulado Os efeitos da libertação.
Cuida esse livro da fase “pós-Sibéria” (onde cumprira pena por crime político) da vida/obra daquele que considero, sem maiores pretensões, o maior escritor de todos os tempos.
Historicamente (1860 a 1865), é momento de grande agitação política, cultural e social na Rússia czarista, no qual vários setores da intelligentsia disputavam que modelo de governo seria o ideal para garantir direitos aos mujiques, cujo desprezo fazia parte da educação das classes mais abastadas.
A expressão “Rússia czarista”, ainda hoje, faz estremecer o mais corajoso oposicionista, em qualquer parte do mundo, por conta da força extrema utilizada pelo governo para reprimir a mínima discordância que fosse ao poder estabelecido.
Pois bem.
Narra Joseph Frank (Os efeitos da libertação, p. 203 e seguintes) que, por volta de 1861, o governo czarista determinou a prisão de vários estudantes que haviam distribuído panfleto denominado “O Grande Russo”, considerado subversivo pelas autoridades.
Diz o biógrafo que os estudantes confinados na temida Fortaleza de Pedro e Paulo recebiam visitas diárias de intelectuais e apoiadores da causa, que, entre outros presentes, entregavam-lhes livros para suavizar a dor da ausência de liberdade.
Imediatamente, veio-me à mente as restrições impostas pela Administração do Presídio da Papuda à leitura por aqueles que ali estão presos. Para completar a medida “moralizadora”, os livros entregues por amigos a José Dirceu e Delúbio Soares foram “obrigatoriamente doados” (a expressão que ofende à língua de Camões está contida no texto d’O Estado de S. Paulo) à Biblioteca do referido estabelecimento prisional.
Ao ler o teor das notícias veiculadas sobre tal fato, mormente pelos sites, jornais impressos e telejornais da “grande mídia”, mesmo descrente de alguma imparcialidade por parte desses, esperava haver ali um mínimo de indignação.
Se é inadmissível a “frieza” do profissional das letras (para mim, jornalista ainda é profissional das letras) sobre os fatos acima, como qualificar a reação midiática de considerar “privilégio” a leitura por tempo indeterminado pelos detidos na Papuda?
Não bastasse terem sido mutilados os direitos constitucionais de José Dirceu e Delúbio Soares ao duplo grau de jurisdição e ao cumprimento da pena somente após o trânsito em julgado da condenação, aos dois réus, pelo menos essa é a impressão que se tem a partir dos escritos difundidos por Veja, Estadão, Folha de S. Paulo, O Globo etc., não é suficiente o cárcere, deveriam os petistas sair “piores” do que entraram.
Lógico que o regime prisional impõe obrigações inafastáveis ao preso, conforme previsão da Lei de Execuções Penais, art. 39. Pelo que se sabe, Dirceu e Delúbio não se escusaram de cumprir tais deveres (limpeza e conservação da cela, obediência ao servidor e respeito a qualquer pessoa com quem deva relacionar-se; urbanidade e respeito no trato com os demais condenados etc.).