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Crônica semanal de Luis Fernando Verissimo


O silêncio

A substituição da máquina de escrever pelo computador não afetou muito o que se escreve. Quer dizer, existe toda uma geração de escritores que nunca viram um tabulador (que, confesso, eu nunca soube bem para o que servia) e uma literatura pontocom que já tem até os seus mitos, mas mesmo num processador de texto de último tipo ainda é a mesma velha história, a mesma luta por amor e glória botando uma palavra depois da outra com um mínimo de coerência, como no tempo da pena de ganso.

O novo vocabulário da comunicação entre micreiros, feito de abreviações esotéricas e ícones, pode ser um desafio para os não iniciados, mas o que se escreve com ele não mudou. Mudaram, isto sim, os entornos da literatura.
Por exemplo: não existem mais originais. Os velhos manuscritos corrigidos, com as impressões digitais, por assim dizer, do escritor, hoje são coisas do passado: com o computador só existe versão final. O processo da criação foi engolido, não sobram vestígios. Só se vê a sala do parto depois que enxugaram o sangue e guardaram os ferros.
Nos jornais, o efeito do computador foi muito maior do que o fim da lauda rabiscada e da prova de paquê. O computador restabeleceu o que não existia nas redações desde — bem, desde as penas de ganso. O silêncio.
Um dia alguém ainda vai escrever um tratado sobre as consequências para o jornalismo mundial da substituição do metralhar das máquinas de escrever pelo leve clicar dos teclados dos micros, que transformou as redações, de fábricas em claustros.
A desnecessidade do grito para se fazer ouvir e a perda da identificação do seu ofício com um barulhento trabalho braçal mudou o caráter do jornalista. Se para melhor ou para pior, é discutível.
Defendo, sem muita convicção, a tese de que a mudança da máquina de escrever para o computador também determinou uma migração da esquerda para a direita nas redações brasileiras. Se hoje não vale mais a velha máxima de que jornalista era de esquerda até o nível de redator chefe e de direita daí para cima, a culpa é da informatização. A nova direita é filha do silêncio.
Mas é no futuro que a troca do bom preto no branco pelo impulso eletrônico e o texto virtual fará a maior confusão.
A internet está cheia de textos apócrifos, inclusive alguns atribuídos a mim pelos quais recebo xingamentos (e tento explicar que não são meus) e elogios (que aceito, resignado), contra os quais nada pode ser feito e que, desconfio, sobreviverão enquanto tudo que os pobres autores deixarem feito por meios obsoletos virará cinza e será esquecido. Nossa posteridade será eletrônica e, do jeito que vai, será fatalmente de outro.

89 - Collor a aposta da Globo


O primeiro nome nacional a dar impulso à  candidatura Fernando Collor foi Chacrinha. Tendo passado a mocidade no Rio de Janeiro, Collor tornou-se amigo de Leleco, filho de Chacrinha. Ganhou espaço no programa o Cassino do Chacrinha para vender a imagem de “caçador de marajás”.

Embora filho de um amigo e ex-sócio de Roberto Marinho – o ex-senador Arnon de Mello –Collor não foi adotado de imediato pelas Organizações Globo.
Havia um foco na ação de Marinho: impedir a eleição de Lula. Depois, apostar no cavalo vencedor. Em determinado momento, parecia ser Guilherme Afif Domingos. Depois, mudou para Mário Covas que triturou Afif no debate da Rede Bandeirantes.
(Corrigindo: a primeira opção era derrotar Brizola)
 Para celebrar o acordo com Covas, houve famosa reunião no Rio, em que Covas e assessores encontraram-se com Roberto Marinho e seu ghost writter, Jorge Serpa. Um dos assessores de Covas –o jornalista Nirlando Beirão – preparou um artigo que seria publicado no jornal O Globo e repercutido no Jornal Nacional. Serpa ponderou que faltava o “lide”, a abertura de impacto capaz de marcar a campanha de Covas. E sugeriu o tal “choque de capitalismo”. Acabou colidindo com a imagem de Covas na Constituinte e foi enorme tiro na água.
Mas Serpa estava correto em relação à ideia-força da campanha.
Só depois que se consolidou como adversário de Lula, Collor recebeu as bênçãos de Robert Marinho. Mas chegou aos 25 pontos do IBOPE por pura intuição, alicerçada nas análises de Marcos Coimbra, filho de um diplomata casado com uma irmã de Collor. Continua>>>

A arte do nosso tempo


Uma leitura possível da história das artes visuais --de que resultaram as manifestações contemporâneas-- identificará a invenção da fotografia como um fator decisivo desse processo.

