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Afinal, quem foram os “Mamonas Assassinas"?


Ainda está presente em nossas cabeças o modelo irreverente de um grupo musical que contestava todos os costumes do mundo moderno. Trata-se do Mamonas Assassinas. Vejamos sua contestação e desejo de mudança.
Nem acabaram eles de agradecer a “Santos Dumont, que inventou o avião”, um acidente aéreo sepulta abruptamente a banda, surgida do anonimato e em vertiginosa ascensão no espaço da música popular brasileira. Quase dois milhões de discos vendidos em tempo relâmpago e a multidão de crianças e jovens chorando o repentino desaparecer dos ídolos testemunham o sucesso e a popularidade.
A mídia exerceu, sem dúvida, um papel relevante na produção desse fenômeno meteórico. Mas, para além dessa explicação óbvia, quase lugar-comum, que sempre credita os meios de comunicação, em especial a TV, pelos acontecimentos massivos de nossos dias, é necessário suscitar uma questão de fundo, muito pouco refletida, que pergunta pelo motivo da enorme aceitação e desse misto de delírio coletivo e rebeldia, que contagiou a massa receptora da música dos Mamonas.

A pergunta nos leva a indagar sobre o homem, o tempo hodierno e uma possível filosofia do sujeito humano, no limiar do milênio, quiçá escondida e propositadamente abafada sob a frenética aparência dos rapazes de Guarulhos.
“Eu queria um apartamento no Guarujá.Mas o melhor que eu conseguifoi um barraco no Itaquá.Eu sou cagado, veja só como é:se dá uma chuva de Xuxano meu colo cai Pelé.É como aquele ditado que dizia:Pau que nasce torto, mija fora da bacia” 
Utopia, o primeiro nome da banda, foi logo abandonado. Fato casual?
Utopia era palavra muito acariciada pelos “revolucionários” das décadas de 60-80. Indicava caminhos de libertação, crença em ideais hoje tidos como inatingíveis: justiça, bondade, beleza pura. A pós-modernidade instaura uma desconstrução desses temas. Ouçamos, de passagem, uma estrofe de “Cabeça de Bagre II”.
 
“A polícia é a justiça de um mundo cão.
Mês de agosto sempre tem vacinação.
Na política, o futuro de um país,
cale a boca e tire o dedo do meu nariz”.
  
Valores de um tempo já passado, dito moderno, não atraem mais o homem pós-moderno. Elenco alguns, retomando o filósofo Derrida, um dos “inventores” da pós-modernidade: Deus, Ser, Sujeito, Consciência, Estado, Revolução, Família.
Também as grandes filosofias explicativas do Homem e do Universo caíram de moda. Textos salvacionistas, de libertação numa vida futura ou presente, ecoam no vazio.
Vagar incerto, sem rumo, verdadeiro “walking in the dark”— andando no escuro — (letra de “Débil Mental”), o cosmo um jogo indefinido: eis a sensação do homem nessa derrocada de valores. Várias letras do CD apontam esse vazio da existência:
 
“Subiu a serra me deixou no Boqueirão.
Arrombou meu coração depois desapareceu.
Fiquei na merda nas areias do destino”.
 
Em vez do planejamento produtivo e distributivo, impera, no sistema vigente, a tecnociência dirigida para o consumo em massa, para o lucro sem nenhuma perspectiva social. Estrofes irreverentes e espetaculares denunciam essa doidice:

“Mas pior de todas é a minha mulher.
Tudo o que ela olha, a desgraçada quer:
Televisão, microondas, micro system,
microscópio, limpa-vidro, limpa-chifre,
facas ginsu...
Ambervision, frigi-diet.
Celular, Master-line, camisinha,
Camisola e Kamikase.
 
Em “Pelados em Santos”, aparece o mesmo tema:

“Na Brasília amarela com roda gaúcha
ela não quis entrar.
Feijão com jabá
a desgraçada não quer compartilhar”.

E, ainda, em “Chopis Center”:

“Quanta gente
quanta alegria.
A minha felicidade é um crediário
nas Casas Bahia”.
 
O homem pós-moderno privilegia temas considerados marginais. O primeiro e mais explosivo, o sexo-prazer-desordem e o preconceito, que corre solto, desenfreado, desvairado. É a “suruba” da música Vira-Vira, na qual a mulher, Maria, sempre sai “arregaçada”, arrebentada, mas o homem, Manoel, sempre pretende dar a volta por cima e levar vantagem:

“Oh Maria, essa suruba me excita”

Mas declara:

“Dei graças a Deus porque ela foi no meu lugar”.

De novo, o sexo desenfreado em “Robocop Gay”:

“O meu andar é erótico,
com movimentos atômicos,
sou amante robótico
com direito a replay”.
Mais forte, ainda, em Bois don’t cry:
“Sou um corno apaixonado.
Sei que já fui chifrado,
mas o que vale é tesão”.

O jogo, a superficialidade, a banalidade, o quotidiano, o pragmatismo do agora, a vida vivida só no instante presente, o flutuar das experiências, sem nenhuma perspectiva de futuro, são marcas fundas do pós-moderno. Os Mamonas também vão nessa:

“Ser corno ou não ser eis a minha indagação”.

Ou então em “Uma Arlinda mulher”:

“Você foi agora a coisa mais importante
que já me aconteceu neste momento
em toda a minha vida.
Um paradoxo do pretérito imperfeito
complexo com a teoria da relatividade”.

A diversidade das formas, a transitoriedade do homem-hoje não escaparam nas letras do CD:

“Hoje eu estou tão eufórico,
com mil pedaços biônicos. Ontem eu era católico, ai, hoje eu sou gay!!!
Você pode ser gótico
ser punk ou skinhead
tem gay que é Muhamed
tentando camuflar...”

Conformismo, pessimismo, passividade, ausência de força moral. O homem pós-moderno não enxerga nenhum horizonte. Notei tudo isso em quase todas as letras dos Mamonas. O som alegre e ruidoso, os gestos irreverentes, escondem uma profunda melancolia, retrato de um mundo sem rumo.

"Fome, miséria, incompreensão,
o Brasil é tetra campeão"
"Hoje eu tô arrependido de ter feito migração.
Volto para casa fudido
com um monte de apelido..."

Esta breve radiografia a brotar de uma despretensiosa análise das letras do estrondoso e supercomercializado CD permite-me concluir que o jeito e a mensagem desses garotos saídos da penumbra para uma rápida apoteose explicam o sucesso muito mais do que a montagem e a especulação da mídia. Eles cantaram e falaram ao coração da juventude tocando temas que circundam a vida hoje.
Diria eu até que a mídia, enfatizando apenas o lado irreverente, jocoso e frenético da banda (evidentemente por motivos de marketing) acabou assassinando em proposital ostracismo a profunda filosofia presente nas letras dos Mamonas. Elas apresentam, em seus traços essenciais, o homem pós-moderno.
E, por cúmulo da fatalidade, até o jeito de morrer desses garotos, repentino e inesperado, retrata a figura do sujeito humano neste fim de século: fugidio, transitório, efêmero, como um meteoro fugaz cruzando o céu de um cosmo que ninguém sabe para onde vai.
Autor desconhecido