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No Caminho com Maiakóvski – por Eduardo Alves da Costa

Assim como a criança humildemente afaga a imagem do herói, assim me aproximo de ti, Maiakóvski.

Não importa o que me possa acontecer por andar ombro a ombro com um poeta soviético.
Lendo teus versos, aprendi a ter coragem.

Tu sabes, conheces melhor do que eu a velha história.
Na primeira noite eles se aproximam e roubam uma flor do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem: pisam as flores, matam nosso cão, e não dizemos nada.
Até que um dia, o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a luz, e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.

Nos dias que correm a ninguém é dado repousar a cabeça alheia ao terror.
Os humildes baixam a cerviz; e nós, que não temos pacto algum com os senhores do mundo, por temor nos calamos.
No silêncio de meu quarto a ousadia me afogueia as faces e eu fantasio um levante;
Mas amanhã, diante do juiz, talvez meus lábios calem a verdade como um foco de germes capaz de me destruir.

Olho ao redor e o que vejo e acabo por repetir são mentiras.
Mal sabe a criança dizer mãe e a propaganda lhe destrói a consciência.
A mim, quase me arrastam pela gola do paletó à porta do templo e me pedem que aguarde até que a Democracia se digne a aparecer no balcão.
Mas eu sei, porque não estou amedrontado a ponto de cegar, que ela tem uma espada a lhe espetar as costelas e o riso que nos mostra é uma tênue cortina lançada sobre os arsenais.

Vamos ao campo e não os vemos ao nosso lado, no plantio.
Mas ao tempo da colheita lá estão
e acabam por nos roubar até o último grão de trigo.
Dizem-nos que de nós emana o poder mas sempre o temos contra nós.
Dizem-nos que é preciso defender nossos lares mas se nos rebelamos contra a opressão é sobre nós que marcham os soldados.

E por temor eu me calo, por temor aceito a condição de falso democrata e rotulo meus gestos com a palavra liberdade, procurando, num sorriso, esconder minha dor diante de meus superiores.
Mas dentro de mim, com a potência de um milhão de vozes, o coração grita – MENTIRA!

Ressuscita-me

(poema  O Amor, de Maiakovsky, adaptado por Caetano Veloso, readaptado por Briguilino)
Talvez, quem sabe um dia, numa vereda da caatinga
ela chegará
ela que amava os animais
chegará sorridente assim como está na foto sobre a mesa
ela é tão bonita
ela é tão bonita que na certa ressuscitara a geração de 68
destroçada pelas mesquinharias humanas
Agora vamos alcançar tudo o que não pudemos amar na vida, como o estrelar das noites inumeráveis
Ressuscita-me
ainda que mais não seja
porque não sou poeta
e anseio o futuro
Ressuscita-me
lutando contra as misérias do dia-a-dia
Ressuscita-me por isso
Ressuscita-me por aquilo
quero viver o que me cabe na vida
para que não mais existam amores servis
Ressuscita-me
para que a partir de hoje
a partir de hoje
a Família se transforme e o Pai
seja pelo menos o Pai
e a Mãe seja pelo menos a Mãe
a Mãe
a Mãe

Frase do dia

“Nos demais, todo mundo sabe, o coração tem moradia certa, fica bem aqui no meio do peito, mas comigo a anatomia ficou louca, sou todo coração”.
Vladimir Maiakovski