A crítica, de modo geral, há muito associa ao surgimento da fotografia a mudança da linguagem pictórica, de que resultou o movimento impressionista.

É uma observação pertinente, desde que se tenha o cuidado de não simplificar as coisas, ou seja, não desconhecer a existência de outros fatores que também influíram nessa mudança. Um desses fatores foi a descoberta da cor como resultante da vibração da luz sobre a superfície das coisas.

Noutras palavras, o surgimento do impressionismo --que constituiu uma ruptura radical com a concepção pictórica da época-- estava latente na pintura de alguns artistas de então, como, por exemplo, Eugène Delacroix e Édouard Manet, que já anunciavam a superação de certos valores estéticos em vigor. Não resta dúvida, no entanto, que a invenção da fotografia, por tornar possível a fixação da imagem real com total fidelidade, impunha o abandono do propósito de conceber a pintura como imitação da realidade.

Se tal fato não determinou, por si só, a revolução impressionista, sem dúvida alguma libertou a pintura da tendência a copiar as formas do mundo real e, assim, deixou o pintor livre para inventar o que pintava.

Pretendo dizer com isso que, se a cópia da realidade, pela pintura, se tornara sem propósito, isso não implicaria automaticamente em pintar como o fez Monet, ao realizar a tela "Impression, Soleil Levant", que deu origem ao impressionismo. Poderia ter seguido outro rumo.

Mas, se o que nasceu naquelas circunstâncias foi a pintura impressionista, houve razões para que isso ocorresse. E essas razões, tanto estavam implícitas na potencialidade da linguagem pictórica daquele momento, como no talento de Monet, na sua personalidade criadora. É que assim são as coisas, na vida como na arte: fruto das probabilidades que se tornam ou não necessárias.

A verdade, porém, é que, se não houvesse surgido uma maneira de captar as imagens do real de modo fiel e mecânico, o futuro da pintura (e das artes visuais em geral) teria sido outro. A pintura, então, livre da imitação da natureza, ganha autonomia: o pintor então podia usar de seus recursos expressivos para inventar o quadro conforme o desejasse e pudesse.

Como consequência disso, não muito depois, nasceram as vanguardas artísticas do século 20: o cubismo, o futurismo, o expressionismo, o dadaísmo, o surrealismo --todos eles descomprometidos com a imitação da realidade.

Mas essa desvinculação com o mundo objetivo terá consequências: a liberdade sem limites levará, de uma maneira ou de outra, à desintegração da linguagem artística, particularmente a da pintura.

Os dadaístas chegam a realizar quadros mais determinados pelo acaso do que por alguma qualquer intenção deliberada do autor. E se a arte podia ser fruto de tamanha gratuidade, não teria mais sentido pintar nem esculpir. O urinol de Marcel Duchamp é resultado disso. Por essa razão, ele afirmou: "Será arte tudo o que eu disser que é arte". Ou seja, tudo é arte. Ou seja, nada é arte.

Por outro lado, a fotografia, que nasceu como retrato do real, foi se afastando dessa condição e, como a pintura, passou também a inventá-lo. Por outro lado, ela ganhou movimento e se transformou em cinema, que tem como principal conquista a criação de uma linguagem própria, totalmente distinta da de todas as outras artes.

Cabe aqui uma observação: a pintura não apenas fazia o retrato das pessoas, como também mostrava cenas da vida, como as ceias, os encontros na alcova, as batalhas, os idílios etc.

