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Liberdade ainda que tardia

Com esta frase que circunda aquele triângulo vermelho no centro da bandeira branca de Minas Gerais, Estado natal do ex-ministro José Dirceu (ele nasceu em Passa Quatro, nas Terras Altas da Mantiqueira), nós, da equipe do blog, queremos agradecer o interesse, a vigília e a solidariedade com que milhares e milhares de brasileiros acompanharam esta semana o desfecho do julgamento do recurso na Ação Penal 470  a que ele respondeu.
Serenados um pouco mais os ânimos e paixões que a questão sempre desperta, passados dois dias da decisão do plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), que corrigiu a injustiça e a ilegalidade da aplicação da lei e das quais foram vítimas o ex-ministro José Dirceu e outros sentenciados na AP 470, nós nos dirigimos hoje a todos os que acompanharam este desfecho.
Cientes de que se pudesse escrever neste blog, o ex-ministro José Dirceu teria externado esse agradecimento na primeira hora após a decisão plenária, nós agradecemos em seu nome, conscientes de que não exageramos ao dizer que houve torcida por este desfecho. Uma torcida que felizmente teve êxito quando o plenário pôs fim à injustiça e ilegalidade e autorizou Dirceu e demais vítimas julgadas a cumprirem a sentença em regime semiaberto e a exercerem trabalho externo.
Uma nova etapa, novos passos, até o pedido de revisão criminal
Agora é uma nova etapa e um novo passo no cumprimento da sentença, feitos em absoluta observância e no estrito respeito à legalidade. E José Dirceu, desde que foi julgado e se entregou às autoridades no dia 15 de novembro pp., nestes quase oito meses em que foi mantido trancado, sem poder sair um único dia do regime fechado, embora sentenciado ao semiaberto, nunca pediu nada além disso: apenas o estrito cumprimento da lei.
A todos os que assim entenderam e se solidarizaram com ele ao longo de todo esse período, a todos vocês que mantêm este blog vivo, com suas leituras, comentários e contribuições, nossos sinceros agradecimentos. Sabíamos, sempre soubemos, que não seria diferente. Neste período, inclusive, tivemos outra grande manifestação de reconhecimento, há poucos meses, quando do processo de arrecadação para o ex-ministro quitar a multa que lhe fora aplicada pelo STF na emissão da sentença. Vocês não nos decepcionaram. A todos os que contribuíram, não importa o valor, reiteramos nossos reconhecimento e agradecimento.
Na próxima semana – possivelmente até a 4ª feira – o ex-ministro José Dirceu começa a trabalhar no escritório de advocacia José Gerardo Grossi, em Brasília. Outros sentenciados da AP 470 que já realizavam trabalho externo, alguns há quatro meses até, e que tiveram esse direito revogado por decisão monocrática (individual, sem consulta a mais ninguém dentre seus pares) do presidente do STF, Joaquim Barbosa, também tiveram o direito ao semiaberto e ao trabalho externo reconhecido e voltaram às suas atividades externas nesta semana ou estarão voltando na próxima.
Enfim, foi feito justiça. Como será, temos certeza e confiança, na revisão criminal que será pleiteada pelo ex-ministro numa nova etapa desse processo que o condenou sem provas e por crimes que lhe imputaram e que ele nunca cometeu. Se a liberdade, ainda que tardia, começou a abrir uma pequena fresta esta semana para ele, outra, muito mais ampla, virá quando o julgamento final da revisão criminal reconhecerá o erro judicial de que ele foi vítima e sua inocência nessa história.
da Equipe do Blog do Zé

Paulo Moreira Leite - não ficaria bem para o espetáculo

Há três dias os jornais brasileiros falam de uma revolta dos presos da Papuda contra os “privilégios” oferecidos aos condenados da ação penal 470. O descontentamento seria  tão grande que eles estariam preparando  uma rebelião.
Foi por isso, explicam, que três membros da Vara de Execução Penal, que tem a função de zelar pelo correto cumprimento das penas de cada prisioneiro, teriam pedido afastamento de suas funções por causa disso.
 Depois de investigar a denúncia, Claudio de Moura Magalhães, Subsecretário do Sistema Penitenciário, afirma, em entrevista ao Globo de hoje:
-- Eu até queria achar algo pesado, uma quadrilha que  está articulando, para não desmentir a VEP (Vara de Execuções Penais). Mas não achei.
 Conforme o subsecretário, está tudo dentro da normalidade nessa época do ano. A mesma informação encontra-se na Folha de S. Paulo, onde a Secretaria de Segurança  informa que boatos de rebelião “acontecem” sempre mas nega qualquer fato novo neste final de 2013.
Conforme a Folha, de 20 familiares de prisioneiros entrevistados, apenas duas mulheres confirmam ter ouvido rumores sobre uma rebelião, “mas em outra unidade” da Papuda, ressalvam.
Nada é tão ilustrativo da situação como a confissão do subsecretário. Ele “até queria achar algo pesado para não desmentir a VEP...”

AP 470 insólitas prisões

"Quatro da madrugada: instante entre a noite e o amanhecer, quando as decisões lá no topo já se firmaram, quando o que deverá acontecer já aconteceu. Alguém bate à porta, urgente. Quem é? Não se sabe."
Com essa matriz política, Jan Kott abre sua reflexão sobre o golpe de Estado urdido em "Ricardo 3º", peça em que a violência dilacera as tramas do cotidiano: súbito, a força física e a intimidação moral irrompem nos afazeres, no lazer, no sono. "Quem dentre nós, pelo menos uma vez na vida, não foi assim despertado?" O ensaio de Kott sobre "Ricardo 3º" faz dessa figura uma grande metáfora da "húbris" política, desvelando a essência do ato despótico e sua perene ameaça.
Assistimos, aqui e agora, à reiteração dessas práticas. As detenções dos réus da ação penal 470 ocorreram após um processo transparente, mas o foram com bizarria do prisma ético. Sua imposição intempestiva, em longo feriado, valeu-se do emblemático Dia da República e da suspensão, no calendário, de três dias úteis. Pergunta-se o porque da pressa: Joaquim Barbosa valeu-se do recesso para decidir sozinho, ignorando seus pares?
A efetivação repentina dessas prisões, após um lento processo, insere o monopólio estatal da força física no cotidiano das pessoas. Noite que enseja emboscadas, ou feriado que paralisa a vida pública e privada, ambas as situações cancelam as garantias constitucionais.
Não visamos, aqui, a procedência das prisões, mas seu arbitrário "modus faciendi". O uso do feriado não é inédito nas práticas políticas autoritárias: entre nós, basta citar os ardilosos planos econômicos, como o de Collor. Há mesmo uma história dessas tocaias: nas imagens acentuadas por Kott, o golpe de Ricardo 3º condensa-se na semana de Todos os Santos e Finados, tropos polissêmicos onde o dia dos mortos e o morticínio do tirano conjugam-se: os assassinatos, processos e decapitações não por acaso efetivam-se quando a vida social está suspensa, em luto. Inglaterra elisabetana ou República brasileira, a conivência com tais condutas resulta na mesma inversão de valores e práticas já presentes na democracia grega e sintetizadas por Platão como raízes do poder tirânico.
Por fim, completando os atentados à cidadania, juntas médicas ratificaram o desrespeito a um preso doente. No laudo sobre a saúde de José Genoino, afirma-se que ele pode suportar o cárcere: bastam remédios, dieta, exercícios regulares e (pasme-se!) evitar "fatores psicológicos estressantes". Os doutores ironizam ou ignoram o que significa uma prisão, enunciando um oximoro: cadeia sem trauma.
As juntas que se pronunciaram sobre Genoino --e talvez as que examinam Jefferson-- esqueceram-se de que avaliam prisioneiros cujas vidas não se assemelham à dos pacientes abstratos cujos diagnósticos pautam-se pelos parâmetros rotinizados oferecidos pela tecnologia médica. Lendo seus pareceres, tem-se o sentimento de que a submissão aos poderosos avalizou tais contrassensos. Tanto mais grave torna-se essa conduta quando distinguimos a atual crise nos meios médicos brasileiros e lembramos o quanto a bioética vem sendo debatida mundialmente.
Após a renúncia de Genoino, as circunstâncias de sua captura podem parecer episódicas, mas, nelas, o imprudente uso do poder evidencia o vezo, perene no Estado brasileiro, de afrontar o cidadão.
A crítica ao "modus operandi" das prisões não implicam tolerância ao crime; pelo contrário, ela pressupõe que sentenças legais não autorizam sua execução ilegítima.
Vale recordar que as denúncias contra a democracia martelam a tese de que nela é ínsita a impunidade. Já dizia Platão ao invectivar o regime ateniense das liberdades que, na polis "licenciosa", condenados à morte ou ao exílio não "deixam a praça, circulam em público, como se fossem indiferentes a todos, invisíveis, como fantasmas de heróis". Pelo visto, alguns magistrados são platônicos e gostariam de banir a democracia para sempre.
MARIA SYLVIA CARVALHO FRANCO é professora titular aposentada de filosofia da USP e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)