A carne pode ser fraca. A alma do Direito fundamental, não!
por Armando Rodrigues Coelho Neto
Escrevo ainda sob impacto das prisões da operação “Abafa o Abafa”, mais conhecida como Carne é Fraca, que se não veio para quebrar mais um produto nacional, veio mesmo para esconder a operação “Abafa”, em curso na Polícia Federal. Para que ninguém pense que isso é um jogo de palavras, relembro que a Farsa Jato vai sobreviver com objetivo originário - aquele desejado pelo juiz Gilmar Mendes, que com todas as letras já disse desejar a cassação de registro do Partido dos Trabalhadores. Some-se a isso o dito e redito que a ópera bufa sediada em Curitiba é a casa das máquinas do golpe. Se não dá para fechar aquele partido, que se desgaste, desmoralize e ou que se prenda o gênio da raça, internacionalmente conhecido como Lula.
Costumo dizer que bem ou mal, de forma capenga vivíamos um ensaio de democracia, até que uma figura nefasta denominada Aécio Neves entrou em cena e atraiu para si todos os ódios. Subitamente, ficou claro quem defende a sociedade armada, quem critica privilégios mais por inveja do que razões éticas, quem confunde prerrogativa com privilégio, quem deseja o retorno da classe operária à escravidão “in natura”. Mais ainda, foram desmascarados todos aqueles que, a pretexto de defender estado mínimo, querem na verdade estado ausente, estado nenhum (com um Proer de plantão para socorrer a incompetência da livre iniciativa tupiniquim). Ficou claro quem cria direito e quem deseja sua extinção, quem quer um projeto nacional e quem são os entreguistas.
Se de um lado o acima exposto é de cristalina clareza, de outro, os tempos são obscuros que comportam leituras obscuras. Em tempos de julgamento político respostas e defesas políticas. Portanto, alfafa aos que criticaram Lula no seu recente interrogatório. Qualquer audiência vira palanque - seja para a testemunha, seja para o réu, acusação, defesa ou o juiz. Se por um lado Lula foi ali o protagonista, com mais propriedade mais tem sido o Judiciário. Tempos de precarização do raciocínio médio e ou da deificação de hipócritas, o que confere a juizecos status de pop star. Está em voga o preciosismo legal, ora movido por hermenêutica restrita, ora ampla, ora por valores morais restritos, ora elásticos. Os holofotes definem os propósitos e pouco importa a imagem de pessoas ou mesmo do País no cenário internacional, pois a “carne é fraca”.
Nesse sentido ou qualquer outro, não há referência implícita ou explicita ao juiz A ou B e qualquer semelhança com qualquer urubu de toga é mera coincidência. Ou não. Pode ser proposital. Eis a Themis, deusa da Justiça, que de cega passou a caolha e até pisca de soslaio um olho para quem simpatiza.
Escrevo sob impacto do burburinho noticioso do coronelismo eletrônico, responsável por nossa ignorância. O denominado Partido da Imprensa Golpista (PIG) divulga o que quer, assumindo o criminoso papel da desinformação. Desse modo, não dá pra saber quem é pior, nem a quem se deve atribuir a prática desse delito social, se ao PIG ou quem o alimenta – leia-se Polícia, Ministério e Justiça Federal, hoje desmoralizados. A propósito, como reagiriam se de repente alguém publicasse que tais instituições são formadas por “marginais” e “saqueadores”, que é formada por “parasita”? E se, além disso, fosse dito ou publicado que aquelas instituições correspondem, no todo, a “uma máquina de destruir reputações sustentada por recursos públicos?”
Caso alguém dissesse isso contra aquelas instituições, certamente seria instado a se explicar. Por menos que isso o jornalista Marcelo Auler foi processado por um delegado federal integrante da Farsa Jato. E, por questiúncula, a legítima presidenta da República, Dilma Rousseff (Fora Temer!), no ano passado, foi intimada a explicar o uso da palavra golpe em suas falas. Mas, os termos grotescos acima foram utilizados pelo comentarista de rádio Marco Antônio Villa para achincalhar o Partido dos Trabalhadores. Para o Judiciário, nada ocorreu, foram “simples metáforas”. Cheguei a esse tema atraído pelo seguinte título: “Dizer que o PT é formado por marginais e saqueadores não gera danos morais”, numa matéria veiculada na revista eletrônica Consultor Jurídico (Conjur). Conclui-se, pois, que tudo não passou de mais uma pedra na Geni...
Em tempos de flagelo constitucional, soube recentemente do sequestro judicial temporário do redator do Blog da Cidadania, Eduardo Guimarães, um fato que conjuguei a uma fala do delegado federal aposentado Airton Franco. “Certas prisões cautelares há o intento que já não disfarça o temor extemporâneo ou indesculpável de impactar o valor estrepitoso das operações policiais. Como mandar prender num dia e mandar soltar nos dias imediatos senão pelo fim de banalizar a prisão cautelar?... Tal frenesi de arenas públicas de castigos e de prazeres não combina com o Direito... Não há princípio de adequação social que justifique - na Constituição Cidadã - a prisão cautelar como regra”.
O comentário do colega delegado veio a propósito das prisões na tal “Carne Fraca”, mas são aplicáveis aos casos Lula, Mantega, Guimarães e outros. Como disse Franco, “há excesso dos juízos voluntariosos, das certezas estabelecidas e das interpretações acordadas. Será por esse tortuoso caminho que o Brasil vai ser passado a limpo?”. Sob tal perspectiva, digo eu que, em clima de “Se Moro pode eu também posso”, a cada dia é acentuado o flagelo do Poder Judiciário e com propriedade, meu colega pontificou: “A carne pode ser fraca, mas a Alma do direito fundamental não!”.
Armando Rodrigues Coelho Neto é jornalista e advogado, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo.