Não me é fácil enfrentar o Roda Viva pelo histrionismo pseudojornalístico do apresentador Augusto Nunes, mas ontem fui para o sacrifício quando vi que o entrevistado era Eduardo Campos.
A impressão geral que me ficou foi de despreparo geral – entrevistado e entrevistadores.
Desconto aqui a representante do Valor, Maria Cristina Fernandes. Ela foi a única pessoa a trazer algo novo no debate: perguntou a Eduardo Campos o que ele achava do livro sensação de Thomas Piketty sobre a desigualdade social.
Bem, a pergunta de MCF trouxe um Campos despreparado. Não apenas ele não estava familiarizado com o livro como ainda acrescentou que a revista Economist tinha feito sérios reparos.
Não foi a Economist, mas o Financial Times, cuja crítica, aliás, Piketty acusou de “desonesta”.
Nenhum dos presentes corrigiu Campos. Para ser franco, ninguém pareceu haver notado o erro, a começar pelo apresentador, em geral tão atento quando se trata de encontrar brechas que terminem em ataques a Lula, Dilma e PT em geral.
O que mais me chama a atenção em Campos é a insistência em falar de “nova política” sem mostrar, concretamente, o que é isso.
Novo seria, por exemplo, dizer claramente que é necessário estabelecer novas regras para a mídia.
Mas ele passa longe disso. Ninguém lhe perguntou sobre o assunto, mas ele fez questão de elogiar o papel da mídia para a democracia brasileira.
Pausa para rir.
Os bons momentos do programa foram esparsos, folhas na relva. Num deles, Augusto Nunes disse que Lula sempre usava o medo como propaganda política. A referência era ao recente comercial do PT que falava dos “fantasmas do passado”.
Campos lembrou que FHC fazia o mesmo. Citou um comercial da campanha de FHC em que era mostrado em avião e se perguntava se você voaria num avião cujo piloto jamais fora testado. Era Lula o piloto.
Pessoalmente, eu gostaria que Eduardo Campos fosse um fato novo, capaz de preencher o espaço à esquerda que se abriu no mundo político nacional.
O PSDB foi para a direita, e hoje é uma réplica da UDN, com seu moralismo cínico e seu completo descaso pelas questões sociais.
O PT se movimentou para o centro, ou no máximo para o centro-esquerda, por conta de tantas alianças e tantos compromissos pela governabilidade.
Isso trouxe baixa velocidade para reformas sociais imperiosas se queremos que o Brasil se livre da mancha de um dos eternos campeões em iniquidade.
O “mercado” pede uma alternativa à esquerda, como mostraram os 20 milhões de votos de Marina Silva em 2010.
Mas este cara – a novidade – não é Campos. Ele não contesta o chamado 1%, coisa que é absolutamente necessária para quem quer ser diferente pela esquerda.
Falei já que se Aécio quisesse ser ouvido, ele poderia reproduzir a essência da pregação do Papa Francisco, mas sei quanto isso ficaria estranho num partido conservador como é o PSDB.
Para Eduardo Campos isso seria, presumivelmente mais fácil. “A desigualdade é nosso maior problema”, esta seria a primeira frase e a base de uma campanha capaz de empolgar muita gente.
Mas não.
Ele se veste como o 1%, fala como o 1% e, principalmente, age como o 1%.
Fazendo tudo isso, não dá para querer votos entre os 99% — que no fim são quem elege ou não os candidatos à presidência.
O discurso de Campos é baseado numa distopia: o Brasil está se dissolvendo sob Dilma. Os ganhos de Lula teriam se perdido nos últimos quatro anos, e a inflação ameaça arruinar a estabilidade econômica.
Tudo isso teria gerado nos brasileiros uma clara vontade de mudança, da qual ele espera ser beneficiário.
A mídia ajuda a propagar esta distopia, é certo. Mas e o mundo real?
Me chamou a atenção, ao ler com a última pesquisa Ibope, que 80% dos brasileiros se diziam muito satisfeitos ou satisfeitos com a situação.
A distopia como discurso político vai dar espaço na mídia para Eduardo Campos, mas dificilmente vai trazer votos.