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Manifesto, manifestos, manifesta, por Aderbal Freire Filho

O Manifesto Estamos Juntos é um manifesto, não pretende ser o manifesto definitivo. Impedidos de ir à rua, essa é a hora dos manifestos, de vários manifestos. A festa das ruas, sem sair de casa.
Cada manifesto tem sua cara, seus propósitos, seu jeito.
O que deve unir todos, nessa festa de manifestos, é salvar o Brasil deste momento obscurantista, do nazi-fascismo que se instala cada dia mais no país, liderado por um presidente repugnante, secundado pelas estupidezes de seus filhos, todos orientados por um astrólogo que se diz filósofo e protegidos por militares que ressuscitam a linha-dura do regime militar.
O propósito do Manifesto Estamos Juntos, pelo que entendo dele, é reunir o mais amplo espectro de brasileiros de diferentes e até opostas tendências, que compartilhem desse objetivo comum. Assim como o Manifesto Basta é o de reunir juristas de diferentes campos ideológicos. Assim como o Manifesto Anti-Fascista, reúne sobretudo acadêmicos a partir de um texto original de Luís Eduardo Soares. E tantos mais.
A partir desta premissa, quero olhar para o Manifesto Estamos Juntos.
Até onde podemos nos juntar?
Com o Gabeira, com quem já abracei a Lagoa, de tão antigo que sou, eu por muito tempo não me juntaria. Hoje ele escreve, com sabedoria, para dizer que a pandemia ensinou aos democratas que ninguém deve perder tempo culpando o outro pela chegada do coronavírus.
Eu diria que o Gabeira e muitos dos seus colegas da mídia autoproclamada imparcial não pensavam assim até ontem, quando repetiam sem parar o mantra do mea culpa que Lula e o PT deviam fazer. Bom, justiça seja feita, eles não pediam o mea culpa de mais ninguém, do PSDB nem pensar. Logo, se fosse uma pesquisa de opinião com jornalistas dos jornalões, para saber quem eles querem que assuma suas culpas e quem não querem que assuma, percentualmente eles são muito mais a favor de não procurar culpados.
Hoje, diante da ameaça fascista, eu outra vez abraçaria a Lagoa com o Gabeira. É verdade que se soubesse que ele estava ali pelo lado do Leblon, eu preferia ficar mais perto do Humaitá, Fonte da Saudade, naquelas bandas.
Então, até onde podemos nos juntar?
Saindo de uma impossível lista nominal, eu digo que, assim como hoje abraçaria o Gabeira, superei o critério que tinha definido antes como limite de alianças. Até ontem, quando pensava em frente ampla, o que me orientava era a experiência do meu entrañable Uruguai. Pensava numa frente de esquerda e estabelecia como fronteira – daqui pra lá, impossível – reconhecer que o chamado "impeachment" de 2016 foi um golpe. Ou seja, Felipe Neto, sim; Vera Magalhães, não. Todos os sofismas, tipo: ah, o Brasil vivia um caos econômico; ah, o Supremo apoiou; ah, pedaladas fiscais; todos eles são agravantes para minha repulsa. Caos econômico? Ué, mas essa não foi a razão que o Supremo apoiou. Pedaladas fiscais? Quando isso foi razão para impeachment no Brasil? E respondo com outras questões: porque a justiça segurou o bandido Eduardo Cunha comandando as ações até a aprovação do "impeachment", se tinha razões legais? Porque a justiça não se manifestou no voto criminoso daquele então insignificante deputado, glorificando a tortura e um repugnante torturador? Porque não atentaram para as revelações de conversas ("com Congresso, com tudo", etc) entre Romero Jucá, Sergio Machado, Temer, Aécio, pelo menos para reconhecer depois que foi golpe?
Então... então, até onde podemos nos juntar?
Agora é preciso estarmos juntos, não só numa frente ampla de esquerda, mas em movimentos que sejam ações imediatas para salvar a democracia. Agora é preciso unir ingleses, americanos e soviéticos para combater os nazistas alemães e os fascistas italianos. Agora, aliados! Depois... bom, depois será outro momento.
