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Artigo do dia


A Constituição hackeada e a criminalização do jornalismo investigativo, por Tânia Maria de Oliveira
Do Pentágono Papers, em 1971, quando Daniel Ellsberg, analista militar a serviço do departamento de defesa norte americano, vazou para a imprensa documentos secretos, que mostravam que a guerra do Vietnã não poderia ser vencida pelos Estados Unidos, passando pelos eventos em que dois repórteres do Washington Post comprovaram o envolvimento do presidente Richard Nixon na ação criminosa contra a sede do Comitê Nacional do Partido Democrata, no famoso episódio conhecido como Watergate, até os recentes casos de Julian Assange e Edward Snowden, o chamado jornalismo investigativo, em regra, voltou-se a desvendar ações de governos.
No recente caso brasileiro, contudo, aponta para os desvios cometidos dentro do sistema de Justiça pelos membros da mais famosa operação de investigação já ocorrida, a Lava Jato.
No processo das divulgações feitas pelo portal The Intercept Brasil, as manifestações do ex-juiz e atual ministro de Estado Sérgio Moro, e dos procuradores da força tarefa da operação Lava Jato, acerca dos conteúdos revelados, são realmente impressionantes, confusas, inacabadas e sobretudo contraditórias, não apenas entre si, mas com as suas posturas sempre adotadas e defendidas publicamente.
De defensores de divulgação ampla de conteúdos de investigação, depoimentos, interceptações telefônicas e afins, passaram a chamar de “ataque criminoso” o conhecimento público de dados de conversa entre um juiz e uma das partes no processo. De árduos militantes, dentro e fora do Congresso Nacional, pelo uso de provas ilícitas quando recolhidas “de boa fé”, insuflando alterações legislativas nesse sentido, migraram para acusadores de ilicitude das provas que mostram um conluio nas investigações e processos da operação Lava Jato. A tese corrente surgida no segundo momento das manifestações de Moro e membros da força tarefa da Lava Jato é de um “ataque hacker”, embora os jornalistas responsáveis pela divulgação não tenham, em qualquer momento, falado de suas fontes.
Em entrevista ao jornalista Pedro Bial, no dia 09 de abril de 2018, ao se referir à divulgação dos grampos envolvendo a presidenta da República em 2016, mesmo após o Supremo Tribunal Federal ter reconhecido a ilegalidade, tanto da gravação quanto de sua divulgação, o então juiz Sérgio Moro afirmou: “o problema ali não era a captação ilegal do diálogo e sua divulgação. O problema era o conteúdo do diálogo.” No entanto, no que se refere aos conteúdos divulgados pelo portal The Intercept Brasil ele afirmara, primeiro que não  viu “nada demais”, mas que era “bastante grave  a invasão e a divulgação”, e depois que se trata de um  ataque hacker, e que não pode confirmar a veracidade dos diálogos. Indica não se recordar que o problema não é a divulgação, mas o teor das conversas.
Na verdade, ao não confrontar os conteúdos divulgados, nem mesmo apontando qual parte dos diálogos consideram não ser verdadeiros, os membros da operação Lava Jato jogam novamente com a opinião pública, na tentativa de invocar o sentimento social de que “tudo foi feito para combater a corrupção sistêmica”, mote para validar os fins que desejavam alcançar, enquanto descumpriam as normas mais elementares de uma relação processual, que são a imparcialidade do juiz e a paridade entre as partes.
Tanto Sérgio Moro quanto os procuradores desferem ataques ao jornalista responsável pelo The Intercept Brasil, Glenn Greenwald, chamando-o de “aliado de hackers”, adentrando na perigosa seara de afetar a liberdade de informação. Ameaças explícitas foram o tom usado pelo ministro e ex-juiz na audiência pública na Comissão de Constituição e Justiça do Senado nesta quarta-feira (19). Por várias vezes Moro disse que o site e o jornalista praticam “conduta criminosa”.
A investida no sentido de se colocarem como vítimas, e inverterem os problemas detectados e apontados, com a revelação de que na operação Lava Jato existia uma relação espúria entre o juiz e os procuradores, e diante da eloquência de que cometeram desvio no exercício da função pública faz parte, digamos, de estratégias de defesa. Por outro lado, qualquer tentativa de criminalizar a atuação do jornalista assume outra conotação. E convém não esquecer que Sérgio Moro não apenas já censurou um blog, como conduziu coercitivamente o jornalista Eduardo Guimarães em 2017, curiosamente sob acusação de “vazamentos”.
Aquele foi mais um fato naturalizado dentro na “normalidade lavajatiana”, conforme já escrevi em outro artigo. A questão que me esquivei de abordar no texto anterior, é como esses procedimentos foram sendo assumidos e respaldados socialmente, e pelos órgãos do sistema de justiça e de controle. Qualquer ação, como a abusiva condução coercitiva do jornalista, mesmo sendo espúria e leviana, vinda do juiz “de bem” era tolerada. Para qualquer repercussão negativa bastavam as “respeitosas escusas”, e tudo seguia como antes. Havia, ainda, nas mensagens subliminares, recados a quem se atrevesse a enfrentar publicamente os justiceiros do país.
Certo é que nada aconteceu aos membros da Lava Jato, durante os cinco anos de existência, diante de todas as ilegalidades denunciadas. O Conselho Nacional de Justiça, órgão cuja missão precípua é verificar o comportamento isento de magistrados, arquivou radicalmente todos os pedidos de investigação de condutas desviantes do juiz Moro, algo como mais de duas dezenas e apresentado por políticos, pessoas físicas, entidades. Mesmo caminho no CNMP no caso dos procuradores. Os processos no Judiciário tiveram igual destino. A forma como desembargadores do TRF-4 e ministros do STJ rejeitaram os argumentos e as várias demonstrações de parcialidade é quase risível. A imparcialidade era presumida e as provas ignoradas.
Ao que tudo indica, há mesmo a ação de um hacker. Ele adulterou o texto da Constituição Federal em vários dispositivos, ao menos na versão que é usada pelo ministro Sérgio Moro e pelos membros da Lava Jato. Não apenas nas garantias processuais penais, como se supunha, mas inclusive o disposto no art. 5º, XIV, que assegura a todos o acesso à informação e o sigilo da fonte, pilares do Estado de Direito e da democracia.
da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia

"As vezes caio, mas me levanto e sigo em frente, nunca desisto, porque a mão que me ampara não é a do cão, é a de Cristo"
 Vida que segue...

Quem nasceu primeiro o ovo ou a galinha ou?

(...) Pergunto: "quem é mais corrupto os membros da PF, MPF e Judiciário que vazam depoimentos seletivos ou os jornalistas que publicam esses vazamentos sem checar?
O jornalista Roberto Amaral dá umas pistas no excelente texto abaixo, confira:

Nos últimos dez dias, Globo, Folha e Estadão republicaram antigos vazamentos da Lava Jato contra o ex-presidente Lula.  Notícias velhas foram requentadas e servidas como carne fresca a quem perdeu a memória dos desmentidos: uma sede do Instituto Lula que nunca existiu, uma rodovia na África e o acervo que Lula tem de guardar por força da lei. Isso se chama publicidade opressiva, violência inerente ao estado de exceção e essencial aos “julgamentos pela mídia”. 

     Não pode ser coincidência. A ofensiva dos vazadores e seus repórteres amestrados segue-se à ação da defesa de Lula, que levantou a suspeição de Sérgio Moro para julgá-lo, por perda da imparcialidade. Essa é a notícia nova do caso, que a imprensa brasileira escondeu. Deu no New York Times, mas não saiu no Jornal Nacional.
      A ação aponta 12 afirmações de Moro antecipando a decisão prévia de condenar Lula. Registra os abusos que ele cometeu – da condução coercitiva sem base legal à divulgação criminosa de grampos telefônicos. No estado de direito, Moro deveria declinar do caso para outro juiz, isento, imparcial, condição que ele perdeu em relação a Lula. 
     O Datafolha também ajuda a entender a ofensiva. Só Lula cresceu. Tem um terço dos votos válidos no primeiro turno e mais de 40% no segundo, contra os três tucanos e a insustentável Marina. Só perde, hoje, para o antipetismo; e debaixo de uma campanha de difamação sem precedentes. 
     É preciso acabar com Lula, fazer sua caveira, antes que ele tenha chance de voltar pelo voto. E antes que sua defesa desmoralize a Lava Jato. Tem de bater na cabeça da jararaca. Mas como, se não há crime para acusá-lo? Se há só pedalinhos, obras de alvenaria, propriedades imaginárias, palestras profissionais, presentes de governos estrangeiros.
    Desde a reeleição de Dilma (aliás, por isso mesmo), Lula, seus filhos, sua empresa de palestras e o Instituto Lula tornaram-se alvos de 9 inquéritos do Ministério Público e da Polícia Federal,  3 proposições de ação de penal, 2 fiscalizações da Receita e 38 mandados de busca. Quebraram e vazaram seus sigilos bancário, fiscal e telefônico. 
     Numa afronta à Constituição e a princípios universais do Direito, adotados pelo Brasil em tratados internacionais, Lula é investigado pelos mesmos fatos em inquéritos simultâneos: da Procuradoria-Geral da República, de procuradores regionais do Paraná e Brasília e de promotores do Estado de São Paulo. É tiro-ao-alvo.

