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Jair Bolsonaro

INVIOLABILIDADE E IMUNIDADE


Estão fazendo confusão nesse  torpe episódio  iniciado  por mais uma idiotice exarada pelo deputado Jair Bolsonaro. Porque uma coisa é a inviolabilidade, ou seja, deputados e senadores  não podem ser processados, civil e penalmente,  por quaisquer de suas opiniões,  palavras e votos. Está no artigo 53 da Constituição, que propositadamente excluiu um adendo vindo da carta anterior, limitando a inviolabilidade ao que fosse dito, escrito ou votado nos limites da Câmara e do Senado.   Agora, o princípio vale até para o botequim, quanto mais para entrevistas em estúdios de televisão.

Outra coisa é a imunidade, quer dizer, quando cometem crimes, os parlamentares podem ser processados pelo Supremo Tribunal Federal,  a menos que seus colegas expressamente proíbam o processo. Antes era o contrário: só seriam processados caso os colegas dessem licença.

Assim, Jair Bolsonaro  pode ser  punido pela opinião favorável ao racismo? Pode, porque apesar de inviolável, ele praticou um crime. Racismo é crime. A palavra está com o Supremo Tribunal Federal, com poderes para abrir processo contra o deputado sem precisar de licença da Câmara, bastando representação do Procurador Geral da República. Se os deputados ficarem solidários com o representante fluminense, poderão sustar a ação, mediante voto da  maioria. Será?
por Carlos Chagas

por Alon Feuerwerker

Talvez seja caso para desculpas 


As últimas declarações do deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) desencadearam o debate sobre os limites da imunidade parlamentar. Deputados e senadores não podem ser processados por fazerem ataques políticos ou denúncias. É uma prerrogativa vital para a democracia. Sem ela, ficaria mais difícil controlar o poder. Ou impossível.


Mas o que parece simples é um pouco mais complicado. Suponhamos que amanhã um parlamentar espanque certo colega gay no plenário, apenas por a vítima ser gay. A imunidade dificilmente protegerá da cassação o agressor. A imunidade garante o direito de falar, não de espancar.

Até aqui está tudo fácil. O difícil começa quando se lembra que falar também é, ou pode ser, uma forma de espancar. As pessoas têm direito à integridade física, e também têm direito à integridade moral, à imagem, à reputação.

São ambos direitos, tanto quanto a imunidade parlamentar. A imunidade protegeria o senador ou deputado que defendesse a existência de “raças” inferiores e superiores? Seria uma polêmica para o Congresso e os tribunais, mas não creio.

A livre difusão da tese constituiria, em si, uma agressão, uma forma de causar dano. Uma violação de direito.

É um debate difícil, que não tem santos. A justa luta contra a homofobia corre o risco de tomar contornos heterofóbicos, e não será difícil achar um “antibolsonaro” que replique os traços de intolerância do original.

Mas isso não autoriza a neutralidade.

Intolerância e preconceito são coisas que, antes de tudo, cada um sente na própria pele. Dizendo as coisas mais cruamente, é confortável para um branco ser contra cotas raciais nas universidades públicas, assim como é confortável para um negro ser a favor. Difícil é conseguir se enxergar na posição do outro.

Vejam que usei “confortável”. Não usei “certo”, nem “justo”.

É confortável para um judeu ser a favor da existência de Israel. Ou para um palestino ser a favor de haver a Palestina. Já a troca de papeis é algo mais complicada.

Todos têm o direito de não serem atacados por serem diferentes.

Não sou juiz de ninguém. Não vou aqui julgar o deputado Bolsonaro. Que o façam os pares dele. Se acharem conveniente.

O que não impede uma tomada de posição.

Não penso que a imunidade parlamentar deva proteger a emissão de palavras que carreguem o sentido ou a intenção de depreciar ou demonizar indivíduos ou grupos sociais por causa da cor da pele, da religião, da preferência sexual ou da nacionalidade.

Porque tal proteção violaria um bom princípio, transmitido oralmente por gerações: o direito de um acaba onde começa o direito do outro.

E um parêntese. É verdade que nos Estados Unidos impera a mais ampla liberdade de se expressar, mas ela tem uma contrapartida política. O parlamentar que emita declarações racistas ou homofóbicas receberá fortíssima pressão para pedir desculpas. Ou para renunciar ao cargo. Ou as duas coisas.

Ali é mais difícil do que aqui o sujeito refugiar-se numa dobra, num canto escuro da lei, até que a coisa esfrie.

É penoso para um político, mas talvez o deputado Bolsonaro devesse estudar a possibilidade de pedir desculpas.

Para além da algazarra da discussão, esse gesto simples talvez fosse o mais digno.