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por Fernando Verissimo

Infalibilidade

Os reis estão mais seguros do que os ditadores no Norte da Africa e no Oriente Médio. No Marrocos e na Jordânia, pelo que se lê, a queda dos reis não está entre as reivindicações principais da rua. A revolta está custando a chegar à Arábia Saudita, protótipo de autocracia absoluta na região, e o poder dos aiatolás iranianos não parece estar ameaçado, por enquanto.

Já os ditadores estão caindo um a um, como jacas. Governavam como reis, mas sem a autorização divina, eram reis ilegítimos. Assim, curiosamente, ao mesmo tempo que dá um belo exemplo de conquista popular de democracia e modernidade, a sublevação endossa, indiretamente, a monarquia.

Constantino, que transformou o cristianismo de uma seita clandestina na religião oficial do seu império, escreveu certa vez numa carta que sua conversão tinha sido bem recompensada. "Recebemos da Providência Divina o supremo favor de estarmos eternamente livres de qualquer erro."

Os ditadores costumam acreditar que junto com o poder absoluto vêm, implícitos, no pacote, os favores que a Providência Divina concede de nascença aos reis, começando pela infalibilidade. Mas não funciona assim.

Para-infernália.
É pura implicância, eu sei. Mas tenho tanta antipatia por toda essa para-infernália eletrônica, que, enquanto nos facilita a vida, nos escraviza e nos humilha, que vibro a cada notícia de sua desmoralização, por menor que seja. Comemoro cada nova prova de que ela não é infalível. Agora mesmo surgiu um super-computador, chamado Watson, que venceu dois humanos jogando "Jeopardy" na televisão americana.

"Jeopardy" é um jogo de respostas que testa a memória e o conhecimento, e a capacidade do Watson de armazenar informação, reconhecer a informação que corresponde à pergunta e enunciá-la antes dos humanos representa um grande avanço sobre os computadores que, por exemplo, derrotavam campeões de xadrez, mas com os quais não se podia ter uma boa conversa sobre filmes, livros, a vida alheia etc.

O Watson não, o Watson sabe tudo. Leu tudo, viu tudo — mas (arrá!) tem uma falha. O Watson às vezes tem dificuldade em contextualizar. É o que seus construtores chamam de Síndrome de Paris Hilton. Se você alimentá-lo apenas com as palavras "Paris Hilton", o Watson se confunde, não sabe se a referência é ao hotel Hilton de Paris ou à herdeira maluquete dos Hilton, Paris. E é capaz de ficar mudo para não dar vexame. Um pequeno defeito para um computador, mas uma grande vitória para a humanidade. Eu não conseguiria vencer um computador nem num jogo de damas, mas jamais confundiria a Paris Hilton com um hotel. Ou vice-versa.

Se diz a presidente ou a presidenta?

Luis Fernando Veríssimo

De hoje à data da eleição teremos dez dias de manchetes nos jornais e duas edições da Veja. Não sei até quando podem ser publicadas as pesquisas sobre intenção de voto, mas até a última publicação – aquela que, segundo os céticos, é a mais confiável, pois é a que garante a credibilidade e o futuro dos pesquisadores – veremos uma corrida emocionante: o noticiário perseguindo os índices da Dilma para tentar derrubá-los antes da chegada, no dia 3. O prêmio, se conseguirem, será um segundo turno. Se não conseguirem a única dúvida que restará será: se diz a presidente ou a presidenta?
Até agora as notícias de corrupção na Casa Civil não afetaram os índices da Dilma. Estou escrevendo na terça, talvez as últimas pesquisas mostrem um efeito retardado. Mas ainda faltam dez dias de manchetes e duas edições da Veja, quem sabe o que virá por aí? O governo Lula tem um bom retrospecto na sua competição com o noticiário. 
A popularidade do Lula não só resistiu a tudo, inclusive às mancadas e aos impropérios do próprio Lula, como cresceu com os oito anos de denúncias e noticiário negativo. Desde UDN x Getúlio nenhum presidente brasileiro foi tão atacado e denunciado quanto Lula. Desde sempre, nenhum presidente brasileiro acabou seu mandato tão bem cotado.
Acrescente-se ao paradoxo o fato de que o eleitorado brasileiro é tradicionalmente, às vezes simplisticamente, moralista. Elegeu Jânio para varrer a sujeira do governo Juscelino, elegeu Collor para acabar com os marajás, aplaudiu a queda do Collor por corrupção presumida e houve até quem pedisse o impedimento do Itamar por proximidade temerária com calcinha transparente. Mas o moralismo tornou-se politicamente irrelevante com Lula e, por tabela, para os índices da Dilma. É improvável que volte a ser decisivo em dez dias. Mas nunca se sabe. 
O que talvez precise ser revisado, depois dos oito anos do Lula e depois destas eleições, quando a poeira baixar, seja o conceito da imprensa como formadora de opiniões.
Mas a corrida dos dez dias começa hoje e seu resultado ninguém pode prever com certeza. Virá alguma bomba de fragmentação de última hora ou tudo que poderia explodir já explodiu? O que prevalecerá no final, os índices inalterados da Dilma ou o noticiário? Faça a sua aposta.

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Quem falou pelas vacas?



É difícil tratar com a seriedade que ela merece, uma questão como os efeitos da flatulência na biosfera.


E, no entanto, pum de vaca é responsável por boa parte da emissão de gases que ameaçam nosso equilíbrio ecológico e provocam o aquecimento global.


Há mesmo quem diga que o pum é a principal contribuição de países como o Brasil, com seus grandes rebanhos bovinos e ovinos, para o problema.


Mas falou-se pouco em flatulência em Copenhague. E ninguém falou pelos bovinos e ovinos.


Se tivessem um porta-voz atuante na reunião, as vacas poderiam ter dado um subsídio valioso à defesa dos países ricos que resistem a mudanças nos seus hábitos poluidores.


A defesa das vacas seria a Natureza. É da sua natureza darem puns. Não podem se conter.


Se pudessem controlar a própria flatulência, não seriam vacas, seriam damas da sociedade.


Da mesma maneira, é da natureza dos países industrializados sacrificarem tudo à sua volta, inclusive a própria saúde, por índices sempre maiores de crescimento e lucro. Se contrariassem a sua natureza, não seriam o que são.

Vacas e países desenvolvidos teriam o mesmo argumento em Copenhague: não poluímos por falta de caráter, mas porque é assim que fomos feitos.



***


Tem gente que não acredita no tal aquecimento global provocado pelo homem e a vaca.


Há os que dizem que não há provas científicas suficientes ou convincentes disto e há os que simplesmente negam as provas, como fazem os que negam o Holocausto ou a evolução.


Mas alguns ecocéticos surpreendem com sua posição. Por exemplo: Alexander Cockburn, que escreve regularmente na revista The Nation e diz que toda essa campanha contra as emanações de combustíveis fósseis que causariam o efeito estufa tem por trás o lóbi da indústria nuclear, pois o que está em jogo é quem dominará a energia do planeta no futuro.

Como todas as teorias conspiratórias, esta depende, para ser aceita, de uma certa suspensão do bom senso.



Cockburn tem sólidas credenciais como crítico do capitalismo e seus detritos e em nada se parece com fantasiosos negadores do genocídio nazista ou criacionistas anti-Darwin, mas para acreditar na sua tese é preciso ignorar todas as evidências de mudança climática que, literalmente, caem sobre a nossa cabeça, e atribuir ao lóbi nuclear um poder colossal.


De qualquer maneira, a dúvida está no ar. Junto com outros poluentes.
Fernando Verissimo