Já havia alguns meses que estava frequentando as reuniões do grupo Alcoólicos Anônimos, mas só alguns minutos que não bebia.
Foi impossível segurar — quase possível, no fim das contas. Culpa da Joana, é claro. Pisou na rua para ir ao trabalho e já deu de cara com a cretina entrando no carro do Pedrão. “Não deixou nem a cama esfriar”, pensou, já a caminho do boteco. “Aquela vagabunda”.
— Me vê qualquer coisa com álcool antes que eu exploda de raiva, Josias.
— E não é o senhor que não bebe mais, homem?
— Era. Até aquela vagaba estragar a minha manhã.
— No meu bar o senhor não vai beber, não, homem. Seus amigos já falaram que não pode, que a sua saúde não tá lá aquelas coisas, o senhor sabe.
— Porra, Josias, não quer ganhar dinheiro, não? Para com isso e me traz logo uma pinga. A garrafa inteira.
— Se eu quisesse ganhar dinheiro às custas da Joana, eu não precisava do senhor. Ela já pisou em tudo quanto é homem da cidade, mesmo. Agora vá trabalhar, vá.
Saiu do bar puto da vida, por causa da puta da Joana e daquela putaria toda do Josias. Resolveu ir logo até o mercado. Foi de pinga mesmo, mas só até o caixa.
— O cartão está bloqueado, senhor.
— Como bloqueado? Tenta de novo, moça, não é possível.
— Bloqueado, senhor. Gostaria de pagar com dinheiro, senhor?
— Gostaria, se eu tivesse dinheiro, senhora.
— Gostaria de aproveitar para fazer uma recarga no celular, senhor?
A mocinha do caixa o olhava toda sorridente, com seus dentes metálicos. Até que ele largou a garrafa, fechou a boca e saiu com mãos vazias e o pensamento cheio de vontade de mandar todo mundo tomar no cu.
Em frente ao mercado, um mendigo dormindo ao lado de uma garrafa de pinga. Poderia estar ficando louco, mas talvez aquela fosse a oportunidade. Abaixou levemente para pegá-la, com o maior cuidado do mundo, mas foi só colocar a mão e pular para trás com o susto. “O gigante acordou!”, gritou o mendigo, acordadíssimo, já com a garrafa na mão.
Enquanto ele ia embora, o mendigo continuava aos gritos, olhando para ele como que exigindo educação.
Voltou para casa, se enfiou embaixo do edredom e decidiu não sair mais de lá. Não saiu mesmo, pelos próximos três minutos, até que correu para a porta do Seu Moacir, o vizinho.
— Seu Moacir, eu preciso de bebida.
— Acabou a água?
- Be-bi-da, Seu Moacir. Álcool. Qualquer coisa com álcool.
— Mas você estava indo tão bem no A.A., meu filho. Não faça isso.
— Seu Moacir, a Joana…
— Eu sei, eu sei. A Joana. Mas não vale a pena, você sabe.
— Uma gota. Eu imploro. Uma gotinha e eu não encho mais seu saco.
— Vá descansar, meu filho. Fique em paz.
Quando o Seu Moacir fechou a porta sem pensar duas vezes, ele pensou umas três em quebrar a janela, invadir a casa e atacar a geladeira. Mas, controlado, não o fez.
Dormiu e acordou renovado, cheio de vontade de contar ao pessoal do A.A. como havia sobrevivido a mais um dia sem beber, graças ao alto nível de força de vontade – não dele, do mundo. Mas, para os amigos, preferia falar que era dele.
Tomou banho, se arrumou, deu comida para o peixe e pegou o carro. Abriu o vidro para respirar o ar puro da vida quando, no semáforo, um motoqueiro quase entrou pela janela cheio de sacolinhas de supermercado. Depois das sacoladas na cara, só conseguiu mandar a frase:
— Tá louco, cara?
O motoqueiro se desculpou pelo tombo e acelerou, esquecendo uma sacola no colo do motorista. “E ainda deixou isso aqui no meu carro, o lazarento”. Abriu para ver o que tinha.
Era cerveja.
— Glória a Deus!
Encostou o carro com o coração acelerado. “Tomo ou não tomo? Bebo ou não bebo? Foi o destino. Vou tomar”. E tomou. E sabia que tinha feito merda. E foi para a reunião mesmo assim. “É só eu não falar nada hoje e tá tudo certo, vai me fazer bem”.