O que temos mais que esperar? Há muito tempo se repetem crimes e mais crimes, a mesma imprensa que ajudou a eleger os milicianos faz acusações diárias contra Bolsonaro e suas tropas, aponta todas suas armas, colunistas, editoriais e... nada. O Supremo começa a acolher ações e... ainda nada. Uma reunião ministerial em que ministros de estado ameaçam de morte governadores e prefeitos, pedem a prisão dos "vagabundos" juízes do Supremo, falam em botar granada nos bolsos dos pobres e aproveitar a pandemia para destruir as florestas e... nada. Dois médicos ministros da saúde são afastados e um general é indicado para o posto de matar milhões e milhões de brasileiros, indicando remédios mortais, contrariando as atitudes sanitárias de defesa adotadas no mundo inteiro e... nada.
Agora...
As diferenças com FHC, com o PSDB paulista que cobra dos outros partidos alternância de poder, menos lá em casa, que se desmancha no ar e substitui os retratos na parede de Franco Montoro e Mário Covas pelo de João Dória... agora essas diferenças eu, pessoalmente, vou superar para lutar contra as aberrações que estão nos esmagando. Preciso primeiro parar de vomitar, para depois seguir meu rumo. O cinismo, os crimes do neoliberalismo, as privatizações incluídas, não digo que são coisas do passado, mas que são do futuro.
Admiro muitos artistas, intelectuais, jornalistas, políticos brasileiros que não querem estar juntos numa frente tão ampla, que vai tão à direita e respeito a opinião deles. Admiro especialmente Lula, o brasileiro. Votei nele sempre, votarei nele sempre. E digo a outros companheiros que, na es-quer-da, estão defendendo a tese de não insistir em Lula, que meu candidato nas próximas eleições é Lula. Não me canso de repetir com mestre Ariano Suassuna que Lula é desses gênios que a misturadíssima raça brasileira produz de tempos em tempos, um Pelé da política. Assim como acharia absurdo Pelé estar fora da seleção de 70, acho absurdo Lula estar fora da seleção de 2022. Citei Suassuna, mas esse reconhecimento é universal: os inúmeros títulos de doutor honoris causa em tantos países, o respeito e a admiração de líderes, de acadêmicos, de pensadores no mundo todo confirmam. Lula saiu da prisão e foi recebido pelo Papa, por líderes de diferentes campos, de Sarkozys a Hollandes, alemães e italianos, recebeu o título de cidadão de Paris... A imprensa brasileira ignorou: eu que sou radical ao estar com Lula, ao lado desses fatos, desses líderes, desses acadêmicos, desses intelectuais e da imprensa estrangeira? Para mim, radical é o colunista anti-lulista que se irritou porque numa fala no Teatro Casa Grande citei...sei lá, cinco vezes... o Noam Chomski?
Mas agora...
Agora é hora de tirar do poder o nazismo dos copos de leite, das declarações goebellianas, dos símbolos neo-nazis, de combater a escalada rumo a uma república de milicianos apoiados por militares.
Agora...
Meu lugar é no manifesto Estamos Juntos. Com uns tantos empresários, outros tantos economistas neoliberais, muitos jornalistas de direita e muita gente mais. Sei que estou junto com muitos com quem só tenho hoje a afinidade de lutar contra o fascismo, que estou junto de muitos que também só me aceitam agora. E que têm interesses opostos aos meus nessa ação.
Mas sei também que estou junto de muitíssima gente que admiro, estou junto do Veríssimo, da Conceição Evaristo, da... nem dá para citar tantos. Estou junto de quem admiro e de companheiros com quem minhas diferenças, quando existem, são poucas. Por exemplo, do Juca Kfoury: nossa maior divergência é que ele é Corintians e, em São Paulo, eu sou Linense, em solidariedade ao Mário Prata; como o Mario, no Ceará, é Ferroviário, em solidariedade a mim. Estou junto de políticas e políticos por quem tenho profunda admiração, estou junto do Celso Amorim e do Haddad, do Tarso Genro, da Jandira e da Manuela, do Flávio Dino, do Freixo e do Molon.
E estou junto porque acredito no grupo diversificado, inteligente, plural, amoroso e ético de pessoas que se reuniu e criou esse movimento. Certamente tenho diferenças de opiniões politicas com alguns deles. Eu os admiro como artistas, intelectuais, cidadãs e cidadãos (o Antonio Prata, por exemplo, admiro desde que nasceu).
A vida é assim, urgente, e agora, com nossa gente morrendo, com os pobres mais vulneráveis, agora essa é mais uma esperança de vida. Sem contar que, no horizonte, cresce a opção de uma guerra civil.
 
Aderbal Freire-Filho junho 2020