Quanto a isso, mais que a fotografia, o cinema criou, com sua linguagem narrativa, um mundo ficcional, que nenhuma outra arte --e tampouco a pintura-- é capaz de nos oferecer. A meu ver, o cinema, superando o artesanato, é a grande arte tecnológica, que criou uma linguagem própria --condição essencial para que algo seja considerado arte--, geradora de um universo imaginário inconfundível, de possibilidades inesgotáveis, sofisticado e ao mesmo tempo popular. O cinema é, sem dúvida, a arte de nosso tempo.
Ferreira Gullar

Salmo 4:8

Foto: Não se preocupe, não tenha pressa. O que é seu encontrará um caminho para chegar até você. Deus não demora, ele capricha.  - Caio Fernando Abreu

Ínfimo e Joaquim Torquemada Barbosa Caífas se merecem

Frase da tarde

A vida é um livro onde escrevemos nossa história com virgulas, reticências, exclamação, interrogação e ponto final. Uns se vão e levam o livro consigo, outros deixam pra história.
Leônia Teixeira

Censores de Lobato são um bando de complexados


João Grilo era feliz e não sabia

- Valha-me Nossa Senhora, Mãe de Deus de Nazaré! A vaca mansa dá leite, a braba dá quando quer. A mansa dá sossegada, a braba levanta o pé. Já fui barco, fui navio, mas hoje sou escaler. Já fui menino, fui homem, só me falta ser mulher.
O astuto João Grilo era feliz e não sabia. Podia recitar versos destrambelhados, fazer traquinagens com o grande amigo Chicó e arrematar impressões com a maior inocência, como a que fez para Manuel, o Leão de Judá, o filho de David, o Jesus negro que pontifica na peça O Auto da Compadecida:
- O senhor é Jesus? (...) aquele a quem chamam de Cristo? (...) não é lhe faltando o respeito não, mas eu pensava que o senhor era muito menos queimado.
Grilo jamais podia adivinhar que suas lorotas poderiam, um dia, em vez de gostosas gargalhadas, provocar sérios dissabores. A ele e ao pai que o gerou, no caso, o teatrólogo, o advogado, o cancioneiro, o romancista da Academia Brasileira de Letras, o genial paraibano Ariano Suassuna.
Falta pouco para o grupo que se autointitula defensor do conceito “politicamente correto” não jogar o autor de A Pedra do Reino na masmorra da censura para fazer companhia a um dos mais influentes escritores brasileiros, Monteiro Lobato.
Como se sabe, este autor foi execrado por ter comparado Tia Anastácia, personagem em Caçadas de Pedrinho, a uma “macaca de carvão” e, mais recente, porque seu conto Negrinha teria conteúdo racista, na visão de uma entidade de advocacia racial e ambiental. Ora, estudiosos consideram o conto um libelo contra a discriminação.
A polêmica sobre o uso do lexema negro na literatura se expande na esteira do debate sobre direitos humanos e combate às variadas formas de discriminação. Ocorre que as lutas pela igualdade têm jogado na vala comum da discriminação manifestações de todo tipo, mesmo as que retratam um ciclo histórico.
É o caso da obra de Monteiro Lobato, que nasceu seis anos antes da abolição da escravatura e que vivenciou, até na fase de escritor, a segregação de escravos. Não há como imaginar personagens que tanto encantaram crianças e adultos – Emília, Pedrinho, Saci-Pererê, Visconde de Sabugosa, Tia Anastácia – adotando, ao final do século XIX, a expressão que as patrulhas acham corretas.
Quem quiser associar Lobato à discriminação certamente vai forçar a barra para encontrar o ato de ofício, como se diz nesses tempos de julgamento do mensalão. É uma questão de interpretação.
Ocorre que ele retratava um tempo em que a negritude era apresentada de maneira pejorativa. Censurar a expressão de uma época é apagar costumes, queimar tradições. Contextualizar para os alunos de hoje, por meio de anexos e notas explicativas, obras literárias do passado é passar recibo de ignorância. Sinal de barbárie cultural. Para que servem professores? Não são os mestres que ensinam, interpretam e analisam as condições dos ciclos históricos?