Observatório da imprensa

A ética vesga do "jornalismo investigativo"

O objetivo foi claro: confirmar a justeza na exposição dos nomes divulgados até o momento na longa lista do Swissleaks – o vazamento da relação de correntistas do HSBC na Suíça. Mas o resultado é uma sentença de autocondenação: na entrevista publicada simultaneamente no jornal O Globo (ver aqui) e no blog do jornalista Fernando Rodrigues, do UOL (e aqui), que têm exclusividade na apuração, a diretora-adjunta do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, na sigla em inglês), Marina Walker Guevara, afirma que “não interessa revelar a conta secreta de pessoas comuns, que são irrelevantes e não influenciam no destino do país nem na opinião”. E que “o trabalho do repórter é justamente pegar essa base de dados e aplicar sobre ela critérios de interesse público, avaliando que pessoas devem entrar em reportagens e que pessoas não precisam ser expostas”.
Já em artigo publicado na Folha de S.Paulo (“Jornalismo e interesse público”, em 4/3), Marina justificava o motivo pelo qual o ICIJ não publicava a lista completa de nomes: “[É porque] somos jornalistas investigativos, não vazadores de dados, ou ativistas, ou um órgão governamental”.
Os jornalistas brasileiros que apuram este caso, entretanto, não parecem estar agindo de acordo com os princípios que eles mesmos prometeram respeitar. E a recente entrevista da representante do ICIJ é uma comprovação disso.
Exposição indevida
Do contrário, como justificar – apenas para citar um exemplo mais evidente – a divulgação do nome dos quatro filhos de Alberto Dines, apresentados em meio a uma relação de “empresários de mídia e jornalistas”, em 14/3? No caso específico, o fato é especialmente grave porque os dois jornalistas estiveram com ele no programa de TV do Observatóriodedicado ao caso, naquela mesma semana. Tiveram todas as oportunidades de esclarecer o que precisaria ser esclarecido – como o próprio Dines fez, em artigo publicado no mesmo dia em que saíram as reportagens (ver “Vazamentos suíços, canalhices brasileiras”). Tais esclarecimentos teriam sido suficientes para evitar a exposição indevida daquelas pessoas, e o dano irreparável que isso provoca.
Para piorar, O Globo publicou um quadro em que os quatro aparecem identificados como “família Dines”. Alguma dúvida a respeito do alvo real da suspeita?
Em artigo seguinte (“Consórcio de jornalistas e não um ‘pool’ de jornais”), Dines isentou o jornalista Chico Otavio de responsabilidade e afirmou que “a matéria foi editada e manipulada por ordem do ‘aquário’”. Diante de fato tão grave, qual deveria ser a atitude do repórter?
Procurado, Chico Otavio não quis se manifestar.
Na mesma edição, aparece o nome de Arnaldo Bloch, colunista de O Globo, e sua justificativa, que também seria suficiente para que seu nome não fosse sequer mencionado.
Ao mesmo tempo, representantes dos grandes grupos de mídia são citados, respondem que não têm nada a declarar, e fica por isso mesmo.
Celebridades e interesse público
Na segunda-feira (23/3), os jornalistas envolvidos nesse trabalho divulgaram uma lista de celebridades brasileiras, ou que atuam no país. Há interesse público na exposição desses nomes? Em seu blog, Fernando Rodrigues diz que sim, porque celebridade vive de exposição pública, frequentemente se apresenta como um exemplo para a sociedade e sua privacidade não pode ser medida pela mesma régua que mede a de um cidadão anônimo. Mais: muitas delas receberam dinheiro público para seus projetos. Esta, entretanto, seria uma justificativa menor, porque, afinal, todos os cidadãos, célebres ou anônimos, têm obrigação de prestar contas ao fisco, seja qual for a origem do dinheiro que recebem.
