Pela primeira vez faço esse desabafo: estou com vergonha do meu país. Fosse mais jovem certamente que a opção de ir embora estaria nos meus planos.
Da revolta, passei para o estupor para desaguar no temor. Não vivenciei os idos da década de 50 quando, afirmam os mais velhos, o país também vivenciava uma conjuntura de convulsão dada a oposição à Getúlio gerada pelo viés nacionalista e distributiva do seu segundo governo. Em 1964, só com 9 anos de pouco coisa lembro. Mesmo porque morava no interior do Ceará, num lugarejo pequeno onde as notícias chegavam com dias de atraso e o nível de educação era mínimo.
Pouco assimilei acerca da fase ditatorial, um período marcado pela extrema violência política, A censura vedava qualquer apreensão da realidade. Com as liberdades de expressão e imprensa cerceadas só conhecíamos uma realidade:a ditada pelo regime. Éramos, pelo menos até a revogação do AI-5, uns alienados.
Veio a redemocratização pela qual passamos a respirar os ares da liberdade. Por consequência.o debate político deixou de ser interditado e os embates entre as várias correntes se deu no campo das ideias, às vezes ásperos e contundentes, mas sempre num nível civilizado. Lembrando que até 1989 vigorava um mundo ainda cingido por dois sistemas ideológicos antípodas, no caso o socialismo dito "real" e o liberal-capitalismo. Um contexto de claras e inarredáveis posições políticas sem entretanto apelos extremistas pelo conjunto da sociedade.
O país foi redemocratizado, elaborou uma das constituições mais avançadas e visionárias de todo o mundo, evolui sobremaneira em todas as áreas do espectro: instituições políticas, desenvolvimento econômico e social, evolução dos cultural e dos costumes, elisão de chagas sociais históricas, a exemplo da quase extirpação da miséria, das doenças endêmicas e do analfabetismo. Enfim, alcançamos, ou alcançávamos, uma fase, sem não de ouro, mas pelo menos de prata na nossa escalada.
Mas eis que para empanar tudo emerge o "monstro", a "besta" que, virando às costas a todo esforço civilizatório até então, se revela e se reveste do mais absurdo, absoluto e incompreensível niilismo por razões que já julgávamos enterradas: o ódio político-ideológico.
O país está irrespirável.