Veja-se esta frase do padre Anchieta sobre os índios: “Para esse gênero de gente, não há melhor pregação do que espada e vara de ferro”. Isso tira seu mérito de catequizador?
Não sem razão, Joaquim Nabuco, o abolicionista, se indignava com os sacerdotes que tinham escravos: “nenhum padre nunca tentou impedir um leilão de escravos, nem condenou o regime religioso das senzalas”.
E que tapume pode se colocar nas páginas de O Mulato (1881), de Aluisio Azevedo, onde se lê: “se você viesse a ter netos, queria que eles apanhassem palmatoadas de um professor mais negro que esta batina?”
Como apagar trechos de Histórias e Sonhos, de Lima Barreto, que registra: “não julguei que fosse negro. Parecia até branco e não fazia feitiços. Contudo, todo o povo das redondezas teimava em chamá-lo feiticeiro”.
Barreto é o mesmo que escreveu Clara dos Anjos (1922), libelo contra o preconceito que conta a história de uma mulata traída e sofrida por causa da cor. Quanta estultice prendê-lo nos grilhões da discriminação.
Nessa toada, passamos por Bernardo Guimarães. Em sua Escrava Isaura (1875), há trechos que hoje estariam no índex das proibições: “não era melhor que tivesse nascido bruta e disforme como a mais vil das negras”.
Aportamos na Bahia de Jorge Amado que, em Capitães de Areia, descreve João Grande, “negro de treze anos, forte e o mais alto de todos. Tinha pouca inteligência, mas era temido e bondoso”.
Pelo andar da carruagem, os patrulheiros de plantão não se convencem nem mesmo com a beleza poética do canto de Castro Alves. Enxergariam palavras politicamente incorretas do tipo: “e quando a negra insônia te devora... corre nas veias negras desse mármore não sei que sangue vil de Messalina”.
Imaginem se descobrirem o jesuíta André João Antonil fazendo essa consideração: “os mulatos e as mulatas são fonte de todos os vícios do Brasil”. Ele escreveu o livro Cultura e Opulência do Brasil (1711).
Pode-se atribuir ao celebrado Fernando Pessoa a pecha de machista? Eis o que pensava: “o espírito feminino é mutilado e inferior; o verdadeiro pecado original, ingênito nos homens, é nascer de mulher”.
É possível enxergar Shakespeare acorrentado nos porões da censura? Pois bem, emOtelo se lê que Brabâncio deixara a filha livre para escolher o marido que mais a agradasse, mas descobriu, que, em vez de um homem da classe senatorial, a donzela escolhera um mouro para se casar. Decidiu, então, procurar Otelo (o mouro) para matá-lo. O roteiro cabe na enciclopédia dos patrulheiros.
Pergunta de pé de texto: por que a tentativa de mudar a história? Simples. O entendimento dessa turma é de que chegou a hora do acerto final. Urge refazer a história do passado com os verbos (e as verbas) do presente. Garantir que o ontem não existiu.
Eis ai a pontinha da Revolução Cultural que bu(r)rocratas tentam engendrar desde 2004, quando criaram uma cartilha com 96 expressões que consideravam politicamente incorretas.
Os “inventores” da nova Cultura poderiam, até, tentar mudar o Código Hamurabi, escrito por volta de 1.700 a. C. Vão esbarrar numa montanha de preconceitos.
Gaudêncio Torquato

Collor fala dos bastidores do impeachment

A velhíssima trapaça do ínfimo

Que ninguém seja ingênuo de acreditar que o ínfimo criou jurisprudência no julgamento do "mensalão" petista.

O que valer para este julgamento(?) não valerá para outro não - desde que os réus não sejam petistas -.

A corja dos intocáveis não tem nenhum compromisso com a Justiça.

Os argumentos que usaram e usarão para condenar a maioria dos réus da Ação Penal 470, não valerão para os julgamentos de amanhã e depois de amanhã, repito: desde que os réus não sejam petistas.

E quem acreditar que eles farão diferente...não são ingênuos, são idiotas ou tão calhordas quantos alguns ministros do ínfimo.

Os números mentem


 Em plena temporada de greves, 77% da população apoiaram a maneira de a presidente Dilma governar. Como ela enfrentou com dureza as paralisações no serviço público, a conclusão surge óbvia: o povão detesta greves, em especial quando se fazem contra ele e não contra os patrões. 
     
Junte-se a esses percentuais outro tão  importante quanto: 62% dos consultados acham o governo ótimo ou bom. Resultado: é o PT que  anda na baixa, com o mensalão, jamais o governo ou sua chefe.
                                              
Tudo conduz a projeções favoráveis à reeleição da presidente, claro que se tudo continuar como está. Mesmo sem querer, Dilma vai-se desgarrando do partido do qual nunca fez efetivamente parte. Fica a pergunta: acontece o mesmo com  relação ao Lula?

A resposta é não. Os laços entre a sucessora e o antecessor permanecem férreos, seja por gratidão, seja por estratégia, já que a experiência do Lula  constitui trunfo de vastas proporções.                                               Logo começará a segunda metade da  administração federal e a prática indica poucas ou nenhuma mudança no estilo de Dilma administrar. Não há sinais de que pretenda promover sensível  reforma no ministério, ainda que em 2014,  ano das eleições gerais,  certos reajustes se tornem necessários. A chefe da Casa Civil, Gleise Hoffmann, é candidata ao governo do Paraná. Aloísio Mercadante, da Educação, e Marta Suplicy, da Cultura, disputarão a indicação do PT para o governo de São Paulo. Edison Lobão, das  Minas e Energia,  concorrerá ao governo do Maranhão, assim como parece provável que Garibaldi Alves Filho, da Previdência Social, ao governo do Rio Grande do Norte.

Em toda situação  política deve-se considerar o reverso da medalha. Suponha-se o  agravamento das dificuldades econômicas. 

A fuga de investimentos externos, que já começou. Uma imprevista onda inflacionária. A eclosão de dificuldades regionais impulsionadas por governadores da oposição.   Catástrofes super-dimensionadas  da natureza.  Fracasso na organização da Copa do Mundo de futebol.  E quantos inusitados a mais, em condições de inverter o pêndulo das previsões? Os números não mentem.

Coluna semanal de Paulo Coelho


Meu tipo inesquecível

Quando eu era criança, costumava ler uma revista que meus pais assinavam; tinha uma sessão chamada "Meu tipo inesquecível" - onde pessoas comuns falavam de outras pessoas comuns que haviam influenciado suas vidas. Claro que àquela altura, com nove ou dez anos, eu também havia criado o meu personagem marcante.

Por outro lado, tinha certeza que no decorrer dos meus anos este modelo iria mudar, portanto resolvi não escrever a tal revista submetendo minha opinião (fico imaginando hoje como eles teriam recebido a colaboração de uma pessoa com a minha idade na época).

Os tempos passaram. Conheci muita gente interessante, que me ajudou em momentos difíceis, que me inspirou, que me mostrou caminhos que eram necessários trilhar. Entretanto, os grandes mitos da infância sempre provaram ser mais poderosos; passam por períodos de desvalorização, de contestação, de esquecimento - mas permanecem, surgindo nas ocasiões necessárias com seus valores, seus exemplos, suas atitudes.

Meu tipo inesquecível chamava-se José, irmão mais jovem do meu avô. Jamais se casou, foi engenheiro durante muitos anos, e quando se aposentou, resolveu viver em Araruama, cidade vizinha ao Rio de Janeiro. Era ali que toda a família ia passar as férias com as crianças; tio José era solteiro, não devia ter muita paciência para aquela invasão, mas este era o único momento em que podia dividir um pouco de sua própria solidão com os sobrinhos-netos. Era também inventor, e para acomodar-nos, resolveu construir uma casa onde os quartos só apareciam durante o verão! Apertava-se um botão e do teto desciam as paredes, dos muros saiam as camas e as penteadeiras, e pronto; quatro dormitórios para acomodar os recém-chegados. Quando terminava o carnaval, as paredes subiam, os móveis tornavam a entrar nos muros, e a casa voltava a ser um grande galpão vazio, onde costumava guardar material de sua oficina.

