[...] Educação, Emprego e Terras
Entrevista com Claire Melamed, o chefe do projeto de crescimento e igualdade do ODI - centro acadêmico britânico Overseas Development Institute -, focado em desenvolvimento e questões humanitárias.
1. BBC Brasil - Apesar de um crescimento econômico significativo com distribuição de renda, o Brasil continua tendo bolsões de pobreza extrema. Por que é tão difícil erradicá-los?
Claire Melamed – A questão da pobreza extrema é que os pobres não são pobres por falta de dinheiro. A falta de dinheiro na verdade é um sintoma de uma série de outras privações econômicas e sociais. Essas barreiras fazem com que seja muito difícil para alguns grupos participar e se beneficiar do crescimento econômico.
2. BBC Brasil - É um problema que vai além da renda?
Claire Melamed – Certamente. Brasil tem motivos para ter orgulho de sua redução da pobreza e de seus programas de transferência de renda. Mas eles por si só não resolvem a pobreza. A renda é apenas uma parte. Um grande aspecto é a propriedade de terra, a distribuição de terra – algo que permanece desigual no Brasil. Educação também é chave, e sua (melhoria) deve ir além do nível primário, já que o tipo de emprego sendo gerado hoje no mundo exige alto nível de conhecimento. Além disso, não tem sentido prover educação se não houver empregos no final da cadeia. E há limites para o que o governo pode fazer nessa área – talvez incentivar a iniciativa privada, fornecer crédito, melhorar o ambiente (de negócios). "O foco (do Brasil) tem sido a transferência de renda, algo extremamente bem-sucedido, mas talvez estejamos vendo os limites dessa estratégia. Algumas pessoas podem ter tido aumento de renda, mas (não estão tendo acesso) a trabalho e serviços".
3. BBC Brasil - Apesar de a pobreza ir além da renda, ainda contabilizamos os mais pobres por critérios de renda. Como melhorar essa contagem?
Claire Melamed – É uma briga entre querer prover dados simples e diretos que possam ser usados por autores de políticas públicas e que reflitam a realidade - ainda que de forma imperfeita -, e o desejo de tentar entender o que realmente está acontecendo na vida das pessoas (estudadas), o que é muito mais complexo. Minha opinião é que os dados de renda têm um papel relativamente correto na descrição da pobreza, ao dar uma noção de quem é pobre ou não. Mas esses dados não explicam a pobreza ou como escapar dela.
4. BBC Brasil - Em um dos seus artigos, você diz que é importante perguntar aos mais pobres o que eles querem.
Claire Melamed – Infelizmente, poucos governos e doadores têm feito essa pergunta. Por exemplo, algo desejado por pessoas pobres de diversos países é (a criação de) empregos estáveis. Mas países doadores prestam pouca atenção à questão do desemprego. Outro anseio é por uma melhor comunicação com o mundo: melhores estradas, melhor sistema de telefonia, menos isolamento. Além disso, muitas vezes nossa tendência é associar (o combate à) pobreza à agricultura, porque os mais pobres costumam se concentrar em áreas rurais. De certa forma, temos que nos concentrar em onde as pessoas estão. Mas também temos que pensar no futuro e nas mudanças em curso no mundo. Talvez uma pessoa pobre na área rural acredite que a solução para sua pobreza esteja em se mudar para a cidade e conseguir um emprego na indústria ou no setor de serviços.