O problema todo é o rigor na conceituação de interesse público: celebridades, por definição, diferem dos cidadãos comuns, mas, se não cometeram nenhuma irregularidade, por que deveriam ser expostas? Será difícil concluir que a simples exposição já insinua a suspeita? Não foi exatamente por saber disso que o repórter justificou, desde o início, o cuidado em não revelar imediatamente a íntegra da lista?
No entanto, ele agora sugere que os citados poderiam adotar uma atitude simples para mostrar que está tudo legal com eles – noutras palavras, para afirmar sua inocência:
“Basta mostrar a linha da declaração de bens no Imposto de Renda indicando que o eventual depósito no exterior foi informado à Receita Federal”. E termina com um “#ficaadica”.
É isso mesmo? Agora as pessoas devem exibir documentos a um jornalista? Justamente a um jornalista que demonstrou saber que só pode ir “até onde o ofício permite” e que a profissão “tem limites fixados pela lei”? (Ver, a propósito, neste Observatório, “A ética pisando em ovos”.) Que é o governo que tem os meios para pesquisar quem é ou não passível de acusação e processo?
A “vacina”
A exploração da imagem das celebridades nesse caso pode perfeitamente servir como cortina de fumaça, como tantas vezes ocorre: atrai-se a atenção do público para um lado, enquanto o outro continua na sombra.
Mas não é só isso. Agora, como na lista que misturava empresários de comunicação e jornalistas, há um embaralhamento que levanta dúvidas quando aos critérios e as intenções de quem divulga as informações.
Na sua página no Facebook, o professor Nilson Lage deu o tom dessa crítica:
“Em novo pequeno jato urinário, sai leva fresca de supostos depositantes brasileiros em banco suíço.
“Os agentes que se apossaram da relação completa de correntistas brasileiros no HSBC têm o cuidado de juntar contas ativas e inativas e de misturar os reais possíveis sonegadores com nomes de alta credibilidade.
“Na relação anterior, apareceu, de maneira enviesada, o nome do Alberto Dines, citado como pai de dois cidadãos que não moram no Brasil – e que ele, portanto, nada tem com o caso.
“Agora, ao lado de atores da Globo e outras mediocridades, surgem as contas inativas dos falecidos Jorge Amado e Antônio Carlos Jobim.
“Ambos receberam quantias vultosas do exterior pelos direitos autorais de suas obras, o que provavelmente explica as contas encerradas.
“Essa estratégia objetiva evidentemente diluir a suposta responsabilidade dos depositantes amigos.
“Dines, Jorge, Tom e outros cumprem aí função há muito descrita na crítica do discurso fascista: a ‘vacina’ (Mithologies, R. Barthes, 1957; La propagande politique, Domenach, J-M, 1950)”.
Para esclarecer, citando Barthes, na edição brasileira: “Vacinar o público com um pouco de mal, para em seguida o mergulhar mais facilmente num Bem Moral doravante imune”.
Ao mesmo tempo, é necessário sublinhar o método adotado, que obedece à regra do que costumo chamar de “jornalismo de mãos limpas”: como se bastasse mostrar os dois lados da moeda e lavar as mãos, sem avaliar-lhes a espessura, o peso e a qualidade do material.
Esta tem sido a fórmula, ao longo das semanas: divulga-se uma lista e ouve-se o “outro lado”, que nega ou silencia.
É assim que se investiga?


Debossan Moretzhon - jornalista, professora da Universidade Federal Fluminense, autora de Repórter no volante. O papel dos motoristas de jornal na produção da notícia (Editora Três Estrelas, 2013) e Pensando contra os fatos. Jornalismo e cotidiano: do senso comum ao senso crítico (Editora Revan, 2007)