Construía carros. Não apenas isso, mas fez um veículo especial para levar a família à Lagoa de Araruama - uma mistura de jipe com trem sobre pneus. Íamos ao banho de mar, convivíamos com a natureza, brincávamos o dia inteiro, e eu sempre me perguntava: "mas por que ele vive aqui sozinho? Tem dinheiro, podia viver no Rio!" Contava histórias de suas viagens aos Estados Unidos, onde trabalhara em minas de carvão e se aventurara a lugares nunca antes visitados. A família costumava dizer: "é tudo mentira". Vivia vestido de mecânico, e os parentes comentavam: "precisava de roupas melhores". Assim que a televisão entrou no Brasil, comprou um aparelho que colocava na calçada, de modo que a rua inteira pudesse assistir aos programas.

Ensinou-me a amar as escolhas feitas com o coração. Mostrou-me a importância de fazer o que se deseja, independente do que os outros comentem. Acolheu-me quando, adolescente rebelde, tive problemas com meus pais. Um dia ele disse-me:

- Inventei o hidramático (câmbio automático de mudança de marchas em um carro). Fui a Detroit, entrei em contato com a General Motors, me ofereceram 10.000 dólares na hora ou 1 dólar por carro vendido com este novo sistema. Peguei os dez mil dólares e vivi os anos mais fantásticos de minha vida.

A família dizia: tio José vive inventando coisas, não acreditem. E, embora tendo uma grande admiração por suas aventuras, por seu estilo de vida, por sua generosidade, não acreditei nesta história. Contei para o jornalista Fernando Morais apenas porque tio José era e é meu tipo inesquecível.

Fernando resolveu conferir, e eis o que achou (o texto está editado, pois é parte de um grande artigo): "O primeiro câmbio automático foi inventado pelos irmãos Sturtevant de Boston em 1904. O sistema não funcionava a contento porque os pesos frequentemente se afastavam muito. Mas foi a invenção dos brasileiros Fernando Iehly de Lemos e José Braz Araripe, vendida à GM em 1932, que contribuiu para o desenvolvimento do sistema hidramático lançado pela GM em 1939".

Com milhões de carros hidramáticos sendo produzidos todos os anos, a família - que nunca acreditava em nada, e achava que tio José se vestia mal - teria ficado com uma fortuna incalculável. Que bom que ele gastou os seus dez mil dólares em anos felizes!

A "ditadura" cubana que você não conhece


De acordo com o estabelecido na Constituição da República e na Lei Eleitoral nº 72, de 29 de outubro de 1992, o Conselho de Estado de Cuba convocou, no último 5 de julho, eleições gerais para delegados às Assembleias Municipais, Provinciais e Nacional do Poder Popular. 
Em uma primeira etapa, no dia 21 de outubro os eleitores elegem, para um mandato de dois anos e meio, os delegados às Assembleias Municipais, e em 28 de outubro, em segundo turno, nas localidades onde nenhum dos candidatos tenha obtido 50% dos votos válidos mais um. 
Os delegados às Assembleias provinciais e à Assembleia Nacional do Poder Popular serão eleitos por um período de cinco anos, em uma nova data a ser estabelecida. Está prevista a participação de cerca de 8,5 milhões de cubanos.

Desvinculado do modelo partidarista o sistema eleitoral cubano possibilita o exercício livre da cidadania com a escolha dos candidatos pelos próprios eleitores, o que incentiva o alto índice de comparecimento às eleições, mesmo que o voto não seja obrigatório. 
Os candidatos não são indicados por partidos e sim pelos cidadãos maiores de 16 anos que automaticamente são inscritos no Registro Eleitoral, sem custos ou burocracia. Conforme o Artigo 3º da Lei Eleitoral, o voto é livre, igualitário e secreto, e o cidadão está protegido contra punições, multas ou sanções no trabalho caso se abstenha de votar, ao contrário do que ocorre em outros países. Os membros das Forças Armadas têm direito a votar, eleger e a ser eleitos. Continua>>>

Enquanto isso na sala dinjustiça

Bom Dia