"Uma manchete de domingo da Folha de S. Paulo não é uma simples notícia. É uma sentença de culpa com danos irreparáveis a qualquer reputação. A edição deste domingo, 22 de março, traz denúncia contra José Dirceu – novamente condenando-o taxativamente -, mas baseada em ilações fora dos autos e já negadas pelas empresas. A reportagem tem graves erros de edição e informação e vale-se apenas de “fontes internas à investigação”. A Folha presta-se, somente com base no Ministério Público, a transformar uma mentira em verdade, o que, lá na frente, dará respaldo de opinião pública para que José Dirceu seja denunciado e condenado mais uma vez sem que uma única prova seja de fato produzida contra ele. O jornal, consciente ou inconscientemente, sujeita-se a publicar ilações e a servir de “balão de ensaio” para teorias que a Polícia Federal e o Ministério Público desejam avançar mesmo sem qualquer consistência legal e jurídica.
O jornal publica em sua manchete de primeira página: “DIRCEU RECEBIA PARTE DE PROPINA PAGA AO PT, AFIRMAM DELATORES”. Na página A4, a manchete é ainda pior: “PAGAMENTOS A DIRCEU ERAM PROPINA, DIZEM EMPREITEIRAS”.
As duas manchetes escondem erros graves de informação e edição. O jornal se baseia numa suposta conversa entre o empreiteiro Ricardo Pessoa, da UTC, e investigadores da Operação Lava Jato na qual Pessoa teria afirmado que o custo da consultoria com Dirceu era abatido da propina paga ao PT. A Folha, no entanto, reconhece que não se trata de um depoimento oficial. Em outras palavras: vale-se de uma informação que não faz parte do processo e, portanto, não existe legalmente. A UTC já declarou à imprensa que Dirceu prestou serviços para os mercados peruano e espanhol. Numa investigação marcada delações premiadas homologadas pelo Supremo Tribunal Federal, a Folha sustenta uma manchete – com todo o ônus de imagem decorrente – numa ilação, sem qualquer prova material, vazada por “fontes internas à investigação”. Qual a garantia, portanto, que a Folha tem para cravar como verdadeira uma informação já negada pelas empresas e que não faz parte dos autos do processo?
Se não bastasse a fragilidade da informação, a Folha incorre num grave erro de edição que só reforça a tese – sem fundamento – de que Dirceu teria recebido dinheiro de propina da Petrobras. Para dar robustez à sua frágil denúncia sem base nos autos, o jornal recorre voluntariamente ao plural nas duas manchetes. Reparem que a Folha credita a informação a “delatores” e a “empreiteiras”, como se mais de uma fonte estivesse falando o mesmo.
Além da suposta declaração de Pessoa, a reportagem de Flávio Ferreira também se apoia numa suposta declaração de um representante da Camargo Corrêa (portanto, não um delator, como diz erroneamente a manchete), que teria dito que a consultoria com José Dirceu foi fechada em um custo sobrevalorizado por temer que uma recusa prejudicasse seus negócios com a Petrobras. Mais uma vez, a informação não é oficial e não faz parte do processo.
No entanto, mesmo se algum executivo da construtora tivesse afirmado algo nesse sentido, a informação em nada corroboraria à suposta declaração de Ricardo Pessoa sobre pagamento de propina. Portanto, sob qualquer ângulo jornalístico, a Folha não poderia ter cravado, em sua manchete, que “delatores” (no plural) são a fonte de sua controversa e infundada informação.
O texto interno, na principal página do caderno Poder, comete um erro ainda mais grave. Diz que as “empreiteiras” estão bancando a informação. Qualquer leitor que acompanha o andamento da Operação Lava Jato sabe que existe uma grande diferença entre “delatores” e “empreiteiras” no curso das investigações. As empresas, sobretudo UTC e Camargo Corrêa que são citadas na reportagem, negam o pagamento de propina e confirmam a consultoria. Ou seja, o título é contraditório com o próprio texto do jornal.
A Folha traz ainda outro erro de informação. Diz que foi Dirceu quem procurou a Camargo Corrêa para oferecer seus serviços. Isso é mentira. Foi a Camargo Corrêa quem procurou José Dirceu para um trabalho em Portugal.
No período do contrato, José Dirceu viajou 5 vezes a Portugal e se reuniu também por 5 vezes com o presidente do Conselho da Camargo Corrêa, Vitor Hallack. As informações foram reafirmadas em inúmeras oportunidades à imprensa pela assessoria do ex-ministro. Por que, então, a Folha não procurou o presidente do Conselho da construtora para checar?
Balão de ensaio do Ministério Público
Esta, no entanto, não é a primeira vez que o jornal publica dados sem respaldo nos autos do processo e tampouco em verdades que ainda não vieram à tona. Pelo segundo domingo seguido, a Folha de S. Paulo publica reportagem contra José Dirceu e com base apenas em “informações internas dos investigadores da Lava Jato”. Em 15 de março, o jornal cravou, em abre de página, que procuradores da operação teriam uma prova cabal que ligaria o ex-ministro ao empresário Júlio Camargo. A ligação entre o empresário e Dirceu já havia sido negada, prontamente, pela advogada Beatriz Catta Preta, que representa Camargo. Uma semana depois da matéria, nenhuma evidência desta “prova cabal” foi juntada aos autos do processo no Paraná. Nem se tornaram públicas por meio da imprensa.
A manchete a partir da suposta declaração de Ricardo Pessoa cumpre o mesmo papel: dar visibilidade (e sua respectiva influência junto à opinião pública) a um desejo do Ministério Público. Torna-se evidente, portanto, que o jornal vem se prestando ao papel de ser balão de ensaio das teses de investigação da polícia e dos procuradores, sem, contudo, se valer de fatos concretos para sustentar as reportagens.
Resta, no entanto, o direito à dúvida: a Folha estaria agindo de maneira consciente ou, inocentemente, seria manipulada por vazamentos seletivos dos procuradores atrás de balões de ensaio para suas teses? Seja consciente ou não, há uma implicação real na série de reportagens publicadas: cedo ou tarde e mesmo sem qualquer prova concreta, Dirceu será visto como culpado e recebedor de propinas. O Ministério Público terá, portanto, o conforto para denunciá-lo sem provas e a Folha terá colaborado decisivamente para esse erro jurídico. Se isto ocorrer, ficará evidente que a Folha de S. Paulo optou por renunciar ao papel da imparcialidade jornalística, colaborando para a lógica “do fim que justificam os meios” na caça por um culpado político pela crise na Petrobras."
do Blogue de Zé Dirceu